- Author, Norberto Paredes
- Role, BBC News Mundo
- Twitter, @NorbertParedes
Com uma área superior à de nações como Inglaterra, Cuba ou Grécia, Essequibo é um território repleto de minerais e outros recursos naturais cuja diversidade é uma das maiores do mundo.
Além de sua riqueza e das grandes jazidas de petróleo ali encontradas, o território é conhecido por ter sua soberania disputada pela Venezuela e Guiana desde 1841.
Embora a reivindicação venezuelana tenha persistido ao longo deste tempo, o governo do presidente Nicolás Maduro tem levantado progressivamente a sua voz desde 2015, quando foram descobertos vastos depósitos de petróleo na área.
A Venezuela considera Essequibo, também conhecido como Guayana Esequiba em espanhol, uma “área reivindicada” e geralmente a exibe riscada em seus mapas. Enquanto isso a Guiana, que controla e administra a área, tem seis de suas dez regiões administrativas lá.
Mas a Venezuela parece agora determinada a romper a situação.
O governo venezuelano anunciou a realização de um polêmico referendo em 3 de dezembro sobre a região disputada.
Nele, será perguntado aos venezuelanos, entre outras coisas, se apoiam a criação do estado Guayana Esequiba, além de um plano para conceder a cidadania venezuelana aos seus habitantes.
Segundo o governo da Guiana, o referendo representa uma ameaça existencial à integridade territorial do país e pediu ao Tribunal de Haia que o impedisse.
A Venezuela criticou o pedido, argumentando que ele interfere nos seus assuntos internos.
“Nada impedirá a realização do referendo marcado para 3 de dezembro”, afirmou ao tribunal a vice-presidente da Venezuela, Delcy Rodríguez, em 15 de novembro.
Os marcos de quase dois séculos de disputa
1777 – O Império Espanhol funda a Capitania Geral da Venezuela, subentidade territorial que inclui Essequibo.
1811 – A Venezuela torna-se independente da Espanha e Essequibo passa a fazer parte da nascente república.
1814 – O Reino Unido adquire a Guiana Inglesa, com cerca de 51.700 km², através de um tratado com os Países Baixos que não define a sua fronteira ocidental.
1840 – Londres nomeia o explorador Robert Schomburgk para definir a fronteira. Pouco depois, é inaugurada a Linha Schomburgk, uma rota que ocupava quase 80.000 km² adicionais.
1841 – A disputa começa oficialmente quando a Venezuela denuncia uma incursão do Império Britânico em seu território.
1886 – Uma nova versão da Linha Schomburgk é publicada, reivindicando mais território.
1895 – Os Estados Unidos intervêm sob a Doutrina Monroe após denunciar que a fronteira foi ampliada de “maneira misteriosa” e recomenda que a disputa seja resolvida em arbitragem internacional.
1899 – É emitida a Sentença Arbitral de Paris, uma decisão favorável ao Reino Unido, com a qual o território cai oficialmente sob domínio britânico.
1949 – É tornado público um memorando do advogado norte-americano Severo Mallet-Prevost, parte da defesa da Venezuela na disputa em Paris, no qual ele denuncia que os juízes não foram imparciais. Os posicionamentos de Severo Mallet-Prevost e outros documentos servem para que a Venezuela declare a sentença “nula e sem efeito”.
1966 – Três meses antes de conceder a independência à Guiana, o Reino Unido firma com a Venezuela o Acordo de Genebra, o qual reconhece a reivindicação venezuelana e busca encontrar soluções para resolver a disputa.
Críticos afirmam que o referendo tem um tom nacionalista em um momento-chave: os preparativos para as eleições presidenciais de 2024 na Venezuela.
Analistas prevêem um apoio massivo às propostas do governo venezuelano, que mobilizará o seu eleitorado num país onde a reivindicação por Essequibo une chavistas e opositores como nenhuma outra questão.
O resultado do referendo, no entanto, não será vinculativo à luz do direito internacional.
Em visita à região no final de outubro, o presidente da Guiana, Irfaan Ali, garantiu que seu país não abrirá mão de um “centímetro” de território.
“Que ninguém cometa um único erro. Essequibo é nosso, cada centímetro quadrado”, disse.
O geógrafo guianês Temitope Oyedotun, professor da Universidade da Guiana, afirma que o Essequibo é vital para o seu país.
“É um território três vezes maior que a Costa Rica, onde vivem quase 300 mil pessoas”, diz à BBC News Mundo (serviço em espanhol da BBC).
O Essequibo representa dois terços da superfície da Guiana e abriga quase um terço de sua população.
Para ele, não há disputa.
“Essequibo faz parte da Guiana e não tenho dúvidas disso”, acrescenta.
Os governos da Guiana e da Venezuela não responderam a pedidos de posicionamento da BBC.
Tamanha disputa se explica pelo tamanho do território, mas sobretudo pela sua riqueza.
O Escudo das Guianas
O Essequibo cobre cerca de 160.000 km², a maioria deles de selva impenetrável.
“Do ponto de vista geográfico, o Essequibo faz parte do Maciço Guianês, também conhecido como Escudo das Guianas”, explica Reybert Carrillo, geógrafo da Universidade de Los Andes, na Venezuela.
“Compartilha características muito semelhantes com estados venezuelanos como Delta Amacuro, Bolívar e Amazonas”.
Nestes três estados venezuelanos, que fazem fronteira com a área reivindicada, está o Arco Mineiro do Orinoco, uma área de exploração de mais de 111.800 km² que possui grandes reservas de ouro, cobre, diamante, ferro, bauxite e alumínio, entre outros minerais.
Carrillo destaca que as formações geológicas do Maciço Guianês costumam conter minerais “de alto valor”.
No território, existem também vários tepuis — formações montanhosas com topos planos e paredes incomumente verticais. Eles são compostos majoritariamente por arenito e estão entre as estruturas geológicas mais antigas do planeta, com cerca de 2 a 4 bilhões de anos.
Petróleo e gás
As tensões entre a Venezuela e a Guiana aumentaram desde que dezenas de depósitos de petróleo começaram a ser descobertos em 2015 na costa da área disputada.
Até o momento, a multinacional americana ExxonMobil e os seus parceiros fizeram 46 descobertas que elevaram as reservas de petróleo da Guiana para cerca de 11 bilhões de barris, representando cerca de 0,6% do total mundial.
As descobertas inesperadas tornaram a Guiana, um país de 800.000 habitantes, uma das economias que mais crescem no mundo. Seu produto interno bruto (PIB) deverá crescer 25% este ano, depois de ter expandido 57,8% em 2022.
Mas a maior parte das reservas está localizada num bloco de petróleo e gás de 26.000 km² conhecido como Stabroek, ao largo da costa atlântica do país.
Uma parcela importante desse bloco está localizada nas águas da região disputada pela Venezuela.
Segundo dados da consultoria Refinitiv Eikon, a Guiana exportou 338.254 barris por dia durante o primeiro trimestre de 2023, mais que o triplo do que produziu em 2021.
Analistas do site OilPrice afirmam que toda essa produção vem do bloco Stabroek, operado por um consórcio liderado pela ExxonMobil.
A Guiana espera produzir 1,2 milhão de barris por dia até 2027, o que a tornaria um dos maiores produtores de petróleo da América Latina — superado apenas pelo Brasil e pelo México, e à frente dos 750 mil barris por dia que a Venezuela produz atualmente.
A exploração na área também levou à descoberta de reservas significativas de gás em Stabroek, mas a grande maioria está localizada no sudeste do bloco, perto da fronteira com o Suriname, segundo mapa do Ministério de Recursos Naturais da Guiana.
O Ministro das Finanças do país, Ashni Singh, afirmou em janeiro que as reservas de gás do país estão atualmente estimadas em 17 bilhões de pés cúbicos.
Ouro e outros recursos minerais
No século 19, a disputa entre o Reino Unido e a Venezuela se acirrou quando foi descoberta a existência de ouro na região — e o Reino Unido buscou ampliar ainda mais seu domínio, acrescentando mais de 80.000 km² à sua colônia.
Em 1876, pessoas que falavam inglês já haviam se estabelecido na bacia do rio Cuyuní, que no entanto estava em território venezuelano. Trabalhando para Londres, o explorador Robert Schomburgk acreditava que os ingleses poderiam reivindicar aquela área.
Ali nasceu a mina de ouro de Omai, que se tornaria uma das maiores do Escudo das Guianas e uma das grandes fontes de renda da Guiana.
Quase dois séculos depois, a mina de ouro localizada no território disputado ainda produz riquezas.
No início do ano passado, toneladas de ouro foram detectadas em um poço conhecido como Wenot.
“Essequibo é uma região com muitos recursos minerais. Além do petróleo, há muito ouro”, observa o geógrafo Temitope Oyedotun, da Universidade da Guiana.
“Existem também outros recursos minerais como diamantes, bauxita, manganês e urânio.”
Importante rede de rios
O pesquisador também destaca os recursos hídricos da região, como os dos rios Cuyuní, Mazaruní, Kuyuwini, Potaro e Rupununi.
Reybert Carrillo afirma que a extensa rede de afluentes do Essequibo é “um dos recursos naturais mais importantes” do território.
“Existem rios como o Potaro, que abriga uma grande variedade de peixes e cachoeiras de até 200 metros. Esse rio também tem grande potencial para gerar energia hidrelétrica”, diz o geógrafo da Universidade dos Andes.
No rio Potaro, que deságua no Essequibo e tem 225 km de extensão, existem nove cachoeiras, entre as quais se destacam as Kaieteur e as Tumatumari.
Com queda livre de até 227 metros, as Cataratas Kaieteur são até cinco vezes mais altas que as Cataratas do Niágara, localizadas entre os EUA e o Canadá.
Para Oyedotun, é “uma das cachoeiras mais impressionantes do mundo”.
Carrillo acredita que os recursos hídricos de Essequibo podem ser vitais para o futuro.
“Pelo que se projeta com a crise climática e a escassez de água, ter uma rede de rios como a que tem este território poderia ser muito importante”, explica.
“Acho que esse será o recurso mais importante por várias décadas.”
Águas costeiras
O território reivindicado tem quase 300 km de costa.
“A costa e as suas águas permitem consolidar e ampliar uma saída em direção ao Atlântico”, afirma Carrillo.
“Ela também proporciona 370 km de zona econômica exclusiva, o que confere jurisdição aduaneira. Isso significa que qualquer navio que passa por ali tem de pagar impostos”.
E foi nessas águas que foi encontrado o “mar de petróleo” responsável por reavivar, em 2015, as tensões entre a Guiana e a Venezuela.
O professor Oyedotun critica que a Venezuela tenha se interessado mais pela reivindicação de Essequibo após a descoberta de petróleo e acredita que o governo venezuelano também está usando a disputa para obter apoio político.
Oyedotun também questiona os itens do referendo previsto para 3 de dezembro.
“Não se pode organizar um referendo perguntando a um povo se ele gostaria de começar a considerar uma região de outro país como sua”, argumenta o geógrafo guianês.
“Por que você não pergunta aos cidadãos de Essequibo como e por quem eles gostariam de ser governados?”, indaga.
Georgetown insistiu que a organização do referendo faz parte de um “plano sinistro da Venezuela para tomar o território da Guiana”.
Para a Guiana, a disputa fronteiriça já foi resolvida há mais de um século com a Sentença Arbitral de Paris de 1899, na qual a Linha Schomburgk foi estabelecida como a fronteira entre os dois territórios.
Mas em 1949, começaram a surgir evidências que denunciavam a cumplicidade entre os delegados britânicos e o jurista Friedrich Martens para decidir contra a Venezuela.
Por essa e outras razões, a Venezuela considera que Essequibo foi tomado de forma ilegítima e ilegal pelo Reino Unido no século 19.
Pouco antes da independência da Guiana do Reino Unido em 1966, Caracas e Londres assinaram o Acordo de Genebra, um tratado ainda em vigor que reconhece a reivindicação da Venezuela e procura encontrar soluções para a disputa.
Caracas adere a esse acordo e rejeita a competência do Tribunal de Haia para definir a questão.
A equipe jurídica da Guiana, que denunciou o referendo perante o tribunal, descreve-o como uma “ameaça existencial” que procura preparar o caminho para a anexação de Essequibo pela Venezuela.
Nenhum dos países cede. Em jogo está um grande território cheio de riquezas.
* Ilustração de Daniel Arce e mapas de Caroline Souza
Fonte: BBC
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