- Author, Davide Ghiglione
- Role, Da BBC News em Roma
Rosario Lonegro tinha só 20 anos quando ingressou em um seminário católico na Sicília, Itália, como aspirante a padre, para ser ordenado. Mas, no seminário, ele se apaixonou por outro homem e os seus superiores exigiram que ele se submetesse a uma terapia de conversão destinada a apagar as suas preferências sexuais se quisesse continuar no caminho do sacerdócio.
“Foi o período mais sombrio da minha vida”, disse ele à BBC, relembrando sua experiência no seminário em 2017.
Assustado com culpa e medo de cometer um pecado aos olhos da Igreja Católica, Rosário disse que “se sentia preso, sem outra escolha senão suprimir o meu verdadeiro eu”.
“A pressão psicológica para ser alguém que eu não era era intransponível. Eu não poderia mudar, não importa o quanto tentasse.”
Durante mais de um ano, ele foi obrigado a participar de reuniões espirituais fora do seminário, algumas durante vários dias, onde foi submetido a uma série de atividades destinadas a privá-lo de sua orientação sexual.
Isso incluiu ser trancado em um armário escuro, ser coagido a se despir na frente de outros participantes e até ser obrigado a realizar seu próprio funeral.
Durante estes rituais, ele foi incumbido de escrever as suas falhas, como “homossexualidade”, “abominação”, “falsidade” — e alguns termos ainda mais explícitos — que ele foi obrigado a enterrar sob uma lápide simbólica.
‘Eu achava que precisava ser curado’
A Organização Mundial da Saúde (OMS) retirou a homossexualidade da sua lista de perturbações mentais em 1990. Diversas pesquisas científicas concluíram que as tentativas de mudar a orientação sexual de uma pessoa não são apenas ineficazes, mas também prejudiciais à saúde.
Na França, Alemanha e Espanha as terapias de conversão foram oficialmente proibidas. Há esforços para proibí-las também na Inglaterra e no País de Gales. No Brasil, desde 1999 a prática, conhecida como “cura gay”, é vetada pelo Conselho Federal de Psicologia. Uma liminar do STF (Supremo Tribunal Federal) em 2019 ratificou o veto.
Hoje em dia, na Itália, é difícil determinar com exatidão quantas pessoas ainda sofrem com essas práticas, que são denunciadas na maioria por homens, mas também às vezes por algumas mulheres. Não existe uma definição legal padronizada para essas terapias.
Nos últimos meses, no entanto, a BBC entrevistou vários jovens gays em todo o país que compartilharam as suas experiências de serem submetidos a reuniões de grupo pseudocientíficas ou sessões de terapia individual com o objetivo de os transformar em heterossexuais.
Um homem de 33 anos que participou neste tipo de reuniões durante mais de dois anos disse: “Eu queria me reconciliar comigo mesmo. Eu não queria ser homossexual. Eu achava que precisava ser curado.”
“Eu via isso como meu único caminho para ser aceito”, disse outro. Ele não estava tentando se tornar padre, mas apenas buscando aceitação em sua vida cotidiana.
A chamada terapia de conversão gay não se limita a uma região específica da Itália — reuniões de grupo e sessões de terapia individuais acontecem em todo o país, algumas até dirigidas por psicoterapeutas com licenças. Em alguns casos, estes encontros e sessões de terapia não são oficiais, muitas vezes promovidos através de conversas discretas e recomendações secretas.
Outros cursos são anunciados publicamente. Há personalidades conhecidas nos círculos conservadores da Itália que procuram ativamente seguidores em plataformas de redes sociais para promover a sua capacidade de mudar orientações sexuais.
Na Sicília, Rosario Lonegro foi submetido principalmente a reuniões organizadas pelo grupo espanhol Verdad y Libertad (Verdade e Liberdade), sob a liderança de Miguel Ángel Sánchez Cordón. Desde então, este grupo foi desfeito e foi rejeitado pela Igreja Católica.
No entanto, o padre italiano que originalmente indicou Lonegro para estas práticas recebeu uma posição superior dentro da Igreja. E há outros que seguem se inspirando nos métodos de Sánchez Cordón na Itália.
Muitas das pessoas com quem a BBC conversou foram indicadas para se tratarem com Luca di Tolve, um “treinador moral/espiritual” que ganhou reconhecimento através de seu livro intitulado Eu já fui gay. Em Medjugorie eu me encontrei.
Em seu site, Di Tolve e sua esposa se gabam de serem um “casal contente” que busca “ajudar qualquer pessoa cuja identidade sexual esteja em crise, ajudando-os a exercer genuinamente sua liberdade para determinar quem desejam ser como pessoa”. Contatado pela BBC, Di Tolve não respondeu.
Outra personalidade famosa é Giorgio Ponte, um escritor bem conhecido nos círculos ultraconservadores italianos. Ele diz que quer ajudar as pessoas a superarem a sua homossexualidade e a serem libertadas, contando a sua própria história como um homem com impulsos homossexuais que está no seu caminho “potencialmente vitalício” para a liberdade.
“Na minha experiência, a atração homossexual decorre de uma lesão na identidade de alguém que esconde necessidades não relacionadas ao aspecto sexual-erótico, mas sim ligadas a uma percepção distorcida de si mesmo, e que se reflete em todos os aspectos da vida”, disse ele à BBC.
“Eu acredito que uma pessoa homossexual deve ter a liberdade de tentar [tornar-se heterossexual], se quiser, sabendo, no entanto, que isso pode não ser possível para todos.”
‘Quando eu a beijei, não senti que era natural’
Nos últimos anos, dezenas de jovens homens e mulheres buscaram orientação de pessoas como Di Tolve, Ponte e Sánchez Cordón. Entre eles está Massimiliano Felicetti, de 36 anos, um homem gay que tentou mudança de orientação sexual durante mais de 15 anos.
“Comecei a me sentir desconfortável comigo mesmo desde muito cedo, sentia que nunca seria aceito pela minha família, pela sociedade, pelos círculos da Igreja. Achei que estava errado, só queria ser amado e essas pessoas me ofereceram esperança”, disse ele.
Felicetti disse que tentou soluções diferentes, consultando psicólogos e membros do clero que se ofereceram para ajudá-lo a se tornar heterossexual. Porém, há cerca de dois anos, ele decidiu parar de tentar. Um frade que sabia de sua luta o encorajou a começar a namorar uma mulher, mas ele disse que não se sentia natural.
“Quando a beijei pela primeira vez, não senti que era natural. Era hora de parar de fingir”, disse Felicetti.
Há alguns meses, ele se declarou gay para sua família. “Demorou anos, mas pela primeira vez estou feliz por ser quem sou.”
Apesar das tentativas de governos anteriores em promover uma lei contra as terapias de conversão, nenhum progresso foi feito na Itália. O governo de direita liderado por Giorgia Meloni adotou até agora uma postura hostil em relação aos direitos LGBT, com a própria primeira-ministra prometendo combater o chamado “lobby LGBT” e a “ideologia de gênero”.
A falta de progresso não surpreende Michele Di Bari, pesquisadora de direito público comparado na Universidade de Pádua, que afirma que a Itália é estruturalmente muito mais lenta na implementação de mudanças em comparação com outros países da Europa Ocidental.
“Este é um fenômeno muito difícil de identificar, visto que é uma prática proibida pela própria ordem de psicólogos da Itália. No entanto, no sistema jurídico italiano, não é considerado ilegal. Pessoas que praticam isso não podem ser punidas.”
Especialistas acreditam que a Itália tem demorado em proibir estas práticas controversas em parte devido à forte influência católica no país.
“Este pode ser um dos elementos que, juntamente com uma cultura fortemente patriarcal e machista, torna mais difícil a compreensão mais ampla da homossexualidade e dos direitos LGBT”, disse Valentina Gentile, socióloga da Universidade LUISS de Roma.
“No entanto, também é justo dizer que nem todo o catolicismo é hostil à inclusão da diversidade e a própria Igreja está em um período de forte transformação a este respeito.”
O papa Francisco disse que a Igreja Católica está aberta a todos, incluindo a comunidade gay, e que a instituição tem o dever de acompanhar todos em um caminho pessoal de espiritualidade, mas dentro do âmbito das suas regras.
No entanto, o próprio Papa teria usado um termo altamente depreciativo em relação à comunidade LGBT quando disse, em uma reunião à portas fechadas com bispos italianos, que os homossexuais não deveriam ser autorizados a se tornarem padres. O Vaticano emitiu um pedido oficial de desculpas.
Rosario Lonegro deixou a Sicília para trás e agora mora em Milão. Após um colapso nervoso em 2018, ele deixou o seminário e o grupo de terapia de conversão.
Embora ainda acredite em Deus, ele não quer mais ser padre. Ele divide apartamento com o namorado, estuda filosofia e faz trabalhos ocasionais como freelancer para pagar a universidade. Contudo, as feridas psicológicas infligidas pela experiência ainda são profundas.
“Durante essas reuniões, um mantra me assombrava e era repetido inúmeras vezes: ‘Deus não me fez assim. Deus não me tornou homossexual. É apenas uma mentira que conto a mim mesmo’. Eu achava que eu era perverso”, disse ele.
“Eu nunca esquecerei aquilo.”
Fonte: BBC
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