- Felipe Souza – @felipe_dess
- Da BBC News Brasil em São Paulo
Uma reunião marcada às pressas deixa os funcionários de uma empresa em São Paulo em alerta. O presidente e diretores ordenam que os mais de 150 funcionários pausem as atividades. O motivo: “conscientizar os colaboradores sobre o voto” nas eleições presidenciais, segundo o relato dado por uma das funcionárias à BBC News Brasil.
De acordo com Lilian* (nome fictício), que pediu para não ser identificada por medo de ser demitida, a cúpula da empresa passou duas horas falando que há apenas uma opção para votar nestas eleições — o atual presidente, Jair Bolsonaro (PL) — e que “a outra representa um candidato ladrão”.
“Foram duas horas de reunião cheias de mentiras e pressão psicológica, dizendo que o futuro da empresa dependia da reeleição do presidente. Um absurdo! O pior é sermos obrigados a engolir calados um desrespeito desse, e saber que muita gente foi manipulada com essa atitude.”
“Esta é uma forma de manifestar a minha indignação com as condutas da empresa em que trabalho e outras tantas, usando a influência hierárquica para manipular o voto dos funcionários”, disse, referindo-se ao desabafo à reportagem.
A BBC News Brasil ouviu diversas pessoas que afirmaram ter sido coagidas dentro de suas empresas a votarem em um candidato apontado pelos chefes. Entre as ameaças mais relatadas pelos funcionários estão demissões, caso o candidato apoiado perca.
A histórias foram apuradas a partir de depoimentos compartilhados por leitores por meio de um formulário divulgado pela BBC. Entre as 20 mensagens recebidas, uma delas descrevia pressão dos superiores para que os funcionários votassem no ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). As demais referiam-se ao candidato a reeleição Jair Bolsonaro (PL).
Segundo dados do Ministério Público do Trabalho (MPT), até a noite de quinta-feira (27/10) foram registradas 1.965 denúncias envolvendo 1.525 empresas durante a campanha para o segundo turno em todo o país. Esse dado é nove vezes maior que o registrado em 2018: naquele ano, foram 212 denúncias envolvendo 98 empresas.
A BBC News Brasil questionou quantas dessas denúncias foram pró-Lula e pró-Bolsonaro. O MPT respondeu que “o levantamento não possui essa segmentação”.
‘Estragou meu aniversário’
Alice*, que trabalha em São Paulo, disse que é frequentemente constrangida e até coagida pela chefe para votar em Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Em alguns momentos, ela relata que precisa pausar o trabalho para ouvir os argumentos para votar no candidato petista.
“Eu vou votar nulo, mas minha chefe usa palavras como ‘burro’ e ‘sem caráter’ ao falar sobre quem vota no político adversário. Inclusive, há diferença de tratamento entre quem declara ser pró-Lula e quem não é. Eu não quero nenhum dos dois. Escolhi outro candidato no primeiro turno e ele não chegou ao segundo”, afirmou.
Alice conta que o constante assédio moral que recebe no trabalho por conta das eleições faz com que ela se sinta desrespeitada e desanimada, não apenas no ambiente de trabalho, mas também na vida pessoal. Ela disse que é frequentemente questionada em quem vai votar, numa clara intenção de “virar voto”.
“Eu me sinto pressionada. No começo, eu levava na brincadeira e entendia como a pessoa pensa e sente. Mas o clima da eleição foi ficando pesado, tenso. Durante as videochamadas, os outros funcionários têm uma visão pró-Lula e comentam: ‘Não entendo esse povo que vota nesse candidato'”, diz a funcionária.
Ela conta que essas constantes pressões prejudicam não apenas o desempenho no ambiente de trabalho, mas também o clima de comemoração de seu aniversário, celebrado neste mês.
“Está sendo um período péssimo para mim. Fujo do pessoal na hora do almoço porque o assunto é sempre política. Minha chefe é insistente e fica buscando artimanhas para virar meu voto. Diz que está nas minhas mãos e que não posso deixar Bolsonaro vencer”, conta.
No ponto de vista de Alice, qualquer um dos candidatos que vencer, “vai ser um inferno, com violência para todos os lados”. E relata que o desejo dela seria a eleição de uma terceira via.
“Minha chefe diz que, se ela estiver incomodando, eu posso falar. Mas eu não farei isso porque posso ficar com a pecha de acreditar em valores opostos ao dela. Quando eu tento me explicar, sinto que não sou ouvida porque o ambiente está tão polarizado que as pessoas não se escutam. Eu vejo baixaria e fake news dos dois lados. Não queria nenhum desses dois candidatos. Na minha opinião, não temos candidato”.
Beatriz*, uma funcionária de uma empresa localizada no interior de São Paulo, contou à reportagem, na condição de anonimato, que no primeiro turno das eleições deste ano seu chefe levou todos os funcionários que trabalhavam no escritório naquele dia de carro para votar. Segundo ela, ele aproveitou o trajeto entre o posto de trabalho e o colégio eleitoral para convencê-los a votar em Jair Bolsonaro (PL).
“Ele disse que, se o Lula ganhar essas eleições, todos nós vamos entrar de aviso prévio. Falou: ‘Vou vender a empresa e, para mim, deu. Não vou ter condições de manter funcionário e nem empresa com o governo do Lula'”, relata.
Segundo ela, o chefe disse que votou em Lula quando era assalariado, mas que hoje é melhor anular do que votar no candidato petista. Questionada pelo chefe se sabia em quem votaria, ela respondeu que decidiria no momento em que chegasse na urna eletrônica.
“Ele respondeu: ‘Mas está em dúvida entre quem?’. E eu, com medo de revelar meu voto, pois meu candidato não é o que ele queria, disse que estava entre Ciro Gomes e Simone Tebet. Ele então falou: ‘Não faz isso. Seria jogar voto fora porque esses dois não têm chance de ganhar'”, contou Beatriz, que ainda trabalha na mesma empresa.
Para fugir do assunto no trajeto até o local de votação, ela disse ter colocado o celular para despertar e fingido ter recebido uma ligação.
“Na volta da votação, meu chefe só disse: ‘Bom espero que tenha feito a escolha certa para o futuro do seu emprego e de muitos outros.'”
Como denunciar
Quem passa por algum constrangimento ou assédio no ambiente de trabalho pode fazer uma denúncia ao Ministério do Trabalho, Emprego e Previdência por meio deste link. As denúncias também podem ser feitas diretamente ao Ministério Público do Trabalho (MPT).
Na maior parte dos casos, é firmado um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), um acordo extrajudicial no qual o investigado se compromete a não cometer novamente a prática ilegal. Em outras situações, quando o investigado não quer formalizar um acordo, o caso vai parar na Justiça por meio de ação civil pública.
Entre as punições aplicadas a essas empresas há, além da obrigação de uma retratação de modo público ou somente para os funcionários (a depender da forma como ocorreu o assédio), e o MPT também pode pedir o pagamento de multa e indenização aos empregados ou à sociedade.
Essas denúncias podem envolver, além do empregador, políticos que tenham participado da situação de assédio.
* A reportagem usou nomes fictícios para preservar a identidade dos entrevistados** Colaborou Vinicius Lemos, da BBC News Brasil em São Paulo
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