- André Biernath – @andre_biernath
- Da BBC News Brasil em Londres
O Estado de São Paulo já confirmou cinco casos de monkeypox, doença conhecida popularmente como varíola dos macacos, em crianças. A enfermidade também já havia sido diagnosticada nos mais jovens em outros lugares, como Espanha e Estados Unidos.
Essa informação está baseada em séries históricas e em estudos feitos desde os anos 1970 principalmente nas regiões do continente africano onde o monkeypox é endêmico — mas ainda não há certeza que essa mesma gravidade vai se repetir no surto atual, em que o vírus se espalhou por diversos continentes.
“Não existe motivo para pânico”, acalma o infectologista Francisco Ivanildo de Oliveira Junior, gerente de qualidade assistencial e controle de infecção do Sabará Hospital Infantil, em São Paulo.
Entenda a seguir porque as crianças seriam mais vulneráveis ao monkeypox, como protegê-las, quando suspeitar da doença nelas e quais são as formas de tratamento desses casos.
Defesas em formação
O infectologista e pediatra Marcelo Otsuka explica que o maior risco de complicações nas crianças acontece porque elas ainda não estão com o sistema imunológico completamente formado.
“Nós desenvolvemos nossa imunidade ao longo dos primeiros anos de vida. Portanto, qualquer infecção pode ser potencialmente mais grave nessa faixa etária”, diz o especialista, que é vice-presidente do Departamento de Infectologia da Sociedade de Pediatria de São Paulo.
Além disso, de acordo com o médico, os mais jovens que pegaram monkeypox apresentam uma maior tendência de sofrer com infecções secundárias, causadas principalmente por bactérias.
Isso acontece porque as lesões na pele — uma das principais manifestações da doença — podem funcionar como portas de entrada para a invasão de micro-organismos.
Esses quadros de infecções secundárias são frequentes nas crianças porque elas têm mais contato com o chão e, se não forem bem orientadas, acabam mexendo, coçando e cutucando as feridas com as mãos e os dedos.
Ainda nessa seara, também não dá pra ignorar o fato de que as crianças com febre que não se alimentam ou não bebem água suficiente são mais propensas a sofrer com um quadro de desidratação.
Qual o tamanho do risco?
Num artigo recém-publicado no periódico The Lancet Child & Adolescent Health, quatro especialistas no tema destacam que “em comparação com adultos saudáveis, as complicações por monkeypox são mais frequentes em crianças e indivíduos com o sistema imunológico comprometido”.
O texto ainda aponta que esses dois grupos apresentam um risco elevado de infecções bacterianas secundárias, sepse, ceratite (inflamação no olho), problemas respiratórios e encefalite (inflamação no cérebro).
“Em episódios anteriores de monkeypox, houve um aumento na taxa de hospitalizações e mortes em crianças, mesmo nos países de alta renda como os Estados Unidos, onde os únicos dois casos severos registrados durante um surto em 2003 acometeram a população pediátrica”, informam os autores.
Oliveira Junior pondera que boa parte das informações disponíveis sobre o monkeypox em crianças se baseia nos registros colhidos em países africanos, onde a doença é endêmica há décadas.
“Por lá, existe um subtipo do vírus que é mais agressivo e está relacionado com uma mortalidade maior, especialmente das crianças”, contextualiza.
Porém, pelo que se sabe até o momento, o subtipo do patógeno que está circulando por vários países agora é outro, cuja agressividade é significativamente menor, segundo os registros históricos.
“O que estamos vendo com essa doença nos últimos meses parece ser diferente daquilo que foi registrado no passado”, observa o médico.
“Por enquanto, o número de crianças afetadas nessa epidemia é baixo e são poucos casos registrados entre elas, o que não permite tirar muitas conclusões.”
“A tendência é que os casos aumentem nessa faixa etária e o vírus comece a circular por outros ambientes, como creches e escolas, mas não de uma forma explosiva como vimos com a covid-19”, antevê.
Como proteger e suspeitar da doença em crianças
A transmissão do monkeypox acontece por meio da relação próxima e prolongada com alguém que está infectado.
O vírus “pula” de uma pessoa para outra através do contato direto com as lesões de pele, do compartilhamento de objetos de uso pessoal (como talheres, copos, toalhas e roupas de cama) ou das gotículas de saliva.
A primeira maneira de proteger as crianças, portanto, é limitar a interação dela com pessoas em que há suspeita ou confirmação da doença, até que as feridas estejam completamente cicatrizadas.
Mas quando se presume que um indivíduo mais jovem pode estar com monkeypox? Os médicos orientam que pais e tutores fiquem de olho nos sintomas mais frequentes.
“Se por acaso você observar o aparecimento de lesões na pele, com ou sem febre e prostração, é importante levar a criança ao médico para uma avaliação”, orienta Oliveira Junior.
E aqui há um desafio grande: várias outras enfermidades comuns na infância, como catapora, sarampo, doença mão-pé-boca e molusco contagioso, também estão relacionadas ao aparecimento de bolhas, vermelhidão e pústulas.
Independentemente de qual for o causador daquele sintoma, a consulta com um profissional da saúde é primordial para fazer o diagnóstico correto e receber orientações sobre o tratamento.
“E não custa lembrar que para algumas dessas doenças, como sarampo e catapora, nós temos vacinas disponíveis e é muito importante que as crianças estejam com a carteirinha atualizada”, acrescenta Otsuka.
Como tratar a monkeypox em crianças
Por fim, nos casos em que a avaliação clínica e o teste confirmam que se trata de monkeypox mesmo, é possível tomar alguns cuidados para diminuir o risco de complicações.
Oliveira Junior destaca que já existem remédios e vacinas disponíveis contra a doença, mas o uso deles é bem limitado e não há liberação para utilizá-los no Brasil até o momento.
Recentemente, o Ministério da Saúde anunciou que está negociando a compra de doses do imunizante e das medicações com a OMS.
Enquanto recursos específicos para lidar com o agente infeccioso não ficam disponíveis, a primeira atitude é limitar o contato do paciente com outras pessoas — isso diminui o risco de transmitir o vírus adiante.
O isolamento deve acontecer até que as lesões estejam completamente cicatrizadas. Mesmo aquela casquinha que se forma no final do processo ainda carrega o patógeno.
Na grande maioria das vezes, a criança estará 100% recuperada em duas a quatro semanas.
“Também orientamos uma alimentação adequada, boas noites de sono e ficar atento ao consumo de líquidos, para evitar um quadro de desidratação”, lista Otsuka.
Nessa fase, ainda podem ser prescritos remédios para aliviar a dor e a febre, como o paracetamol e a dipirona.
“Por fim, é fundamental ter muito cuidado com as lesões para evitar infecções bacterianas secundárias.”
“Uma maneira de prevenir isso é adotar uma higiene adequada, com banhos regulares, e manter as unhas curtas e limpas, além de orientar a criança a não coçar o local afetado”, conclui o infectologista e pediatra.
E, claro, se os sintomas não melhorarem ou piorarem depois de alguns dias, vale buscar uma nova avaliação médica.
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