Os Estados Unidos e o Reino Unido lançaram ataques conjuntos contra 36 alvos houthi em 13 locais no Iêmen neste fim de semana.
Os houthis prometeram responder aos ataques dos EUA e do Reino Unido. Um porta-voz do grupo rebelde disse no X (antigo Twitter) que a terceira rodada de ataques conjuntos entre Reino Unido e EUA não impediria sua “postura moral, religiosa e humanitária” de apoio aos palestinos.
Washington atacou a Força Quds do Corpo da Guarda Revolucionária Iraniana (IRGC) e milícias afiliadas no Iraque e na Síria, em sete locais no total. Os bombardeiros atingiram 85 alvos individuais, segundo autoridades de defesa americanas.
“Ataques com aviões não tripulados contra bases americanas vêm sendo frequentemente realizados por essas milícias apoiadas pelo Irã, mas este foi o mais grave”, afirmou o repórter de segurança da BBC Frank Gardner.
A Casa Branca afirma que o Irã está por trás desta e de outras operações. Já o governo iraniano nega a acusação.
O professor de Relações Internacionais Fawaz Gerges, da London School of Economics and Political Science (LSE), na Inglaterra, disse à BBC, antes da retaliação americana, que “existe o perigo real de que a guerra em Gaza se torne um conflito regional mais amplo”.
“A grande questão é que a estratégia de dissuasão do presidente Biden fracassou”, disse.
A expansão do conflito é considerada uma derrota da estratégia americana dos últimos meses. Seu objetivo era evitar a escalada do conflito na Faixa de Gaza para os países vizinhos.
Segundo especialistas, no entanto, a abordagem dos EUA permitiu ao Irã retirar pessoal, evitando potencialmente um conflito mais amplo entre EUA e Irã na região neste momento.
Neste contexto, um dos elementos que tornam a situação ainda mais complexa na região é que existe uma série de organizações ativas espalhadas por diversos países.
O ataque que matou três soldados americanos é um exemplo – ele foi perpetrado por uma rede de organizações e não só por um único agente, apontam especialistas.
“O grupo autodenominado Resistência Islâmica no Iraque faz parte de uma vasta rede de milícias apoiadas pelo Irã, que foram armadas, financiadas e treinadas pelo Corpo da Guarda Revolucionária iraniana”, explica Frank Gardner.
“Com operações na Síria, Iraque, Líbano e Iêmen, eles se opõem à presença militar tanto de Israel quanto dos Estados Unidos na região”, acrescenta o repórter da BBC.
Pouco depois do ataque do Hamas em território israelense, em 7 de outubro, e da resposta militar de Israel que se seguiu sobre a Faixa de Gaza, os Estados Unidos transportaram navios de guerra para o mar Mediterrâneo, advertindo todas as partes envolvidas a não escalonarem o conflito.
Mas os ataques já ultrapassaram em muito o esperado.
“A realidade é que existe fogo ardendo em diversas frentes”, destaca a chefe dos correspondentes internacionais da BBC, Lyse Doucet.
A seguir, entenda quais são essas frentes.
1. O Líbano e o papel do Hezbollah
Agora, em meio à guerra na Faixa de Gaza, essa fronteira se tornou uma das zonas mais sensíveis na expansão do conflito.
Nos últimos meses, as forças israelenses e o grupo radical islâmico Hezbollah – movimento xiita apoiado pelo Irã – trocaram ataques constantes.
Neste cenário, os Estados Unidos receiam que Israel possa atacar ou invadir o Líbano – e vem instando seu aliado a evitar uma ação desse tipo.
Se essa ação militar ocorrer, a região chegará a um nível de conflito muito maior, com consequências imprevisíveis para o Ocidente.
2. Os houthis e a tensão no Mar Vermelho
Os houthis controlam grande parte do Iêmen e contam com apoio iraniano. Desde novembro, a milícia vem atacando os navios que passam pelo estreito Bab el-Mandeb, um canal com 32 km de largura que separa o Iêmen, na Península Arábica, do nordeste da África.
Os insurgentes afirmam que estão atacando navios ligados a Israel, como represália pela guerra na Faixa de Gaza. E, em resposta, os EUA e o Reino Unido lançaram sucessivas rodadas de ataques contra os houthis.
Em 26 de janeiro, um navio-tanque da empresa Trafigura (um dos maiores comerciantes de energia do mundo) transportava combustível quando foi atingido por um míssil em frente à costa de Aden.
Para evitar os ataques, centenas de imensos porta-contêineres estão seguindo por rotas alternativas, que incluem um longo e dispendioso desvio em torno do cabo da Boa Esperança, na África do Sul.
No mais recente capítulo, EUA e Reino Unido atacaram 36 alvos houthi em 13 locais no Iêmen.
Jeremy Bowen, da BBC em Jerusalém, diz que americanos e britânicos buscam enviar mais uma vez a mensagem de que não querem ver navios serem atacados no Mar Vermelho. Ele aponta, no entanto, que o histórico do grupo aponta que eles não devem ser dissuadidos, “Em vez disso, eles tentarão responder com outro ataque”, disse.
Somado aos ataques anteriores, diz Bowen, isso “levou a outra onda de preocupação sobre o grau em que esta guerra regional se torna ainda mais quente e perigosa – e como isso pode ser controlado”.
3. O Iraque e as bases americanas
No Iraque, grupos radicais lançaram drones e mísseis contra bases americanas, como a base aérea de Asad, no oeste do país. O atentado causou lesões cerebrais traumáticas a dois soldados americanos.
Em represália, os Estados Unidos lançaram uma série de ataques aéreos no dia 23 de janeiro.
Os conflitos no Iraque já duram meses. As bases que abrigam as forças americanas no Iraque e no nordeste da Síria foram atacadas em diversas ocasiões, provocando reações militares dos Estados Unidos.
Esses ataques são considerados parte do conflito indireto entre iranianos e americanos.
Cerca de 3,4 mil membros da coalizão internacional contra o grupo autodenominado Estado Islâmico, sob a coordenação dos Estados Unidos, encontram-se no Iraque e na Síria, onde são possíveis alvos de ataques.
Por fim, a Síria também faz parte das ramificações da guerra na Faixa de Gaza pela região.
Aviões americanos bombardearam um depósito de armas, em novembro, que aparentemente pertencia ao Corpo da Guarda Revolucionária iraniana.
Dias depois, os Estados Unidos atacaram um abrigo e uma instalação de treinamento, supostamente vinculados ao Irã no leste da Síria.
Em dezembro, um ataque aéreo israelense em um subúrbio da capital síria, Damasco, matou o general iraniano Seyed Razi Mousavi, ex-assessor da Guarda Revolucionária paramilitar iraniana na Síria.
E, em meados de janeiro, outro ataque israelense na capital síria destruiu um edifício supostamente utilizado por agentes iranianos.
Este tipo de ataque continua se repetindo e é considerado mais uma expressão do conflito dos Estados Unidos e Israel contra o Irã.
Grande desafio
Poucos analistas esperam que os Estados Unidos decidam atacar diretamente alvos em solo iraniano.
Um eventual ataque aumentaria as tensões na região a um nível muito maior e poderia trazer consequências de alto risco para as partes envolvidas e para o resto do mundo.
De fato, a última vez em que o Irã e os Estados Unidos se enfrentaram diretamente foi na década de 1980.
Na época, Washington e Teerã participaram de ofensivas militares nas águas do Golfo Pérsico, quando foram atacados navios e plataformas petrolíferas iranianas.
Este nível de escalada parece estar ocorrendo, no momento, fora do tabuleiro de combate, mas a situação vem se agravando.
A morte de três militares americanos na Jordânia ocorreu em um momento em que os Estados Unidos e seus aliados tentam negociar uma pausa na guerra entre Israel e o Hamas e um acordo sobre os reféns. A esperança é que se coloque fim à guerra ou, pelo menos, que os combates sejam suficientemente reduzidos para diminuir a tensão em outras partes do Oriente Médio.
Um surto de violência que envolva os Estados Unidos e o Irã poderia eliminar as esperanças de restabelecer a calma antes do Ramadã, o mês sagrado dos muçulmanos, que começa em março.
Com este panorama, um dos maiores desafios enfrentados pelo governo de Joe Biden, segundo os analistas, é definir uma estratégia que permita responder aos constantes ataques de forma proporcional, dissuasiva e, ao mesmo tempo, que não intensifique o conflito, nem amplie suas dimensões.
Fonte: BBC
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