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Brasileiro Vini Jr. foi vítima de ataques racistas por torcedores durante jogo do Real Madrid contra o Valencia

Como a torcida pode afetar o desempenho de jogadores de minorias étnicas constantemente vítimas de discriminação racial, como Vini Jr.?

Foi o que pesquisadores italianos decidiram investigar há dois anos. E constataram que jogadores de origem africana — e mais amplamente jogadores negros — que atuavam na primeira divisão do futebol da Itália e são alvo mais frequente de ataques racistas, apresentaram melhor desempenho na ausência de torcedores.

O estudo, segundo explica à BBC News Brasil um dos autores, Paolo Falco, professor associado do Departamento de Economia da Universidade de Copenhague, na Dinamarca, usou como ponto de partida um “experimento natural”: a pandemia de covid-19.

No início de março de 2020, o principal campeonato italiano de futebol, a Série A, foi interrompido em um esforço para impedir a propagação do vírus e retomado no final de junho com “jogos fantasmas” — partidas disputadas sem torcedores no estádio.

Assim como a Espanha, relatos de intimidação racista contra jogadores “são frequentes na Itália e amplamente documentados”, segundo os estudiosos.

Falco e dois outros colegas, Gianpiero Mattera e Mauro Caselli, decidiram testar, então, se as minorias mais comumente sujeitas a abusos experimentaram uma mudança de desempenho com estádios vazios.

E constataram, a partir de um modelo matemático (ver abaixo), que “os jogadores da África que são mais alvos de assédio racial durante as partidas experimentam uma melhora significativa no desempenho quando os torcedores não estão mais no estádio, enquanto o desempenho dos jogadores de outras regiões não muda significativamente”.

Uma dessas regiões onde não houve mudança de desempenho foi a América Latina.

Mas Falco ressalva que não analisou particularmente jogadores negros latino-americanos que atuavam na primeira divisão do futebol italiano. Ele diz “suspeitar” que o desempenho deles seria melhor sem torcidas, assim como os africanos.

“Dividimos os jogadores por origem. E o que descobrimos é que essencialmente os jogadores que pertencem ao grupo mais frequentemente alvo de abusos, que são os jogadores de origem africana e mais amplamente os jogadores negros, são os que tendem a jogar melhor (com os estádios vazios)”, assinala.

“Agora, quando se trata especificamente de jogadores latino-americanos, o que acontece é que esses jogadores, se forem negros, pertencerão à categoria de jogadores negros que achamos que geralmente estão se saindo melhor”, acrescenta.

O pesquisador lembra que “a maioria dos jogadores negros na Itália provavelmente pertence a essa categoria (jogadores de origem africana). Haverá alguns jogadores negros latino-americanos, mas provavelmente não tantos”.

“Mas se você me perguntar se obteríamos os mesmos resultados com os jogadores negros latino-americanos, tenho fortes suspeitas de que a resposta seria sim, mas só posso especular sobre isso”, completa.

“Os números, porém, não nos permitem focar nesse grupo especificamente. O que eles nos permitem dizer é que, de modo geral, os jogadores negros tiveram melhor desempenho em estádios vazios”, conclui.

Segundo os pesquisadores, a Itália foi um caso “ideal” para esse estudo, “graças à disponibilidade de dados detalhados sobre o desempenho individual dos jogadores por partida”.

“O segundo resultado do nosso estudo é que o desempenho melhora mais substancialmente entre os jogadores africanos cujas equipes foram sujeitas a ataques racistas antes do lockdown”.

“Nossos resultados se enquadram em um quadro mais amplo que se estende para além do mundo dos esportes, segundo o qual indivíduos que pertencem a grupos historicamente discriminados apresentam pior desempenho do que seus pares quando a tarefa ocorre em um ambiente no qual o comportamento discriminatório ocorre de forma visível.”

“Além disso, como a pesquisa mostra que os jogadores discriminados se saem melhor na ausência de torcedores, enquanto nenhum outro grupo se sai pior, as evidências sugerem que o assédio racial leva a uma diminuição geral da produtividade e eficiência”, acrescentam.

Como exemplo, Falco cita a final da Eurocopa em julho de 2021, quando a Itália se sagrou campeã sobre a Inglaterra em decisão por pênaltis.

Os jogadores ingleses que não marcaram eram, coincidentemente, negros e sofreram uma enxurrada de ataques racistas nas redes sociais.

“O tipo de estresse que passa na cabeça desses jogadores é colossal. Difícil não imaginar que isso tenha um papel importante na cabeça deles. Pode até tornar mais provável que eles percam o pênalti, gerando um ciclo muito vicioso, porque se você sabe que será vítima de abuso, você jogará pior. E, no momento em que você está em campo, você também já é vítima de abuso”, explica.

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‘O racismo é o normal na La Liga’, disse Vini Jr. nas redes sociais

Metodologia

Para chegar a essas conclusões, os pesquisadores usaram um modelo matemático a partir de dados do desempenho individual dos jogadores em cada partida.

Segundo eles, o algoritmo se baseia em uma ampla gama de métricas de desempenho de medição objetiva, como número de passes, dribles, assistências e gols.

O estudo também levou em conta “uma ampla gama de fatores competitivos, incluindo características do jogador (‘efeitos fixos’ individuais) e condições de jogo, como o clima”.

‘Danos econômicos’

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Não é a primeira vez que Vini Jr. (centro) sofre ofensas racistas de torcedores

Na opinião dos pesquisadores, “os resultados são particularmente marcantes porque dizem respeito a atletas de elite, que são os melhores em sua profissão e costumam ter altos rendimentos, além de status social invejável”.

“Mais investigações seriam necessárias para testar o impacto do racismo no desempenho de atletas de ligas inferiores, principalmente entre os jovens, onde se pode imaginar que os impactos da discriminação sejam ainda mais significativos e nocivos”, acrescentam.

“A conclusão do estudo é que o racismo pode causar danos econômicos à indústria do futebol. O futebol, como outros esportes, atrai fãs de todo o mundo que buscam assistir e imitar jogadores extraordinários que atuam além do normal. Quando uma parte significativa dos jogadores não consegue expressar todo o seu potencial, o ‘jogo bonito’ torna-se menos bonito e menos atraente”, concluem.

Entenda o caso

O atacante Vini Jr., do Real Madrid e da Seleção Brasileira, foi, mais uma vez, alvo de insultos racistas na Espanha.

O jogador foi hostilizado por torcedores do Valencia no estádio de Mestalla na tarde deste domingo (21/5).

Nas redes sociais, Vini Jr. se manifestou sobre o ocorrido.

“Não foi a primeira vez, nem a segunda e nem a terceira. O racismo é o normal na La Liga (campeonato espanhol). A competição acha normal, a Federação também e os adversários incentivam. Lamento muito. O campeonato que já foi de Ronaldinho, Ronaldo, Cristiano e Messi hoje é dos racistas”, afirmou.

“Uma nação linda, que me acolheu e que amo, mas que aceitou exportar a imagem para o mundo de um país racista. Lamento pelos espanhois que não concordam, mas hoje, no Brasil, a Espanha é conhecida como um país de racistas. E, infelizmente, por tudo o que acontece a cada semana, não tenho como defender. Eu concordo. Mas eu sou forte e vou até o fim contra os racistas. Mesmo que longe daqui.”, escreveu.