Com a reeleição do prefeito Ricardo Nunes (MDB) em São Paulo (SP), a capital paulista passará a ter um vice-prefeito que é aliado do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e já foi comandante das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota), batalhão de elite da polícia militar (PM) de São Paulo.
Ricardo de Mello Araújo, de 53 anos, será o responsável por assumir a prefeitura de São Paulo em caso de ausência de Nunes e por auxiliá-lo na gestão da maior cidade do Brasil e da América Latina. Assim como Bolsonaro, o policial da reserva é filiado ao PL.
Nas redes sociais, Mello Araújo se apresenta como coronel da PM e declara ser bacharel em Direito e Educação Física, com pós-graduação em fisiologia do exercício pela Universidade de São Paulo (USP).
Além do comando da Rota, o policial ocupou anteriormente outro posto de destaque na capital paulista: foi presidente da Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp).
Entretanto, em 18 de outubro, já na disputa pelo segundo turno, uma pesquisa Datafolha revelou que 86% dos eleitores de Nunes não sabiam mencionar corretamente o nome de seu vice.
Na campanha oponente, a situação era mais positiva nesse aspecto: 80% dos eleitores de Guilherme Boulos (PSOL) mencionaram corretamente o nome de Marta Suplicy (PT).
Mello Araújo prometeu atuar, uma vez eleito, nas áreas em que possui mais experiência, como segurança pública e esportes.
A prefeitura é responsável pela Guarda Civil Metropolitana (GCM) — a PM, da qual o vice-prefeito eleito fez parte, é de responsabilidade estadual.
No plano de governo da chapa de Nunes e Mello Araújo, promete-se o aumento no número de agentes da GCM e maior presença dos guardas na periferia e em “locais estratégicos” como escolas.
Em entrevista ao portal Terra durante a campanha, Mello Araújo afirmou que pretende fortalecer a guarda municipal e torná-la “padrão Rota”.
“Vou fazer uma guarda muito forte, uma guarda reconhecida, uma guarda padrão Rota. A nossa ideia é valorizar a categoria, para que a gente trabalhe com qualidade, para que eles sejam reconhecidos e a população comece a enxergar a organização de uma forma melhor”, afirmou.
Ele também costuma destacar que já ganhou um prêmio do Instituto Sou da Paz em 2009, o Polícia Cidadã. O prêmio destaca boas práticas policiais e a prevenção e redução da violência e da criminalidade.
Sobre a Cracolândia, o policial reformado defendeu a internação compulsória de pessoas com dependência química e disse que crianças poderiam ir até a região para verem maus exemplos do uso de drogas.
“Imagina a gente levar a criança das escolas, com ônibus, com a guarda, para passar num entorno e ver o que é uma pessoa que depende da droga, o que ela vira?”, disse durante sabatina na Record.
“Se você tem um filho e ele está lá, largado, abandonado e sem condições de discernir, a família presente assina um termo e está sendo internado, compulsoriamente, com autorização da família. Mas nós temos os casos em que não há família mais, e essa pessoa está largada lá. Ela não tem discernimento. Eu entendo que deveria, sim, ser internado”, respondeu.
Ao Terra, Mello Araújo garantiu que também seriam buscadas soluções humanizadas e inovadoras para a situação.
Enquanto isso, em vídeo postado no Instagram na véspera do segundo turno, Mello Araújo aparece falando a eleitores que Guilherme Boulos e seu partido teriam um projeto para liberar 42 mil traficantes que estão presos.
Agências de checagem como Aos Fatos e o jornal O Estado de S. Paulo apuraram que esta afirmação é falsa.
O jornal paulista também revelou que Mello Araújo foi alvo de oito investigações por homicídio na época em que estava na Polícia Militar. As investigações ocorreram entre 1992 e 2006 mas, segundo a campanha de Nunes, foram arquivadas ainda na fase do inquérito.
Quando liderava a Rota, Mello Araújo deu uma entrevista ao portal UOL que marcou sua trajetória: ele defendeu abordagens policiais diferentes de acordo com o bairro.
“É uma outra realidade. São pessoas diferentes que transitam por lá. A forma dele abordar tem que ser diferente. Se ele [policial] for abordar uma pessoa [na periferia], da mesma forma que ele for abordar uma pessoa aqui nos Jardins [região nobre de São Paulo], ele vai ter dificuldade. Ele não vai ser respeitado”, declarou Mello Araújo em 2017.
“Da mesma forma, se eu coloco um [policial] da periferia para lidar, falar com a mesma forma, com a mesma linguagem que uma pessoa da periferia fala aqui nos Jardins, ele pode estar sendo grosseiro com uma pessoa do Jardins que está ali, andando.”
“O policial tem que se adaptar àquele meio que ele está naquele momento”, defendeu ele.
Em diversas entrevistas nos últimos meses, Mello Araújo contou que se aproximou de Bolsonaro a partir das eleições presidenciais de 2018.
À época, ainda como comandante da Rota, ele declarou publicamente que votaria no então deputado federal e candidato pelo extinto Partido Social Liberal (PSL).
Pouco tempo depois, já eleito presidente, Bolsonaro foi visitar o quartel comandado por Mello Araújo. A partir desse momento, de acordo com declarações de ambos, eles criaram uma relação de amizade e confiança.
Esse vínculo rendeu ao ex-comandante da Rota uma nomeação para a presidência da Ceagesp em outubro de 2020.
Em vídeos divulgados nas redes sociais à época, Bolsonaro pediu “um voto de confiança” a Mello Araújo.
“Tenho ele como companheiro, como amigo. […] Pode ter certeza, ele fará uma excelente administração. […] Acreditem: a indicação é pessoal minha”, disse o então presidente.
A gestão de Mello Araújo na companhia de abastecimento paulista ganhou muitos elogios, mas também foi cercada de polêmicas.
Por um lado, apoiadores do ex-coronel defendem que ele organizou as finanças da entidade e acabou com uma série de práticas criminosas que supostamente aconteciam no local.
O próprio Nunes disse que ficou “encantado” com o trabalho de Mello Araújo na Ceagesp.
“Ele enfrentou o crime organizado, prendeu pessoas que faziam exploração sexual infantil, organizou as finanças, e isso é algo que muitas pessoas não sabiam”, declarou o prefeito e candidato à reeleição em junho.
Por outro lado, a gestão do ex-policial no entreposto é criticada pela militarização de postos estratégicos — segundo o jornal O Globo, ele indicou 22 policiais para cargos comissionados da Ceagesp.
De acordo com a Folha de S.Paulo, sindicalistas que atuam no centro de distribuição também denunciaram abusos e intimidações durante a gestão de Mello Araújo.
O Sindicato dos Empregados em Centrais de Abastecimento de Alimentos do Estado de São Paulo, por exemplo, afirmou que três funcionários teriam sido coagidos a pedir demissão.
A reportagem, publicada em junho, destaca que o Ministério Público do Trabalho ajuizou uma ação contra a Ceagesp com base nesses relatos.
Ainda na gestão de Mello Araújo, uma sala na sede da Ceagesp, que fica na zona oeste da capital paulista, estava alugada para a instalação de um clube de tiro, informou o jornal O Globo.
Durante a pandemia de covid-19, em abril de 2021 Jair Bolsonaro parabenizou Mello Araújo por organizar um comboio com alimentos que saiu da Ceagesp em direção a Araraquara (SP).
Na época, o então presidente propagou a notícia falsa de que a população de Araraquara estaria passando fome e comendo animais por conta das medidas de isolamento social, às quais ele se opunha. A afirmação foi considerada falsa por veículos de checagem como UOL e Boatos.org.
Mello Araújo deixou a presidência do armazém no início de 2023.
Em entrevista recente à Folha de S. Paulo, Mello Araújo afirmou que só tomou uma dose da vacina de covid-19 e que seus dois filhos jovens não foram imunizados.
“Eu sou a favor, a vacina é importante, eu tenho todas as vacinas. Só que, em uma pandemia, vem uma vacina que foi feita às pressas”, argumentou, questionando também a eficácia do isolamento social e defendendo a postura de Jair Bolsonaro durante a pandemia.
Indicação a vice na chapa de Nunes
Desde o início da campanha eleitoral deste ano, Bolsonaro condicionou o apoio a Nunes à indicação do nome que ocuparia o cargo de vice-prefeito na chapa.
Foi assim que Mello Araújo acabou escolhido, apesar de uma resistência dos outros partidos que integram a coligação do emedebista.
Muitos temiam que o nome do ex-coronel pudesse afastar os eleitores de centro, menos alinhados com as bandeiras da direita encampadas pelo grupo bolsonarista.
A proximidade tanto de Bolsonaro quanto de Mello Araújo da candidatura de Nunes gerava receio porque, entre outros motivos, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi o candidato mais votado na capital paulista em 2022, derrotando o ex-presidente Jair Bolsonaro na disputa pela presidência do país.
Por isso, o entorno de Nunes temia a rejeição ao bolsonarismo em São Paulo — o que rendeu uma aliança tímida entre o prefeito e Bolsonaro na campanha.
Em entrevista ao Estadão Conteúdo em junho, o deputado federal Coronel Telhada (PP-SP) disse que Mello Araújo não tinha “traquejo político nem votos”.
“A menos que Bolsonaro faça campanha para ele, será mais difícil a chapa decolar”, disse Telhada à época.
Na mesma reportagem, o deputado estadual Delegado Olim (PP) chegou a declarar que nem o próprio Nunes estava entusiasmado com a indicação de Bolsonaro.
“Ele [Mello Araújo] não agrega nada, mas, como homem de partido, vou fazer campanha e ajudar a vencer a eleição”, declarou ele.
Além do apoio explícito de Bolsonaro, a escolha de Araújo foi endossada pelo governador paulista Tarcísio de Freitas (Republicanos) — esse visto como o principal fiador da campanha de Nunes, mais do que Jair Bolsonaro.
Nas redes sociais, Mello Araújo frequentemente reforçou o vínculo com Bolsonaro.
Em um vídeo postado na véspera do primeiro turno na conta do policial da reserva, Bolsonaro aparece afirmando: “Em São Paulo, tem o meu vice, que é o coronel Mello Araújo. Confio 100% nele. Se o Nunes fosse mal intencionado, jamais aceitaria [como] o vice coronel Mello Araújo.”
“O Mello Araújo é uma pessoa que não vai ser um vice para atrapalhar o prefeito ou para ficar no gabinete. Pode ter certeza que ele vai ser ativo.”
Em outro vídeo postado em suas redes sociais, o futuro vice-prefeito diz que não era sua vontade se envolver com política.
“Eu não queria ser da política e insistiram”, diz Mello Araújo. “Eu falei assim: vou para tentar fazer a diferença. Então por isso que eu estou saindo candidato, para tentar fazer melhor do que os outros fizeram.”
Tradição familiar
O futuro vice-prefeito representa a terceira geração de sua família a trabalhar na polícia paulista.
Segundo informações divulgadas por ele próprio, seu avô integrou a Força Pública e atuou durante a Revolução Constitucionalista de 1932.
Já seu pai fez parte do Batalhão de Choque e do Comando de Policiamento da Capital em meados dos anos 1980.
Mello Araújo formou-se na Academia Militar do Barro Branco no início dos anos 1990 e trabalhou durante muitos anos no interior do Estado, na região de Bragança Paulista.
Alguns anos depois, em meados de 2012, ele mudou-se para a capital, onde serviu como assessor da Secretaria de Segurança Pública.
Em 2017, o policial assumiu o comando da Rota, cargo que ocupou até 2019, quando entrou para a reserva.
Mello Araújo declarou à Justiça Eleitoral ter cerca de R$ R$ 3,6 milhões em bens, incluindo investimentos financeiros, um apartamento no bairro de Pinheiros e duas salas que recebeu como doação do pai em vida.
Fonte: BBC
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