“Overdose de chocolate” é um termo popular usado por alguns especialistas para definir os sintomas causados pelo consumo excessivo do doce em um curto prazo, como diarreia, refluxo, vômito e mal-estar. Em quadros crônicos, de médio ou longo prazo, exagerar nas porções diárias pode levar ao desenvolvimento de doenças cardíacas.
O feriado da Páscoa, uma das datas mais esperadas do calendário cristão, está batendo na porta e, como de costume, muitas pessoas estão ansiosas para comer os ovos de chocolate, principalmente, as crianças. Até aí, nenhum problema. Especialistas garantem que o doce não precisa ser retirado do cardápio.
No entanto, de acordo com estudos, a recomendação diária para o consumo de chocolate fica entre 25 e 50 gramas, no máximo, o que significa não mais que uma pequena barrinha. E, quando excedemos essa quantidade, corre-se o risco de “overdose”, conforme explica a médica endocrinologista Andressa Heimbecher Soares.
“É errado usar a palavra overdose como um termo técnico para alimentação, porque o efeito da liberação de dopamina e serotonina não são suficientes para causar uma overdose de chocolate, mesmo se consumido em grandes quantidades. Mas, de forma leiga, nós nos apropriamos do termo para facilitar a compreensão dos pacientes”, diz a médica, que também é membro da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM-SP).
Nenhum estudo científico, até o momento, comprovou que o chocolate causa algum tipo de vício ou dependência química. Por isso, embora muitos se julguem “chocólatras”, não existe viciado em chocolate.
“Ninguém vende um bem para comprar chocolate como as pessoas fazem para manter um vício em drogas. A dependência pelo consumo não é real. Por isso que overdose de chocolate é um dito popular”, explica Suelen Jorge, nutricionista e terapeuta nutricional, mestre em Nutrição pela USP (Universidade de São Paulo) e docente da ETEC.
O assunto é complexo porque envolve o circuito de emoções cerebrais – sistema límbico – que atua na memória e em diversos sentimentos. O cacau é um fruto rico em um aminoácido chamado triptofano, substância precursora da serotonina, o hormônio relacionado ao bem-estar e conforto.
O cacau também estimula a produção de dopamina, outro neurotransmissor que atua no sistema de recompensa levando o indivíduo a sensação de prazer. “Um consumo regular de alimentos fontes de triptofano tem atuação, inclusive, em fatores preventivos contra alguns estágios de depressão e ansiedade”, diz Virgínia Fernandes, médica endocrinologista do HUWC-UFC (Hospital Universitário Walter Cantídio da Universidade Federal do Ceará) e professora da mesma universidade.
Para simplificar: comer chocolate ativa a liberação de alguns neurotransmissores que garantem a sensação de prazer e bem-estar. Por isso às vezes é tão difícil conseguir se controlar diante dele.
Chocolate é rico em nutrientes
O chocolate é composto, principalmente, por cacau, manteiga de cacau, leite e açúcar. Os ovos de páscoa, no entanto, podem conter muitos outros ingredientes como coco, nozes, doce de leite. E tudo isso aumenta as calorias.
“Quando pensamos de forma isolada, nenhum ingrediente ou alimento sozinho faz mal para a saúde. Você pode comer qualquer um, mas as reações na saúde física e mental dependem da frequência, quantidade e em que contexto esse alimento está inserido”, diz a nutricionista, mestre em Nutrição pela USP. “Esses fatores são o que vão determinar se está havendo ou não um excesso”, acrescenta a especialista.
O chocolate com maior teor de cacau — os amargos ou, no mínimo, com 60% (o ideal é acima de 70%) — tem mais benefícios em relação aos demais. “Estudos de revisão mostram que o consumo desse tipo de chocolate traz mais benefícios, especialmente, para a saúde cardiovascular, devido aos compostos bioativos presentes na fruta”, enfatiza a nutricionista.
O chocolate amargo e similares contém polifenóis — substâncias antioxidantes que protegem as nossas células e ajudam a manter a saúde do coração reduzindo o LDL (colesterol ruim) e aumentando o HDL, (colesterol bom). Ele também conta com magnésio, potássio, zinco, entre outros nutrientes.
No caso do chocolate ao leite vale o cuidado na hora de consumir porque ele apresenta uma grande quantidade de açúcar e gordura em sua composição.
“Então, se a pessoa optar por um chocolate mais amargo, ele vai trazer diversos benefícios para a saúde, mas isso não quer dizer que o chocolate ao leite é ruim porque tem menos benefícios”, afirma Jorge.
A manteiga de cacau é uma gordura vegetal, fonte de vitamina E, colina (vitamina B8) e vitamina K. Por outro lado, ela tem um alto valor calórico — 100g têm cerca de 880 kcal.
O consumo de chocolate ao leite em excesso, em curto prazo, traz o risco de diarreia, vômito e dor de estômago — sintomas que costumam se apresentar de forma mais intensa em crianças. Em médio ou longo prazo, o exagero pode levar a um aumento dos níveis de glicose e colesterol, obesidade e doenças cardiovasculares.
Mesmo que você tenha exagerado no chocolate, não pense que cometeu um crime e que precisa de punição. Mas reflita sobre os possíveis motivos que o levaram a tomar essa atitude e busque aprender com a situação.
Na Páscoa, a oferta dos mais variados ovos pode ser um dos motivos pelo desejo de comilança. “Se a pessoa vê na páscoa uma oportunidade única para comer chocolate é sinal de que o seu relacionamento com ele não está bem resolvido e a raiz do problema não está sendo vista. Por isso é importante buscar ajuda para ter um relacionamento mais tranquilo com a comida”, sugere a nutricionista.
Ela ressalta também que quando há “permissão” para comer, a tendência é que você domine o alimento, não o contrário. “Quanto mais a gente busca esse relacionamento tranquilo com os alimentos, menos exageramos e menos episódios de overdose temos”, diz.
É difícil dizer, individualmente, a quantidade exata que acarreta sintomas deletérios para o organismo. Nesse sentido, a saciedade pode ajudar o indivíduo a reconhecer os sinais que o corpo apresenta de que está satisfeito.
Mas, em casos de “overdose”, é importante aumentar o consumo de água e manter-se bem hidratado. Evitar carboidratos complexos como pães e macarrão também ajuda na digestão e, consequentemente na melhora dos sintomas.
Após o almoço é um bom horário para consumo
Os especialistas recomendam que a ingestão de chocolate seja feita, prioritariamente, após o almoço. “Primeiro porque se o doce é consumido nesse horário, teremos tempo para gastar e não estocar as calorias”, indica Soares, a médica endocrinologista.
Além disso, refeições ricas em fibras tendem a retardar a absorção da quantidade de açúcar presente no doce, fazendo com que não haja de pico de insulina.
Vale ressaltar, ainda, que o chocolate deve ser ingerido como uma sobremesa, nunca como uma refeição. “Como o chocolate pode possuir cafeína e induzir ao estado de alerta, não é muito recomendável consumir à noite”, diz Clarissa Silva Martins, endocrinologista do Hospital Universitário Maria Aparecida Pedrossian, professora de endocrinologia da Faculdade de Medicina da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul) e membro titular da SBEM (Sociedade de Endocrinologia e Metabologia).
Algumas atitudes simples podem ajudar a combater a ansiedade/desespero, mas sem excluí-lo do cardápio. São essas:
- Prefira a metade: se deu aquela vontade de um doce depois do almoço, coma a metade do que você comeria normalmente;
- Vá devagar: não coma com pressa, mas saboreie o momento e consuma com atenção. Dessa forma é possível realmente matar a vontade;
- Combine alimentos: quer um chocolate? Coma metade dele com uma pêra ou maçã. Assim você ingere mais fibras e se sacia facilmente;
- Lembre-se que menos é mais. Se não consegue resistir, troque. No lugar daquela barra de chocolate inteira, que tal um pequeno chocolate gourmet?
- Atenção aos pensamentos. Tente não descontar suas emoções ou buscar refúgio nos alimentos.
Mesmo que você tenha ganhado vários ovos de chocolate, não precisa consumir tudo de uma vez. Os especialistas recomendam dividi-los em pequenas quantidades e guardar no refrigerador em recipientes com tampa ou em sacos alimentícios. Essa é uma forma de todos os dias comer uma porção, mas sem exagerar na quantidade.
“O chocolate pode permanecer no congelador, normalmente, por um período de até três meses. E ele descongela muito fácil devido a própria composição. Se você tirar do saquinho e deixa-o na mão, em poucos minutos depois ele já estará ótimo para consumo”, diz Jorge, a nutricionista e mestre em nutrição pela USP.
Por fim, lembre-se que a Páscoa não é a única época do ano que podemos comer chocolate. “Mas, caso sinta que exagerou no consumo, não fique se consumindo com sentimento de culpa, frustração. Aconteceu, na próxima refeição volte a comer normalmente para se sentir satisfeito”, indica Flávia Teixeira, psicóloga, mestre em Saúde Coletiva pela UFRJ, professora de pós-graduação em Psicologia Hospitalar na UFRJ e especialista em transtornos alimentares pela USP.
Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
Você precisa fazer login para comentar.