• Shin Suzuki
  • Da BBC News Brasil em São Paulo

Crédito, Fabio Pozzebom/Agência Brasil

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O ministro do STF Alexandre de Moraes toma posse como presidente do TSE

O início oficial da campanha eleitoral neste mês de agosto coincide com o começo do mandato de Alexandre de Moraes como presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Ele será o principal responsável pela condução das próximas eleições.

Entre alguns dos desafios que o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) terá de enfrentar no período, estão possíveis ataques ao sistema eleitoral em atos no 7 de setembro, a propagação de fake news sobre as urnas eletrônicas, a necessidade de garantir segurança ao eleitor em meio à votação mais tensa em décadas e a ameaça de violência na contestação do resultado das eleições.

Na ocasião de sua escolha para comandar o TSE, em 14 de junho, o ministro discursou que a “Justiça Eleitoral não tolerará que milícias pessoais ou digitais desrespeitem a vontade soberana do povo e atentem contra a democracia do Brasil”.

O TSE delibera sobre ações e processos judiciais relacionados à disputa eleitoral, e seu plenário é composto por sete ministros: três do STF, dois do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e mais dois juristas especialistas em Direito Eleitoral.

Moraes e seu vice no tribunal, o ministro Ricardo Lewandowski, tomam posse na terça-feira (16/8), quando também começa a campanha.

Os dois levaram pessoalmente o convite para a cerimônia a Bolsonaro. Segundo o jornal Folha de S. Paulo, Bolsonaro confirmou sua presença aos ministros na mesma ocasião.

Luiz Inácio Lula da Silva, candidato pelo PT e líder nas pesquisas, também foi chamado para o evento e afirmou na segunda-feira (15/8) à BBC News Brasil por meio de sua campanha que estará presente.

A programação desta semana tinha mais um componente de tensão: o julgamento no Supremo dos recursos contra decisões do próprio Moraes dentro de quatro inquéritos (fake news; vazamento de dados sigilosos de investigação da Polícia Federal sobre as urnas eletrônicas; atos antidemocráticos no 7 de setembro de 2021; e as associações feitas por Bolsonaro da vacina contra a covid-19 à Aids).

No entanto, com os pedidos de vista feitos pelo ministro do STF André Mendonça na sexta-feira (12/8), os julgamentos foram suspensos, e não há prazo para sua retomada.

Dado o histórico recente de confrontos entre Bolsonaro e Moraes, o rito de posse da presidência da Justiça Eleitoral – normalmente mera formalidade – poderá se dar em clima de turbulência.

A rota de colisão entre os dois teve um de seus ápices em um evento que é foco dos inquéritos: durante um ato de 7 de setembro do ano passado, o presidente chamou Moraes de “canalha” e disse que ou ele “se enquadra ou ele pede para sair”.

Bolsonaro ainda classificou as eleições de “farsa”, disse que só sai da Presidência “preso ou morto” e exaltou a desobediência à Justiça.

Para Thomaz Pereira, professor de Direito Constitucional da Fundação Getúlio Vargas (FGV), os confrontos entre os dois podem se ampliar, já que Moraes chega ao comando do TSE tendo sido alvo de ataques por muito tempo e “visto pelo próprio Bolsonaro e pelos seus apoiadores como um adversário”.

Mas a experiência anterior do juiz como ministro da Justiça e secretário do governo estadual paulista conta como uma vantagem em um contexto de temores de distúrbios em milhares de localidades brasileiras na votação.

“O TSE, além de julgar processos e ações, tem uma função quase análoga à de um ministério, de fazer as eleições acontecerem e com lisura”, afirma o professor da FGV.

“É importante ter alguém que seja capaz de organizar a administração da máquina pública, coordenar essa atuação com a polícia, com órgãos da Justiça nos Estados. A gente imagina que ataques e conflitos no dia das eleições possam se materializar.”

“Não é só uma questão de segurança física da eleitor, mas é uma confusão que impeça pessoas de votar, o que faz com as pessoas tenham receio de votar, decidam ficar em suas casas. Esse tipo de coisa é muito problemática, e acho importante que existam planos para lidar com esse tipo de confusão para que isso não atrapalhe o processo”, afirma Pereira.

Crédito, Fabio Pozzembom/Agência Brasil

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Bolsonaro e Moraes durante posse de ministro do Tribunal Superior do Trabalho

Mesmo com a visita de Moraes para convidar o presidente para sua posse, a cientista política Rosemary Segurado, professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), considera que a relação entre os dois deve continuar tensa nos próximos meses.

“Falou-se em uma possível trégua, mas não acredito que haja trégua de nenhuma das partes”, diz.

“O importante aqui é que o ministro Moraes assuma o lugar nesse momento tão delicado da democracia brasileira, dos mais delicados nas últimas décadas, e cumpra o seu papel de conduzir esse processo com base naquilo que nós já temos constitucionalmente e em toda a legislação que regulamenta o processo eleitoral”.

Pereira afirma que o confronto entre o movimento bolsonarista e o STF foi inevitável, porque “qualquer ministro que estivesse na função que Moraes está – de relator dos inquéritos -, e que não se omitisse e tomasse as medidas necessárias exigidas, estaria em conflito com essa base de apoio”.

“É difícil imaginar que qualquer um que fizesse seu trabalho não seria imediatamente visto como um adversário, que esses grupos teriam um tipo de postura diferente diante de medidas que contrariam seus interesses.”

Segurado concorda: “Isso poderia parecer óbvio. Mas não é o que acontece, por exemplo, com o procurador-geral da República, que não tem nenhuma autonomia em relação à Presidência da República”.

Augusto Aras, o chefe da Procuradoria-geral da República, arquivou durante seu mandato a maioria das notícias-crime apresentada contra o presidente e seus aliados e recebe acusações de alinhamento com o Planalto.

Em resposta, disse na sabatina no Senado que aprovou sua recondução ao cargo, no ano passado, que o Ministério Público “não é nem de governo nem de oposição” e citou posicionamentos em que discordou do governo.

O próximo 7 de setembro

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Bolsonaro durante manifestação no 7 de setembro do ano passado

Para Maria Teresa Sadek, professora do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo (USP), há antes da eleição propriamente dita um evento que merece atenção: o próximo 7 de setembro, que marca os 200 anos da Proclamação da Independência do Brasil.

“A preocupação mais próxima agora é saber o que vai acontecer no 7 de setembro. Quem é que vai ser mobilizado, com que tipo de discurso, com que tipo de agressão. Que tipo de manifestação vai ocorrer, qual vai ser a identidade dessa manifestação e como as instituições vão proceder.”

No feriado de 2021, Bolsonaro fez um discurso na Avenida Paulista em que questionou a urna eletrônica e as eleições, defendeu novamente o voto impresso e disse que não pode “participar de uma farsa como essa patrocinada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE)”.

Essa ofensiva do presidente e de seus apoiadores é constante. Em uma ocasião para marcar o indulto concedido ao deputado federal Daniel Silveira, Bolsonaro chegou a dizer que “a apuração dos votos é feita por meia dúzia de técnicos” em “uma sala secreta do TSE” – algo que não é verdade. A sala de totalização de votos tem espaço para representantes de partidos, do Ministério Público Federal e da Polícia Federal.

“É retórica, uma fala para ocupar espaço sem base em dados que possam ser checados. Porque todos os controles, todas as avaliações que já foram feitas e mesmo essas que o Exército pediu e foram feitas, nenhuma apresentou dados que fossem passíveis de falar ‘por aqui dá para falsificar o resultado eleitoral'”, afirma Sadek.

Uma das decisões do ministro sobre a propagação de fake news na internet foi ordenar o bloqueio do app de mensagens Telegram no Brasil depois que a empresa ignorou durante meses os contatos do TSE para uma colaboração das redes sociais sobre informações falsas durante a eleição.

Horas depois da divulgação da decisão, o diretor-executivo da companhia, o russo Pavel Durov, divulgou um pedido de desculpas e começou a cumprir as ordens de Moraes. O Telegram removeu os links no canal oficial do presidente que permitiam baixar documentos de um inquérito sigiloso e não concluído da Polícia Federal.

Segurado entende que o principal desafio de Moraes é manter a confiança da população nas urnas eletrônicas e no sistema eleitoral brasileiro. Pesquisa Datafolha feita em julho mostrou que 79% dos entrevistados confiam nas urnas, uma alta de 6 pontos percentuais em relação a maio.

Mas as preocupações se estendem para além do primeiro e segundo turnos. Pode haver uma profusão de ações que questionem ou que peçam a anulação de eleições.

Também paira o receio de que ocorre algo semelhante ao ataque ao Capitólio, nos Estados Unidos, em 6 de janeiro de 2021. O senador Flávio Bolsonaro (PL), filho do presidente, disse em uma entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo que não há como controlar a reação violenta de apoiadores que contestem o resultado das eleições.

“Tem um elemento de coordenação [nos ataques ao sistema eleitoral], que vai passar por um sistema muito mais amplo de apoios, com setores políticos, com outras autoridades. Imagino que passa certamente por um diálogo com as Forças Armadas para garantir que elas não tomem nenhuma iniciativa contrária ao resultado eleitoral”, analisa Pereira.

“Mas tem um limite do que o TSE pode fazer em termos práticos. O que dá para fazer é costurar apoios institucionais e, claro, manter um diálogo com autoridades e com representantes dessas forças políticas.”

Sadek vê em Moraes um papel “de apaziguar, de tentar amenizar o tom das disputas”. “Não se trata de uma briga que se possa que possa ser resolvida na base da força. Ao contrário, tem que ser uma briga resolvida na base da conversa, na base do diálogo. Na base do pluralismo.”

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