• Author, Margarita Rodríguez
  • Role, BBC News Mundo

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Situação na Síria já era grave por causa da guerra

“Imagine viver 12 anos em uma guerra, com ataques e bombardeios diários”, diz Francisco Otero y Villar, coordenador geral da organização Médicos Sem Fronteiras (MSF) para a Síria.

“E agora vem este terremoto devastador.”

Estima-se que 25 mil pessoas morreram nos terremotos que atingiram o sul da Turquia e o norte da Síria na segunda-feira (6/2) — 3.300 mortos no território sírio.

As Nações Unidas estimam que 10,9 milhões de sírios em várias províncias do noroeste foram afetados.

Antes dos terremotos, a Síria já era o país no mundo com o maior número de deslocados (pessoas obrigadas a saírem de suas casas sem deixar o país). São 15 milhões de pessoas que precisam de ajuda humanitária em anos de guerra civil.

Partes do noroeste do país são controladas por facções rivais.

Após os terremotos, a ajuda de países como Irã, Iraque, Jordânia e Venezuela, entre outros, chegou a áreas controladas pelo governo .

Na sexta-feira, Damasco deu permissão para o envio de ajuda internacional às vítimas do terremoto em áreas controladas por rebeldes, informou a mídia estatal.

Atualmente, existe apenas uma passagem terrestre entre a Turquia para a Síria , pela qual transitaram dois comboios da ONU.

Veja abaixo a entrevista dada à BBC News Mundo, o serviço em espanhol da BBC, por Otero y Villar, do MSF, que está em Amã, na Jordânia.

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Musa Hmeidi, 6, foi retirado dos escombros na Síria quatro dias após o terremoto

Após 12 anos em guerra e agora dois terremotos devastadores no norte do país, como os profissionais dos MSF descrevem a situação na Síria?

A situação é dramática, muito complicada. Após 12 anos de guerra, a população dentro da Síria já estava em uma situação muito vulnerável. Além disso, veio a pandemia de covid, que também afetou muito a população e a estrutura de saúde.

Depois do fim da pandemia, tivemos uma epidemia de cólera que ainda vinhámos enfrentando nas últimas semanas. Nossos centros de tratamento de cólera ainda estão abertos. E então um terremoto devastador nos atinge.

O nível de destruição dentro da Síria também é muito grande. Cidades inteiras, bairros inteiros desabaram, centenas de casas desabaram, levando milhares de pessoas às ruas.

Agora, devido a este terrível terremoto, vemos uma nova situação em que as pessoas precisam deixar suas casas, algo que já vinha ocorrendo devido à guerra.

A ajuda humanitária está demorando, ainda há pessoas na rua que não sabem para onde ir. Algumas estão dormindo em seus veículos.

A situação meteorológica é ruim. Antes estava nevando, no dia do terremoto choveu.

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Voluntários distribuem ajuda humanitária em um acampamento improvisado em uma escola na cidade de Atareb

Nossa principal prioridade era garantir que os hospitais tivessem suprimentos médicos, suprimentos cirúrgicos e remédios suficientes para tratar esses milhares e milhares de pessoas feridas pelo terremoto.

Desde as primeiras horas, apoiamos mais de 30 hospitais, maternidades, centros de saúde com tudo o que é necessário para tratar politraumatizados.

Outra prioridade é garantir o apoio às pessoas que estão desabrigadas. Em diferentes lugares, distribuímos kits com colchões, cobertores, utensílios de cozinha, roupas.

A ajuda humanitária está demorando. Teríamos que ser mais rápidos na instalação de campos, tendas, para os novos desabrigados.

O que há dentro da Síria não será suficiente para cobrir todas essas necessidades.

É muito importante que os postos fronteiriços sejam abertos, para que uma ajuda humanitária em massa possa entrar. A resposta a este terremoto tem que ser grande.

A guerra gerou uma situação muito complicada, com estruturas de saúde que não funcionam. As necessidades que existiam antes do terremoto já eram muito grandes.

Há pessoas que vivem em campos há 12 anos, em condições insalubres, com pouco acesso à água.

A situação naqueles acampamentos, que já era complicada, vai piorar ainda mais porque vamos ter outros milhares de pessoas desabrigadas, que certamente terão que se juntar aos que estão lá.

A situação psicológica das pessoas é dramática. Imagine viver 12 anos em uma guerra sem nenhuma perspectiva de futuro, de paz, de futuro econômico, de estudos para os filhos, de trabalho.

Viver na insegurança, porque a qualquer momento pode haver um atentado, um bombardeio, apesar dos acordos de paz. Isso é algo recorrente, todos os dias há bombardeios e ataques de ambas as partes no conflito e as pessoas vivem nessa terrível incerteza.

No MSF também estamos tentando apoiar os aspectos de saúde mental em relação ao conflito. E agora ainda mais devemos apoiá-los por causa dessa tragédia que estão vivendo.

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Criança brinca sobre destroços de construção após terremoto

Dias depois do terremoto, há a informação de que ainda há pessoas nas ruas e que não sabem para onde ir.

Isso mesmo, e devido ao grande número de tremores secundários que estão ocorrendo, mais de 300 entre as últimas 24 e 48 horas, alguns deles bastante fortes, as pessoas não querem voltar para as suas casas que ainda estão de pé.

Eles preferem ficar do lado de fora e ir a lugares onde as barracas foram montadas porque temem que as estruturas ainda possam cair.

Algumas estruturas de saúde, já escassas depois de tantos anos de guerra, foram afetadas pelo terremoto.

Por exemplo, tivemos que evacuar uma das maternidades onde trabalhamos no mesmo dia do terremoto.

A gente tinha que levar mães, bebês, bebês dentro de incubadoras, para outros lugares em que a maternidade ainda não funciona.

Felizmente, conseguimos instalar outra maternidade, também afetada, em outro local e está funcionando.

Uma resposta urgente deve ser dada a este terremoto e aos milhares de feridos.

Nos hospitais que o MSF apoia, tratamos quase 4.000 feridos que precisarão de tratamento médico de longo prazo.

Mas também temos que garantir que o sistema de saúde continue funcionando também para aqueles que não foram afetados pelo terremoto, mas que precisam de cuidados médicos regulares.

Temos respondido com os estoques que temos dentro do país, que armazenamos para este tipo de catástrofe, mas são escassos e vão durar apenas algumas semanas.

Temos que garantir que todas as organizações que trabalham no noroeste da Síria possam trazer a ajuda humanitária necessária para responder a esta crise e à crise crônica relacionada ao conflito.

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Ruínas na cidade de Jindayris, na parte rebelde da província de Aleppo

Parte da área atingida pelos terremotos é controlada pela oposição e parte pelo governo. Que dificuldade a guerra acrescenta à resposta humanitária que você está tentando dar?

O MSF só trabalha em áreas controladas pela oposição.

Infelizmente, apesar de termos feito muitos pedidos ao governo de Bashar al-Assad para trabalhar nas áreas controladas por seu regime, ainda não recebemos autorização.

A ajuda humanitária para o noroeste da Síria é controlada pelo Conselho de Segurança das ONU.

Em janeiro, o Conselho de Segurança votou pela prorrogação da resolução para a entrada de ajuda humanitária pelo norte da Síria, na fronteira com a Turquia, que é a parte mais afetada pelo terremoto.

Para toda a ajuda humanitária existe um único posto fronteiriço, o de Bab al-Hawa.

Consideramos que é insuficiente, teria de haver mais entradas e ainda mais agora com a massiva ajuda humanitária necessária para responder ao terremoto e às necessidades da guerra.

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Um caminhão com ajuda humanitária entra na área da Síria controlada pelos rebeldes

Como está o acesso ao país para entregar a ajuda desde o último terremoto?

Não estava funcionando, era muito difícil, a ajuda humanitária em grande escala não podia entrar.

Ontem (quinta-feira) entrou o primeiro comboio de ajuda humanitária da ONU, mas não basta.

É uma situação desoladora para a população que sofreu a perda de entes queridos e de suas casas, mas também para os trabalhadores do MSF que estão na área há anos e são sírios. Como eles estão?

Nossas operações dentro da Síria são conduzidas por nossa equipe síria.

Nós, estrangeiros, estamos administrando tudo da Jordânia, Turquia ou Líbano. Nossos funcionários, dentro da Síria, são a força principal, mas estão muito afetados.

Nas primeiras horas após o terremoto, eles ficaram traumatizados, em pânico, mas encontraram forças para fazer o mapeamento do que era necessário.

Não era apenas o estresse deles, mas também de suas famílias. Muitos perderam parentes, entes queridos.

O impacto psicológico é muito forte e por isso temos um departamento de apoio psicológico.

Mas, apesar do sofrimento deles e de suas famílias, eles também se orgulham de seu trabalho porque estamos vendo resultados, todos os dias estamos entregando remédios, kits médicos, kits cirúrgicos para que novos pacientes possam ser tratados e continuar tratando os já internados.

E vemos o efeito. Quanto mais pudermos ajudar, mais conseguiremos diminuir a mortalidade.

Crédito, OMAR HAJ KADOUR/MSF

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Vista aérea na província de Idlib

Ainda há esperança de encontrar sobreviventes sob os escombros?

As horas logo após os terremotos são cruciais. Quanto mais rápidos forem os resgates, maior a probabilidade de as pessoas saírem vivas dos escombros.

As equipes de resgate dentro da Síria são pequenas em comparação com o que está sendo feito na Turquia.

O maquinário não chega, as equipes de resgate não chegam, as pessoas estavam cavando, levantando pedras, concreto, com as mãos para poder tirar as pessoas que ainda poderiam estar presas sob os escombros de suas casas ou prédios que caíram e , claro, não é suficiente.

Fala-se de cerca de 1.500 pessoas desaparecidas.

Quanto mais dias passam, com temperaturas baixas, chuva, desidratação, infelizmente a probabilidade de encontrar pessoas com vida diminui muito.

Em meio a essa situação dolorosa, sempre surgem notícias de mais esperança, como encontrar alguém vivo, reencontros entre entes queridos. Nesses cinco dias, você pode nos contar algo que te emocionou?

Sim, outro dia nossas equipes estiveram em um local de resgate.

Foi numa casa que ficava perto de um posto de saúde onde levamos remédios e material cirúrgico.

Eles encontraram uma mãe que infelizmente estava morta. Eles a tiraram, mas logo depois encontraram um menino nos escombros. Rapidamente ele foi para uma ambulância e, quando estavam saindo, as equipes encontraram o irmão dele.

A ambulância foi chamada de volta. Ele entrou no carro e aconteceu de novo: quando a ambulância estava saindo, eles conseguiram resgatar o terceiro irmão que também estava sob os escombros.

É de partir o coração, a mãe faleceu, mas três filhos puderam ser resgatados.

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Uma mulher carregando um bebê observa enquanto as operações de busca e resgate continuam na cidade de Jindayris

O que pode ser feito para obter mais ajuda e mais rápido?

Coloque a Síria no centro das atenções da comunidade internacional, dê muita atenção a ela. É um conflito antigo, mas neste momento crítico, o mundo inteiro, as Nações Unidas, os governos, têm que pressionar para que as organizações que estão trabalhando dentro do país tenham os meios necessários para apoiar os sírios.

Nós do MSF pedimos que a ajuda humanitária seja permitida, para que possamos aliviar o tremendo sofrimento da população síria.