Os confrontos entre Israel e o Hezbollah, grupo libanês apoiado pelo Irã, que já se arrastavam por quase um ano, se intensificaram nesta semana com uma série de ataques israelenses ao Líbano.
O objetivo, segundo autoridades israelenses, é enfraquecer a capacidade militar do Hezbollah e preparar uma possível invasão terrestre ao sul do Líbano.
Israel concentrou seus ataques na região sul do país, de onde o Hezbollah tem disparado foguetes e mísseis contra o território israelense.
Além disso, bombardeios israelenses atingiram redutos do Hezbollah no sul de Beirute e no Vale do Bekaa, sendo que este último resultou na morte de dois adolescentes brasileiros: Ali Kamal Abdallah, de 15 anos, e Mirna Raef Nasser, de 16 anos, conforme noticiado pela imprensa brasileira com base em entrevistas com familiares.
A morte de Ali foi confirmada pelo Itamaraty, enquanto a de Mirna ainda aguarda confirmação até o momento da publicação desta reportagem.
Mas o que é o Vale do Bekaa e por que está sendo atacado?
O Vale do Bekaa, situado no leste do Líbano, entre as cordilheiras do Líbano e Anti-Líbano, é uma região fértil e de grande importância estratégica. Por ali passaram inúmeras civilizações, desde os antigos fenícios a romanos e otomanos.
Originalmente famoso pela agricultura, com quase metade das terras aráveis do país, o vale também tem sido um centro crucial para as operações do Hezbollah, segundo autoridades israelenses.
A proximidade com a fronteira da Síria faz do vale um ponto logístico vital para o grupo, que, segundo Israel, utiliza a região para armazenar armas, treinar soldados e manter rotas de suprimentos com o Irã.
O exército israelense intensificou recentemente os ataques ao Vale do Bekaa, que até então havia sido poupado, com o objetivo de enfraquecer as capacidades militares do Hezbollah.
O grupo é acusado de usar o vale para armazenar foguetes e facilitar o transporte de armas vindas do Irã.
Autoridades libanesas e organizações independentes, por sua vez, afirmam que os ataques acontecem em regiões densamente povoadas, resultando em centenas de civis entre as vítimas.
Segundo Nicholas Blanford, pesquisador sênior não residente dos Programas do Oriente Médio do think tank americano Atlantic Council, “nas fases iniciais após a invasão de Israel ao sul do Líbano em 1982”, que propiciou o surgimento do Hezbollah, combatentes foram “recrutados no Vale do Bekaa através de um processo de mobilização em massa ao longo de linhas familiares e de clãs, o que ajudou a preservar a segurança interna, bem como a facilitar o recrutamento de centenas de voluntários”, escreveu ele em artigo para a revista The Cairo Review of Global Affairs em 2021.
O Vale do Bekaa também foi palco da Operação Mole Cricket 19, uma das maiores vitórias militares de Israel na Guerra do Líbano de 1982, quando a força aérea israelense destruiu 15 das 19 baterias de mísseis SAM, de fabricação soviética, sem o uso de tropas terrestres em apenas duas horas e derrubou 90 aeronaves inimigas.
Segundo o jornal Jerusalem Post, “considera-se este o maior feito militar das Forças de Defesa de Israel (IDF, na sigla em inglês), talvez até superando a Operação Focus, o ataque aéreo inicial da Guerra dos Seis Dias, durante o qual Israel praticamente destruiu as forças aéreas da Síria e do Egito”.
Adolescentes brasileiros mortos
Os dois adolescentes brasileiros mortos, Ali Kamal Abdallah e Mirna Raef Nasser, viviam no Vale do Bekaa.
Ali, nascido em Foz do Iguaçu, estava com seu pai, de nacionalidade paraguaia, quando foi atingido por um ataque aéreo. A morte dele foi confirmada pelo Itamaraty.
Mirna, nascida em Balneário Camboriú, vivia no Líbano desde bebê e foi morta ao lado do pai quando sua casa foi bombardeada.
A morte dela foi confirmada em entrevistas à imprensa brasileira pelo tio, Ali Hussein Nasser. O Itamaraty ainda não se manifestou.
De acordo com Ali Hussein, que vive em Santa Catarina, Mirna e seu pai foram buscar alguns pertences na casa onde moravam, mas o imóvel foi atingido por um bombardeio. Mirna planejava voltar ao Brasil para visitar a família ainda este ano.
Em entrevista à GloboNews, Ali relatou que Mirna e seu pai morreram instantaneamente, e seus corpos ficaram presos nos escombros, pois a região estava sendo bombardeada por aviões israelenses, impossibilitando que outras pessoas os retirassem do local.
A confirmação da morte de Mirna e seu pai só ocorreu após conversas com a família de Ali Kamal Abdallah, acrescentou o tio.
“Aquele menino que morreu era nosso vizinho no Líbano. Recebemos telefonemas e tenho conversado bastante com os pais dele. Tentei ligar para meu irmão, o pai de Mirna, mas ele não atendeu. Depois, meu irmão ligou novamente e disse que a casa havia sido atacada”, explicou ele à GloboNews.
O Itamaraty disse que está avaliando uma operação de retirada de brasileiros do Líbano. Segundo contagem oficial, são cerca de 22 mil no país, a maior comunidade no Oriente Médio.
Procurada pela BBC News Brasil, a Embaixada do Brasil em Beirute ainda não informou quantos brasileiros residem no Vale do Bekaa.
Escalada
A atual escalada começou em 8 de outubro de 2023, um dia após o ataque do Hamas a Israel. Na ocasião, o Hezbollah anunciou que estava atacando posições israelenses em solidariedade aos palestinos e prometeu apoio ao Hamas.
Os bombardeios de Israel na última segunda-feira foram os mais mortais em duas décadas, causando a morte de 558 pessoas.
A ONU estima que mais de 110 mil libaneses fugiram de suas casas no sul do país, enquanto cerca de 70 mil israelenses foram deslocados no norte de Israel. O governo israelense afirmou que garantir o retorno dessas pessoas às suas comunidades é um dos objetivos da guerra.
Ainda não está claro o nível de destruição no sul do Líbano. Imagens de satélite do vale do Bekaa mostraram fumaça subindo de áreas em vilarejos alvos dos ataques israelenses.
O Hezbollah surgiu nos anos 1980, durante a guerra civil no Líbano, e lutou contra Israel até sua retirada do sul do país em 2000. As duas partes também travaram uma guerra de 34 dias em 2006.
Fonte: BBC