O presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez neste sábado (20/5) críticas ao que chamou de “blocos antagônicos” no mundo ao falar durante a cúpula do G7, grupo de sete dos países mais ricos do mundo, que se reúnem neste fim de semana em Hiroshima, no Japão.
Nessa linha, Lula defendeu reformas e a inclusão de novos membros permanentes no Conselho de Segurança da ONU. Nas palavras do brasileiro, sem isso “a ONU não vai recuperar a eficácia, autoridade política e moral para lidar com os conflitos e dilemas no século 21”.
O G7 engloba EUA, Canadá, França, Alemanha, Itália e Japão.
Brasil e outros sete países – Austrália, Comores, Ilhas Cook, Índia, Indonésia, Coreia do Sul e Vietnã – participam como convidados.
Durante as sessões “Trabalhando juntos para enfrentar múltiplas crises” e “Esforços compartilhados em prol de um planeta sustentável”, Lula centrou sua fala em ao menos 4 pontos:
1 – Sistema financeiro ‘a serviço da produção’
Lula disse que, desde sua primeira participação como convidado do G7, em 2009 – ano seguinte à eclosão da crise financeira global -, ficou exposta a “fragilidade dos dogmas e equívocos do neoliberalismo”.
“A arquitetura financeira global mudou pouco (desde então), e as bases de uma nova governança econômica não foram lançadas”, declarou Lula diante dos demais chefes de Estado.
O brasileiro defendeu que para enfrentar as “múltiplas crises” atuais – desde a ambiental até segurança alimentar e ameaças à democracia, entre outras – seria preciso uma “mudança de mentalidade”.
“O sistema financeiro global tem que estar a serviço da produção, do trabalho e do emprego. Só teremos um crescimento sustentável de verdade direcionando esforços e recursos em prol da economia real”, opinou.
2 – ‘Estado indutor de políticas públicas’
Ele emendou fazendo a defesa da ação do Estado na resolução dos problemas.
Disse que degradação ambiental, fome, pandemia e desigualdade “demandam respostas socialmente responsáveis, uma tarefa que só é possível com um Estado indutor de políticas públicas voltadas para a garantia de direitos fundamentais e do bem-estar coletivo”.
“Um Estado que fomente a transição ecológica e energética, a indústria e a infraestrutura verdes”, prosseguiu Lula.
“A falsa dicotomia entre crescimento e proteção ao meio ambiente já deveria estar superada. O combate à fome, à pobreza e à desigualdade deve voltar ao centro da agenda internacional, assegurando o financiamento adequado e transferência de tecnologia.”
3 – Multilateralismo x ‘blocos antagônicos’
Lula concluiu um de seus discursos com críticas ao que chamou de “blocos antagônicos”, exaltando o multilateralismo.
“Nenhum país poderá enfrentar isoladamente as ameaças sistêmicas da atualidade. A solução não está na formação de blocos antagônicos ou respostas que contemplem apenas um número pequeno de países”, afirmou.
“Não faz sentido conclamar os países emergentes a contribuir para resolver as ‘crises múltiplas’ que o mundo enfrenta sem que suas legítimas preocupações sejam atendidas, e sem que estejam adequadamente representados nos principais órgãos de governança global. (…) Sem reforma de seu Conselho de Segurança, com a inclusão de novos membros permanentes, a ONU não vai recuperar a eficácia, autoridade política e moral para lidar com os conflitos e dilemas do século 21”, declarou.
Pedidos de mudanças no Conselho de Segurança – instância da ONU cuja missão principal é “manter a paz e a segurança internacional” – são uma agenda antiga de Lula, desde seus primeiros mandatos.
O Conselho tem cinco membros permanentes (China, França. Rússia, Reino Unido e EUA) e dez não permanentes, eleitos para mandatos de dois anos (o Brasil participa do órgão atualmente). Mas apenas os membros permanentes têm poder de veto em resoluções.
4 – Mais dinheiro de países ricos para ações ambientais
Em seu discurso na sessão dedicada à sustentabilidade, Lula cobrou mais dinheiro dos países ricos para a mitigação do aquecimento global.
“Essa é uma crise que não afeta a todos da mesma forma, nem no mesmo grau, nem no mesmo ritmo. Mais de 3 bilhões de pessoas já são diretamente atingidas pela mudança do clima, em especial em países de renda média e baixa”, afirmou.
“Insistimos que os países ricos cumpram a promessa de alocarem US$ 100 bilhões ao ano à ação climática. (…) De nada adianta os países e regiões ricos avançarem na implementação de planos sofisticados de transição se o resto do mundo ficar para trás ou, pior ainda, for prejudicado pelo processo.”
“Seguiremos abertos à cooperação internacional para a preservação dos nossos biomas, seja em forma de investimento ou colaboração em pesquisa científica. É com esse espírito que manifesto meu apreço pelos aportes anunciados recentemente ao Fundo Amazônia”, declarou.
Objetivos de Lula no G7
Mas ele também almeja conseguir ajuda junto ao Fundo Monetário Internacional (FMI) para a Argentina, além de revitalizar o G20 (grupo das 20 maiores economias do mundo) e se firmar como uma espécie de ponte entre o G7 e os Brics, grupo formado pelo Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.
Ao mesmo tempo, a principal preocupação diplomática do Brasil era com a possibilidade de o encontro do G7 adotar um tom de crítica aberta à Rússia em meio à guerra na Ucrânia, membro do Brics e com quem o Brasil mantém boas relações diplomáticas.
Mas o comunicado final do encontro já coloca empecilhos nessa ambição brasileira.
A repórter enviada da BBC a Hiroshima, Tessa Wong, explica que o texto diz que as sete economias mais avançadas do mundo estão comprometidas a “intensificar nosso apoio diplomático, financeiro, humanitário e militar à Ucrânia, para aumentar os custos à Rússia e aos que apoiam seus esforços de guerra”.
Guerra na Ucrânia
Durante a cúpula, os EUA deram sinal verde a seus aliados para que enviem jatos de guerra à Ucrânia – e os líderes do G7 prometeram intensificar as sanções econômicas impostas à Rússia.
O comunicado final do encontro deste final de semana foi antecipado para este sábado por causa da presença de Volodymyr Zelensky, presidente da Ucrânia, na cúpula japonesa.
É esperado que Zelensky se reúna com Lula durante a cúpula.
Lula tem defendido uma posição de neutralidade na guerra, mas é pressionado por países ocidentais a adotar uma postura mais crítica a Moscou.
Declarações de Lula nos últimos meses chegaram a gerar mal-estar com Europa e Estados Unidos, em particular quando ele disse que “a decisão da guerra foi tomada por dois países” e que “é preciso que os Estados Unidos parem de incentivar a guerra e comecem a falar em paz. É preciso que a União Europeia comece a falar em paz pra que a gente possa convencer o (Vladimir) Putin e o Zelensky de que a paz interessa a todo mundo e a guerra só está interessando, por enquanto, aos dois”.
Na ocasião, o porta-voz de Segurança Nacional da Casa Branca afirmou que Lula estava “reproduzindo propaganda russa e chinesa” e fazendo comentários “simplesmente equivocados”.
Tom semelhante foi adotado pelo porta-voz de Assuntos Externos da União Europeia, Peter Stano. Ele disse na ocasião: “Em referência às falas do presidente brasileiro, (…) é a Rússia, e apenas a Rússia, a responsável pela agressão ilegítima e não provocada contra a Ucrânia. Então não há dúvidas quanto a quem é o agressor e quem é a vítima”.
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