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María Corina Machado foi inabilitada para exercer cargos públicos por 15 anos

A oposição venezuelana voltou à estaca zero.

Em 2023, em Barbados, a oposição entrou em um acordo com com o governo chavista de Nicolás Maduro de que em 2024 haveria eleições presidenciais com garantias de participação e observação de órgãos internacionais.

De tendência liberal e conhecida pelas críticas diretas ao partido governista desde a época de Hugo Chávez, Machado vem despontando há meses nas pesquisas como favorita nas eleições da Venezuela.

“Entre Machado e Maduro as pesquisas estão quase 2 a 1, então ela venceria uma eleição hoje sem maiores problemas”, afirma Félix Seijas, diretor da empresa de pesquisas Delphos.

Mas as aspirações de Machado e da oposição sofreram um forte revés no dia 26 de janeiro, quando o Supremo Tribunal de Justiça da Venezuela (TSJ), acusado de agir sempre a favor do governo Maduro, emitiu uma decisão indicando que Machado está inabilitada para exercer cargos públicos por 15 anos.

Esta decisão, não totalmente inesperada, abriu uma grande crise política que não só afetou a candidatura de Machado, mas também pôs em questão o futuro dos Acordos de Barbados e o fim das sanções ao governo anteriormente lançadas pelos Estados Unidos.

Diante deste panorama, a oposição na Venezuela enfrenta vários cenários.

A BBC News Mundo, serviço da BBC em espanhol, explica alguns deles.

1. María Corina Machado, ‘até o fim’

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‘Até o fim’ é uma espécie de slogan que Machado usou durante a campanha eleitoral primária

Pouco depois da decisão do TSJ, Machado acusou Maduro de descumprir o Acordo de Barbados.

“O que não acabou é a nossa luta para conquistar a democracia por meio de eleições livres e justas. Maduro e seu sistema criminoso escolheram o pior caminho para eles: eleições fraudulentas. Isso não vai acontecer”, escreveu a adversária em sua conta no X (antigo Twitter).

“Que ninguém duvide, vai ser até ao fim”, acrescentou, usando uma frase que lhe serviu de palavra de ordem durante as primárias e que não deixa claro se ela se refere à sua luta política em geral ou à sua candidatura em particular.

Por enquanto, Machado deu sinais claros de que pretende continuar lutando para manter sua candidatura.

“Recebi o mandato de quase 3 milhões de venezuelanos que exerceram a soberania popular. Eles não podem realizar eleições sem mim e sem os milhões de venezuelanos que representamos”, disse ela em 29 de janeiro, em sua primeira aparição pública após a decisão do TSJ.

“Vamos competir e vamos vencer Nicolás Maduro”, acrescentou.

Félix Seijas, da Delphos, salienta que, neste momento, a oposição está tomando o caminho de continuar pressionando o governo para que Machado possa se candidatar.

“Ela [Machado] continua sendo a primeira escolha, venceu as primárias e a pressão por sua candidatura vai continuar até o último momento”, diz Seijas.

“O que significa o último momento? Bem, pode acontecer quando a data da eleição for anunciada. Isso definiria um calendário eleitoral em que também seria definida a última data para inscrição dos candidatos”, ressalta.

O especialista destaca que, neste momento, embora seja muito difícil reverter a decisão da Justiça, todas as possibilidades ainda estão abertas. E que existem inúmeras pressões para que a candidatura de Machado seja uma realidade.

Essas incluem as ações da Casa Branca.

O governo Joe Biden começou a impor novamente algumas sanções ao governo de Maduro e já anunciou que não renovará a atual licença que permite o alívio das restrições ao petróleo e gás venezuelanos que expira no final de abril.

Muitos outros governos e instituições em todo o mundo expressaram preocupação com a desqualificação de Machado.

“As decisões destinadas a impedir que os membros da oposição exerçam seus direitos políticos fundamentais só podem minar a democracia e o Estado de direito”, disse o porta-voz de Josep Borrell, o alto representante da União Europeia para os Negócios Estrangeiros, em um comunicado.

Colette Capriles, professora da Universidade Simón Bolívar de Caracas e membro eleito da Academia de Ciências Políticas e Sociais da Venezuela, afirma que o TSJ condenou Machado sem submetê-la ao devido processo legal.

“A sentença não tem lógica, não tem alegações, não tem fatos, não tem nem mesmo uma acusação”, diz a acadêmica, embora ela acredite ser “muito improvável que a decisão seja revertida.”

“O que o governo tem feito desde o final do ano passado é proteger o campo eleitoral. Ele tentou limpar o campo eleitoral dos concorrentes”, diz Capriles.

“O governo Maduro tomou a decisão de não permitir que haja uma ameaça real à sua permanência no poder. Principalmente se se tratar desta ameaça específica que é a de María Corina Machado. Por quê? Porque María Corina Machado tem uma visão radical da política”, acrescenta.

Capriles esclarece que não se refere a “radical no sentido ideológico” mas ao fato de que o setor da oposição mais próximo de Machado “tem a visão de que a única forma de a Venezuela avançar e se reconstruir é garantindo que o chavismo não faça mais parte do poder.”

“Mas acontece que o chavismo vai continuar no poder: ele tem 20 governos estaduais e tem todas as instituições sob seu controle”, ressalta.

2. Encontrar um substituto

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Machado, que durante anos representou uma opção minoritária na oposição, venceu as primárias com mais de 90% dos votos

Félix Seijas destaca que, segundo as pesquisas, parte da população venezuelana deseja a candidatura de Machado, mas, se isso não for possível até o encerramento das inscrições dos candidatos, está inclinada a votar em um substituto que tenha a aprovação dela.

“Neste cenário, a melhor opção para a oposição é acabar escolhendo alguém que participou das primárias e da organização da campanha de María Corina Machado. Então, o ideal seria chegar a um nome de forma unificada”, afirma.

O especialista indica que, nessas circunstâncias, as pesquisas apontam que o eventual substituto de Machado teria a mesma taxa de intenção de voto dela.

Mas a substituição de uma candidatura, alerta Colette Capriles, é um processo que não pode ser feito de imediato e que deve ser construído como um consenso.

Ele ressalta que, até o momento, Machado não deu nenhum sinal de que está disposta a desistir e construir uma candidatura alternativa.

“É lógico que ela envereda por um caminho em que, por razões óbvias de posicionamento político, não pode declarar-se imediatamente impedida de participar das eleições”, diz a especialista.

“É muito importante que isso não aconteça neste momento, mas haverá muita pressão para preparar um novo candidato se isso tiver que ser feito”, explica.

Capriles destaca que é evidente que Machado tem autoridade e um papel a desempenhar na escolha de seu eventual substituto porque parte do sucesso de sua candidatura se baseia em um certo cansaço dos eleitores em relação aos partidos tradicionais de oposição e suas lideranças.

“Se você realmente quer participar nas eleições presidenciais, parece que a única alternativa é que haja realmente uma candidatura única alternativa apoiada por María Corina Machado e que também possa apelar àquele eleitor que já não confia no restante das lideranças políticas”, diz o especialista.

3. O exemplo de Barinas

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Sergio Garrido foi o quarto candidato da oposição que tentou concorrer ao governo de Barinas e, finalmente, conseguiu derrotar o chavismo

Capriles alerta, porém, que não há garantias de que o chavismo aceitará qualquer candidato que Machado escolha como seu substituto.

Este mistério abre a porta a uma repetição nas eleições presidenciais do que aconteceu nas eleições para eleger o governador do estado de Barinas, onde nasceu Hugo Chávez, no final de 2021.

Na ocasião, depois que o oposicionista Freddy Superlano derrotou o candidato do governista Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), o TSJ invalidou as eleições, informando posteriormente que Superlano não poderia participar porque estava desclassificado.

Em seguida, a oposição quis indicar Aurora Silva, esposa de Superlano, que também foi desclassificada; e depois, o indicado foi Julio César Reyes, que sofreu o mesmo destino.

Apesar de tudo isto, o quarto candidato da oposição, Sergio Garrido, conseguiu vencer as novas eleições e assumiu o governo de Barinas após 23 anos de hegemonia do chavismo.

No entanto, os especialistas alertam que para o partido no poder é muito diferente perder um governo estadual, por mais emblemático que seja, do que perder a Presidência da República.

Isso implica abandonar o poder em uma situação em que os custos de saída são muito elevados, uma vez que muitos governistas estão sujeitos a sanções internacionais, além dos EUA oferecerem recompensas por sua prisão.

Maduro é um deles.

“A opção razoável para a oposição é Machado nomear um sucessor que tenha o consenso das demais forças políticas e que também não seja visto pelo governo atual como uma ameaça iminente”, afirma Capriles.

“Essas seriam as três condições, bastante difíceis de cumprir.”

4. Divisão e abstenção

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Embora a maior parte da oposição tenha desistido em 2018, alegando que não existiam condições adequadas para as eleições, Henri Falcón concorreu como adversário e, após as votações, decidiu questionar o processo

Pode acontecer também que, se chegar a hora e for necessário escolher um substituto para Machado, a oposição não consiga fechar acordo sobre um candidato e acabe concorrendo dividida.

“O pior para a oposição seria que talvez algum grupo escolhesse não participar das eleições e apelasse a um boicote e outro grupo escolhesse participar. E desse último grupo poderiam surgir um único candidato ou vários”, afirma Seijas.

“Esta opção significaria a divisão da oposição e afetaria significativamente as eleições”, completa.

Nessa perspectiva, o especialista considera que o principal objetivo do governo Maduro antes das eleições é dividir a oposição.

“Se ele conseguir isso, o caminho para as eleições presidenciais de 2024 ficará bastante claro”, afirma o pesquisador.

“E esses são os passos que Maduro sempre vai tentar dar. Não permitir que María Corina Machado vá nessa direção, assim como o surgimento de outros candidatos com o rótulo de oposição, mas de legitimidade duvidosa, que também são promovidos pelo governo justamente para tentar dividir a oposição”, diz ele.

Neste contexto, Machado enfrenta um dilema: se não for autorizada a concorrer, ela poderia apoiar um substituto, mas também poderia optar por ignorar todo o processo, o que levaria a um cenário como o de 2018, quando a maior parte da oposição se absteve no pleito devido à falta de garantias eleitorais, enquanto alguns candidatos minoritários concorreram.

Como consequência, Maduro foi eleito e, embora os EUA e grande parte da comunidade internacional não tenham reconhecido sua vitória e tenham imposto sanções ao país, ele já está perto de cumprir todo o mandato no poder.

“É um jogo complicado, mas creio que María Corina Machado é perfeitamente capaz de ver que repetir o esquema de 2018 seria o pior para o país e para a sua carreira política, porque significaria ficar de fora do poder mais uma vez”, afirma Colette Capriles.

“A abstenção é a bomba atômica do governo, porque com os números que ele tem, é assim que ele pode vencer”, acrescenta.

Em todo caso, as alternativas da oposição serão muito marcadas pelas decisões do chavismo que, graças ao controle sobre as instituições do país, movimenta muitas alavancas que afetam todo o processo, como as desqualificações dos candidatos e, muito importante, o calendário eleitoral.

Nesse sentido, nesta semana a Assembleia Nacional controlada pelo chavismo aprovou um acordo para preparar “uma proposta de calendário eleitoral presidencial a ser prontamente apresentada ao Poder Eleitoral”.

A velocidade da aprovação e o fato de Maduro defender “eleições já” sugerem a possibilidade de antecipar as eleições presidenciais, como foi feito em 2018.

Naquele ano, a disputa foi realizada em maio, quando tradicionalmente ela acontece em dezembro.

Se assim for, Machado e o restante da oposição venezuelana não terão muito tempo para escolher uma opção frente à desqualificação de sua principal candidata.