Crédito, Getty Images

O Peru mergulhou no caos político na quarta-feira (07/12) após a decisão do então presidente, Pedro Castillo, de dissolver o Congresso e estabelecer um “governo de exceção” — que, segundo ele, governaria por meio de decretos-lei até que um novo Parlamento com poderes constituintes elaborasse uma nova Constituição.

O anúncio do mandatário foi imediatamente recebido com acusações de que ele estava organizando um “golpe de Estado”.

A decisão do presidente foi questionada não só pela oposição, mas também por outras autoridades do Estado — incluindo a Polícia e as Forças Armadas —, e gerou uma onda de renúncias de altos funcionários, incluindo vários ministros e embaixadores.

Enquanto isso, os membros do Congresso adiantaram a sessão que estava marcada para debater e votar uma moção de vacância, algo similar a um impeachment, contra Castillo, que acabou resultando em sua destituição do cargo.

Após seu anúncio, Castillo compareceu perante o departamento de polícia de Lima, onde foi preso.

“O Ministério Público ordenou esta tarde a detenção de Pedro Castillo Terrones pelo suposto crime de rebelião, previsto no artigo 346 do Código Penal, por violação da ordem constitucional”, informou a Procuradoria.

Pouco depois, a até então vice-presidente do Peru, Dina Boluarte, tomou posse como a primeira presidente mulher do país.

Legenda do vídeo,

Como Peru chegou a dia caótico que culminou com presidente preso

A seguir, apresentamos três pontos-chaves para você entender o caos político que assola o país.

1. Como se chegou aqui?

Castillo assumiu a presidência em julho de 2021. Desde então, passou por diversas crises de governo que o obrigaram a substituir seus ministros em mais de uma ocasião.

Crédito, Gobierno de Perú

Legenda da foto,

Castillo anunciou em rede nacional a dissolução do Congresso

A sessão de quarta-feira foi a terceira tentativa da oposição no Congresso de tirá-lo do poder, declarando sua saída do cargo por “incapacidade moral permanente” para governar.

Na véspera, Castillo havia acusado a oposição de querer “dinamitar a democracia” e voltado a se declarar inocente das acusações de corrupção contra ele.

A convocação do Congresso para discutir a destituição de Castillo, que estava prevista antes do anúncio do governo de exceção, se baseava na suposta incompetência do presidente para governar, já que em um ano e meio de gestão ele havia nomeado cinco gabinetes e cerca de 80 ministros.

Há várias acusações de corrupção contra o ex-presidente que envolvem membros de sua família, mas que — em alguns casos — também o atingem diretamente.

Na verdade, em outubro, o Ministério Público apresentou uma denúncia constitucional contra Castillo, a quem acusa de liderar “uma organização criminosa” para enriquecer com contratos do Estado e obstruir investigações.

No entanto, durante a sessão de quarta-feira para destituí-lo do cargo, pouco depois de Castillo anunciar a dissolução do Congresso e o estabelecimento de um governo de exceção, o argumento mais citado pelos parlamentares para votar contra ele foi a necessidade de preservar a democracia e o Estado de direito.

Para destituir Castillo, era necessário o voto de dois terços dos 130 membros do Congresso, cerca de 87 parlamentares — e a moção foi aprovada com o apoio de uma folgada maioria de 101.

Crédito, EFE

Legenda da foto,

Como vice-presidente, coube a Dina Boluarte substituir Castillo

Após a aprovação da moção de vacância, coube à então vice-presidente, Dina Boluarte, assumir a presidência do país até o final do mandato presidencial, em julho de 2026.

Boluarte foi vice na chapa de Castillo, lançada pelo partido Peru Libre, e ocupou o cargo de ministra do Desenvolvimento e Inclusão Social até 25 de novembro.

Quando Castillo anunciou sua decisão de dissolver o Congresso na quarta-feira, Boluarte se distanciou publicamente dele, afirmando que se tratava de uma violação da ordem constitucional.

2. Presidentes enfraquecidos perante o Congresso

Com a queda de Pedro Castillo e a ascensão de Dina Boluarte, o Peru já contabiliza seis presidentes da República desde 2018.

Em março daquele ano, aconteceu a renúncia do então presidente Pedro Pablo Kuczynski, que havia sido eleito nas eleições de 2016 e escolheu renunciar ao cargo antes que o Congresso realizasse uma votação — que o mandatário considerava perdida — para destituí-lo.

Kuczynski foi substituído por seu vice, Martín Vizcarra, que foi retirado do cargo pelo Parlamento em 2020.

Tanto Kuczynski quanto Vizcarra estão sendo investigados pelo Ministério Público, mas até o momento não há processos judiciais contra eles.

Vizcarra foi substituído pelo parlamentar Manuel Merino, que renunciou cinco dias depois de assumir a presidência. No lugar dele, o Congresso empossou Francisco Sagasti, que governou o país até a eleição de Castillo.

Analistas sugerem que, além dos possíveis casos de corrupção em que esses ex-presidentes podem estar envolvidos, as recorrentes mudanças na presidência do país também se explicam pela fragmentação política e pela estrutura institucional do país, que facilita que tanto o Congresso quanto o presidente possam anular as faculdades do outro poder.

Crédito, Reuters

Legenda da foto,

Manifestantes protestaram contra Castillo na quarta-feira no Peru

“O que aconteceu hoje é o fim da rivalidade permanente entre Pedro Castillo e o Congresso do Peru. É mais um exemplo do difícil equilíbrio e da luta permanente em que a atual estrutura constitucional do Peru coloca essas duas instituições”, avalia Guillermo Olmo, correspondente da BBC News Mundo, serviço de notícias em espanhol da BBC, no Peru.

“Nos últimos anos, já vimos quantos presidentes, com os Congressos com os quais tiveram que conviver, tiveram uma relação em que um está permanentemente visando o outro. O Congresso tem o mecanismo de vacância, e o presidente conta com o mecanismo do fechamento do Congresso. Isso dificulta muito a governabilidade do país”, acrescenta.

3. O futuro de Castillo e da nova presidente

Castillo compareceu na tarde de quarta-feira perante o departamento da Polícia Nacional do Peru (PNP), onde foi colocado sob custódia acusado de rebelião.

Antes de Castillo ser detido, o presidente do Tribunal Constitucional, Francisco Morales, o acusou de violar “flagrantemente” a Constituição do país e anunciou que apresentaria uma queixa-crime contra o agora ex-presidente.

Por outro lado, o chanceler do México, Marcelo Ebrard, disse que seu país poderia receber Castillo se ele solicitar.

“Temos uma política favorável ao asilo. Se ele pedir, não devemos nos opor, mas ele não pediu”, disse à imprensa.

Já a nova presidente, Dina Boluarte, fez um apelo às forças políticas do país, em seu discurso de posse, para que promovam o diálogo e o entendimento.

“Peço uma trégua política para instalar um governo de unidade nacional. Esta grande responsabilidade deve ser assumida por todos”, declarou.

“Cabe a nós conversar, dialogar, chegar a um acordo, algo tão simples quanto inviável nos últimos meses. Por isso, convoco um amplo processo de diálogo entre todas as forças políticas representadas ou não no Congresso.”

O correspondente da BBC News Mundo no Peru, Guillermo Olmo, destaca que, por enquanto, o que aconteceu na quarta-feira pôs fim à presidência de Castillo, mas não é o fim da crise política no Peru.

“Isso supõe o fim da presidência de Castillo, mas não o fim da crise política no Peru. O Congresso ainda está muito dividido e, segundo as pesquisas, é tão impopular quanto o ex-presidente. E não há um acordo à vista que vá além do fato de que Castillo tinha que ser removido. Não está claro se há um consenso sobre qual governo e qual programa seguir”, resume Olmo.