A aeronave caiu em uma região montanhosa no noroeste do país, enquanto voava em meio a uma densa neblina.
Além de Raisi, o helicóptero também transportava o ministro das Relações Exteriores, Hossein Amir-Abdollahian.
Após uma intensa operação de busca e resgate iniciada no próprio domingo, o Crescente Vermelho, organização humanitária que atua no Oriente Médio, confirmou nesta segunda-feira (20/5) que os corpos do presidente e das outras vítimas do acidente foram recuperados.
Explicamos abaixo três pontos cruciais para entender o acidente e como a morte de Raisi impacta o cenário político do Irã e região.
O que se sabe sobre o acidente?
O presidente iraniano estava em um comboio de helicópteros a caminho de Tabriz, cidade no noroeste do Irã, e caiu, em meio a uma forte neblina. A imprensa local atribuiu o acidente ao mau tempo.
O helicóptero foi encontrado completamente queimado. A frota aérea iraniana é antiga e sofre com a impossibilidade de renovação ou mesmo substituição de peças por conta de uma série de sanções impostas há décadas contra o país, mais recentemente por conta do programa nuclear do país.
A imprensa local especula que a aeronave na qual o presidente estava não recebia peças para manutenção desde 1986.
Apesar de haver explicações plausíveis para um acidente, a queda do helicóptero gerou dúvidas sobre um possível envolvimento de inimigos internos e externos. Até agora não houve menção a isso por parte da mídia estatal do Irã.
O editor de internacional da BBC, Jeremy Bowen, destaca alguns pontos importantes.
“Raisi tinha muitos inimigos, e muitas pessoas ficarão felizes com sua morte. Ainda nos anos 1980, ele efetivamente assinou a sentença de morte de milhares de dissidentes, principalmente esquerdistas. Desde que assumiu a Presidência em 2021, ele esteve envolvido em uma repressão severa.”
“Além disso, ele estava cotado para ficar com o cargo principal [de líder supremo da República Islâmica], e imagino que isso [uma queda de helicóptero] é uma boa maneira de tirar um rival do caminho. Mas não temos provas para nada disso.”
O jornalista aponta que, no Irã, sempre existe o “instinto de culpar Israel“.
“Autoridades israelenses têm dito a jornalistas que não estão envolvidas nisso. É difícil enxergar como Israel se beneficiaria de algo que seria interpretado, na prática, como um ato provocativo de guerra [contra o Irã].”
Quem era Raisi?
Raisi era um clérigo “linha-dura” próximo do aiatolá Ali Khamenei, líder supremo do Irã desde 1989.
Ele chegou à Presidência em 2021 após uma vitória significativa nas urnas, embora muitos candidatos moderados e reformistas proeminentes tenham sido barrados da eleição, e a maioria dos eleitores tenha se abstido de votar.
A eleição de 2021 foi importante por dois motivos: primeiro, consolidou o poder nas mãos dos conservadores. Raisi, por sua vez, era considerado um dos presidentes mais conservadores da história recente do Irã.
Em segundo lugar, esse pleito sedimentou a ideia de que Ali Khamenei, agora com 85 anos, via Raisi como um potencial sucessor.
O mandato de Raisi foi marcado por protestos contra o governo em 2022, desencadeados pela morte da jovem Mahsa Amini, que morreu sob custódia policial após ser presa pela polícia da moralidade iraniana por supostamente não usar o véu islâmico corretamente.
O episódio culminou em manifestações, com jovens tomando as ruas e imagens de mulheres queimando seus véus e cortando seus cabelos em público.
O governo de Raisi respondeu com repressão violenta: cerca de 550 manifestantes foram mortos pelas forças de segurança, a maioria a tiros, segundo estimativas da ONU.
Durante seu mandato, as tensões no Oriente Médio também escalaram para os níveis mais altos em décadas, com a guerra entre Israel e o grupo palestino Hamas, que é parte de um conjunto de países e organizações financiadas pelo Irã dentro do chamado “eixo da resistência”.
No meio dessa escalada de confrontos, Raisi apoiou a decisão do Irã de realizar, em abril de 2024, o primeiro ataque direto contra Israel.
Foram mais de 300 drones e mísseis contra o território israelense, em retaliação a um ataque contra o consulado iraniano na Síria atribuído a Israel.
A maioria deles foi interceptada pelo sistema antimísseis de Israel e de seus aliados, mas o episódio aumentou os temores de uma guerra regional mais ampla e fez com que Israel retaliasse com um ataque a uma base aérea iraniana.
Raisi fez carreira no Poder Judiciário após a revolução islâmica de 1979 e acabou ligado a um dos episódios mais obscuros do Irã nos anos 80: o que ficaria conhecido como “comitê da morte”.
Ele foi um dos quatro juízes de tribunais secretos que julgaram milhares de prisioneiros políticos, a maioria do grupo esquerdista. Esse é um dos motivos pelos quais Raisi tinha muitos inimigos, inclusive dentro do próprio Irã.
Grupos de direitos humanos afirmam que esses tribunais sentenciaram à morte milhares de iranianos, que foram executados e enterrados em valas comuns. Raisi negou ter participado dessas sentenças de morte, mas afirmou que elas eram justificáveis.
O Irã é um país totalitário que impede o funcionamento da imprensa livre. A BBC, por exemplo, é proibida de operar no território iraniano desde 2019, e jornalistas que fazem parte do serviço persa precisam reportar a partir de outros países.
Qual o impacto da morte no Irã e na região?
De acordo com a estrutura implementada pela revolução islâmica de 1979, quem de fato determina os rumos da República iraniana é o líder supremo, atualmente Ali Khamenei.
Ele é tanto chefe de Estado quanto comandante-em-chefe das forças de segurança, tendo autoridade máxima sobre a polícia nacional, a polícia da moralidade, além de duas forças significativas: a Guarda Revolucionária, um grupo de elite encarregado da segurança interna, e o grupo voluntário Força de Resistência Basij, utilizado para reprimir dissidências no país.
O presidente ocupa uma posição logo abaixo na hierarquia, ao lado do Poder Judiciário, do Parlamento, do Conselho de Guardiães e das Forças Armadas.
Na prática, o presidente é encarregado de liderar a estrutura de governo, com grande influência sobre a política doméstica e exterior.
Após a morte de Raisi, uma nova eleição deve ocorrer em 50 dias, conforme estabelecido pela Constituição iraniana, sob a supervisão do vice-presidente Mohammad Mokhber, que já declarou que não haverá ruptura no governo.
Agora, analistas e diplomatas estão avaliando o impacto da morte de Raisi na política interna e regional.
Embora oponentes dentro e fora do país possam enxergar uma oportunidade para mudanças no regime, essa hipótese é considerada improvável pela maioria dos observadores, dado que as eleições no país não são verdadeiramente democráticas.
Lyse Doucet, correspondente da BBC, lista as reações até agora: “Entre os aliados do Irã, o chamado ‘eixo da resistência’ na região, houve uma série de manifestações de condolências e preces pela continuidade da República Islâmica do Irã. Por outro lado, tem havido uma reação quase silenciosa de outros países ao redor do mundo, com os quais as relações do Irã eram mais difíceis e tensas”.
Para diplomatas, é sempre um “momento de respeito, especialmente diante de uma morte trágica e inesperada na queda de um helicóptero, não apenas do presidente do Irã, mas também do chanceler Hossein Amir-Abdollahian, que representava o Irã em termos de diplomacia em capitais ao redor do mundo”.
“A diplomacia em torno das tensões na guerra Israel-Gaza e nos esforços do Irã para aliviar os impactos das debilitantes tensões e os esforços de muitos países em isolá-lo têm sido questões centrais”, conclui Doucet.
Os analistas consultados pela BBC não acreditam que os rumos do Irã vão mudar de modo drástico, mas que será um teste de resistência para os conservadores que dominam todas as esferas da política e da sociedade.
“O sistema [político iraniano] vai fazer um grande um grande show a partir da morte [de Raisi] e manter os procedimentos constitucionais, para demonstrar funcionalidade, enquanto busca um novo nome que possa manter a unidade conservadora e a lealdade a Khamenei”, avalia Sanan Vakil, diretora do programa de Oriente Médio e Norte da África da Chatham House.
Fonte: BBC
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