- Leandro Machado
- Da BBC News Brasil em São Paulo
Um tamanduá albino foi encontrado recentemente no Mato Grosso do Sul. Com pelagem clara e olhos avermelhados, foi batizado com o nome de Alvin.
Segundo especialistas, ele é o único tamanduá-bandeira albino conhecido no planeta e sua existência pode ajudar a explicar como o desmatamento do Cerrado afeta a espécie.
A descoberta ocorreu em agosto deste ano e está mobilizando pesquisadores do Instituto de Conservação de Animais Silvestres (ICAS), que iniciou um estudo científico sobre o bicho e sua adaptação ao Cerrado.
Com apenas oito meses de vida, ele foi encontrado por funcionários de uma fazenda particular na região de Três Lagoas, cidade a cerca de 330 km da capital, Campo Grande. Ainda filhote, ele estava com a mãe, que o carregava nas costas – a fêmea costuma cuidar do filhote por até 10 meses.
Sua mãe, no entanto, tinha características comuns ao tamanduá-bandeira: pelagem acinzentada que serve para camuflar o animal em meio à vegetação do Cerrado.
O tamanduá-bandeira, mamífero tido como um dos símbolos da rica fauna do bioma, está em risco de extinção por causa da caça e também da constante destruição da vegetação que lhe serve como habitat.
Estima-se que, nos últimos 10 anos, a espécie tenha perdido 30% da população, que está presente em todo o Cerrado brasileiro, mas também em outras áreas na América do Sul.
Nesse contexto de risco, Alvin ocupa uma posição ainda mais rara: não há notícias de que existam outros albinos como ele.
O albinismo é uma desordem genética que limita a produção de melanina, gerando animais com pelagem de coloração clara ou aloirada.
O albinismo pode atingir todas as espécies, mas é extremamente raro – e, dado o tamanho da fauna de um bioma extenso como o Cerrado, encontrar um animal albino depende muito da sorte.
Nesse cenário, a existência de Alvin está envolta em alguns mistérios que os cientistas vão tentar desvendar nos próximos meses.
O primeiro é que ele não foi o primeiro tamanduá albino a aparecer na região de Três Lagoas.
Um ano antes, em agosto de 2021, outro indivíduo com pelagem aloirada como ele foi encontrado por funcionários da mesma fazenda.
“Quando nós chegamos lá, ele já estava morto, mas conseguimos coletar amostras genéticas que foram enviadas para a análise em laboratório”, explica a médica veterinária Débora Yogui.
Segundo a bióloga Nina Attias, pesquisadora do ICAS, é provável que esse primeiro tamanduá albino seja irmão de Alvin, que nasceu meses depois.
Para comprovar essa tese serão necessários testes genéticos com material coletado dos dois animais.
“Dois tamanduás albinos aparecerem na mesma fazenda é como se dois raios caíssem no mesmo lugar. Por isso, nós acreditamos que sejam irmãos”, explica Attias.
Para Attias, porém, há um problema nessa configuração familiar: os tamanduás não são monogâmicos, ou seja, eles acasalam e produzem filhotes com vários parceiros ao longo da vida.
“Para um nascer albino, é necessária uma combinação dos genes do pai e da mãe. É uma questão de acaso mesmo, muito difícil de acontecer”, explica a bióloga.
Então, para os dois serem irmãos e albinos, é mais provável que eles sejam filhos dos mesmos pais. “Teria que ser uma coincidência muito grande nascerem dois tamanduás albinos de pais diferentes em uma mesma fazenda”, explica Attias.
Nesse ponto entra outro fator importante que pode explicar o fenômeno: o desmatamento do Cerrado.
Segundo a bióloga, a destruição do bioma pode levar à “endogamia” da espécie. Ou seja, com menos opções de parceiros para acasalar, os tamanduás teriam atingido um grau menor de diversidade genética, aumentando a chance de dois indivíduos albinos nascerem na mesma região em período curto de tempo.
“Muito provavelmente esse declínio populacional e isolamento desse bichos têm a ver com o alto grau de degradação do Cerrado no Mato Grosso do Sul”, diz.
Um estudo científico recente apontou que, no Mato Grosso do Sul, existem apenas 16% da vegetação original do Cerrado. O restante foi destruído, principalmente para dar lugar à agropecuária.
Desmatamento do Cerrado
Esse desmatamento ocorre em grande parte do bioma, considerado a savana mais biodiversa do planeta, com mais de 14 mil plantas, além de uma rica fauna silvestre.
Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) apontam que o Cerrado perdeu 10.689 quilômetros quadrados de vegetação entre agosto de 2021 e julho deste ano – proporcionalmente, ele sofre mais com o desmatamento do que a Amazônia.
De acordo com o MapBiomas, plataforma que monitora o uso do solo no Brasil, 45,4% do Cerrado já foi destruído para dar lugar à agropecuária, principalmente para o cultivo de soja e milho.
Como um albino sobrevive
O estudo sobre tamanduá Alvin também pode descobrir outro mistério: como um animal albino consegue sobreviver no Cerrado?
Os cientistas colocaram um colar de monitoramento em Alvin. Toda sua movimentação está sendo registrada.
“A teoria ecológica fala que os bichos albinos têm mais dificuldades adaptativas e de sobrevivência. Ele sofre mais com o calor por causa da pelagem, e também é mais difícil para ele se camuflar na vegetação. Praticamente não existem dados sobre os desafios que os albinos enfrentam para sobreviver”, explica Attias.
Para Alvin, talvez seja mais difícil fugir dos grandes predadores, como as onças parda e pintada. Essa predação, inclusive, é importante para a vida no Cerrado: esses grandes carnívoros dependem da existência do tamanduá-bandeira para se alimentar.
Já outros servem de comida para o tamanduá: cada animal come cerca de 10 mil formigas por dia, além de milhares de cupins.
Além de rara, a vida de Alvin não será nada fácil.
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