- Norberto Paredes – @norbertparedes
- BBC News Mundo
Os Democratas Suecos, um partido de extrema-direita, se tornaram na semana passada o segundo maior movimento político do país escandinavo. O partido deve fazer parte da coalizão de governo na Suécia.
A ascensão desse partido nacionalista e anti-imigração vem se dando ao longo de décadas, o que é surpreendente em uma nação reconhecida internacionalmente como um bastião de tolerância e igualdade.
O Democratas Suecos não foi o partido mais votado na disputa eleitoral, mas a maioria dos analistas concorda que ele foi o grande vencedor do dia, superando a tradicional oposição conservadora e obtendo mais de 20% dos votos.
A jornalista e autora sueca Elisabeth Åsbrink também concorda e está preocupada.
Åsbrink é autora de obras como E em Wienerwald, as árvores ainda estão de pé (2011), uma história baseada em fatos verídicos. O livro fala de cartas enviadas de um casal a seu filho, depois que o menino fugiu dos nazistas da Áustria para a Suécia como refugiado em 1939.
Mais recentemente, a autora publicou Feito na Suécia: 25 ideias que criaram um país, um livro em que fala sobre “verdadeiros valores suecos” e “todas as coisas que fizeram a Suécia o lugar que é hoje”.
Em entrevista à BBC News Mundo (serviço em espanhol da BBC), Åsbrink diz que muitas das características que ainda definem a Suécia no exterior se perderam.
E a ascensão da extrema direita no país prova isso, segundo ela. Leia a entrevista completa abaixo.
BBC –O que o resultado das últimas eleições diz sobre a sociedade sueca?
Elisabeth Åsbrink – Ele revela que muitas pessoas sentem que o Estado de bem-estar social não está lhes dando o que elas têm o direito de esperar.
Isso é resultado de uma série de mudanças fundamentais na sociedade sueca, em que o Estado de bem-estar tradicional, baseado em altos impostos por um lado e bons serviços aos cidadãos por outro, se transformou nas últimas três décadas.
BBC –Como se deu essa transformação?
Åsbrink –A sociedade sueca passou de uma estrutura baseada no coletivo para uma estrutura baseada no individualismo.
Essa transformação afetou o sistema educacional, alterou as condições de aposentadoria e criou uma descentralização do mercado de trabalho.
As regras para se demitir também foram alteradas e se deu início à venda de residências públicas para proprietários privados.
Existe uma ideia do que a Suécia é e do que ela deveria ser, mas a realidade é que todos estão equivocados.
Isso criou um clima no qual os Democratas Suecos se aproveitaram para afirmar que as mudanças negativas na sociedade aconteceram por causa da imigração e dos imigrantes.
BBC –Por que geralmente ainda enxergamos a Suécia dessa maneira? Essa Suécia não existe mais?
Åsbrink – É por causa do legado do país, que se pode dizer que começou a ser construído após a Segunda Guerra Mundial, e depois, quando [o premiê] Olof Palme assumiu nos anos 60, continuou a ser construído.
Essa Suécia não existe mais. A desigualdade de renda tornou-se enorme. Os ricos ficaram muito ricos e os pobres ficaram muito pobres.
Houve uma série de mudanças que pioraram a situação dos cidadãos. As pessoas sentem que perderam alguma coisa, e esse é um sentimento que persiste.
O Democratas Suecos foram simplesmente os melhores em capturar esse sentimento e usá-lo para seus próprios fins.
BBC – O que o Democratas Suecos defende, enquanto partido político?
Åsbrink –Muitos dos eleitores que votaram no Democratas Suecos diriam que o partido representa uma alternativa aos partidos estabelecidos que não entregaram ao povo o que haviam prometido.
Eles diriam que os partidos estabelecidos se tornaram muito acomodados, que todos têm uma orientação urbana e ideais neoliberais com os quais muitas pessoas não concordam.
BBC – Qual é a ideologia deles? No que acreditam?
Åsbrink – Eu diria que a ideologia dos Democratas Suecos é etnopluralista de direita, ou seja, eles acreditam que as nações devem ser formadas com base em uma raça e cultura homogêneas para preservar sua herança cultural.
É uma ideia que tomou forma após a Segunda Guerra Mundial. Após o genocídio dos judeus e ciganos europeus, muitos velhos nazistas e fascistas ainda queriam que a Europa fosse um continente branco. Eu escrevo sobre isso en meu livro 1947: Quando começa o agora.
Eles ainda queriam que a Europa fosse branca, mas não podiam mais usar a palavra raça, então começaram a falar sobre cultura. Essa ideia sugere, por exemplo, que as culturas não devem se misturar porque são “incompatíveis”.
BBC –Os Democratas Suecos ligam o aumento da criminalidade ao afluxo de imigrantes nas últimas décadas. Você acha que a maioria das pessoas que votaram neles acredita nessa narrativa?
Åsbrink –Sim. Acho que muitas pessoas vinculam os imigrantes ao crime. Esta é a resposta curta, mas acho que é mais complexo do que isso.
BBC – As pessoas na Suécia sabem sobre as origens nazistas do partido? Elas se importam com isso?
Åsbrink – Sim, elas devem saber, porque muitos meios de comunicação, escritores e jornalistas falaram sobre isso diversas vezes.
Mas para esses eleitores, outros problemas parecem mais urgentes, e então eles ignoram isso.
Além disso, os Democratas Suecos têm sido muito inteligentes na criação de meios alternativos onde não reconhecem este passado.
Eles dizem que a grande mídia exagera ou que não entende o que o partido defende, e dizem que são perseguidos pela grande mídia.
E isso parece funcionar. Quando alguém aponta algum fato sobre suas origens nazistas, isso é percebido como perseguição.
BBC – A esquerda vem perdendo terreno na Suécia há décadas. Como ela pode se tornar uma alternativa atraente novamente?
Åsbrink –Não foi só a esquerda. O centro e os liberais também perderam terreno.
Para que todos esses partidos voltem a ganhar terreno, eles precisam dar aos eleitores uma visão clara do que eles querem fazer com a sociedade em geral. Eles precisam de uma visão política clara para o futuro.
E é também por isso que os Democratas Suecos cresceram. Eles pintaram um quadro que as pessoas podem ver diante delas, no qual eu não acredito.
Eles têm sido muito bons em dar às pessoas uma noção da sociedade que eles dizem que vão criar: uma sociedade segura com lei e ordem, com o mínimo de imigrantes possível.
Uma ideia de que ser sueco é ser branco, o que eu pessoalmente não aceito.
BBC –O que o avanço da extrema direita, em um país conhecido por ser um bastião da social-democracia e da tolerância, diz?
Åsbrink – Bem, é uma tendência geral que vemos em todo o mundo. As pessoas estão perdendo a fé em suas autoridades, em seus políticos tradicionais ou em sua mídia.
Essa perda de fé é encorajada e usada por partidos extremistas e populistas para ganhar terreno. Então, nesse sentido, a Suécia se tornou como muitos outros países.
BBC – Isso marca também o fim do excepcionalismo sueco?
Åsbrink – Sim. A ascensão da extrema direita na Suécia marca o fim do excepcionalismo sueco, da Suécia como uma sociedade igualitária quando se trata de renda ou direitos para homens e mulheres.
Outro aspecto é a imagem internacional.
A Suécia se autodenomina “superpotência humanitária” e tradicionalmente atua como mediadora em muitos conflitos internacionais difíceis ou como agente da paz.
Criamos uma auto-imagem sueca de que somos racionais e que mantemos altos padrões morais em questões morais e humanitárias.
BBC – Em fevereiro, o líder do partido se recusou a se posicionar entre Joe Biden e Vladimir Putin. Ele mudou de ideia?
Åsbrink – O estranho é que nada do que eles fizeram ou disseram pareceu prejudicá-los na frente dos eleitores.
Mas isso não significa que 20% dos eleitores suecos sejam etnopluralistas ou algo semelhante.
Minha opinião pessoal é que o ataque russo à Ucrânia também influenciou o resultado das eleições. As pessoas querem se sentir seguras.
Quando você olha para as pesquisas sobre o que os eleitores do sexo masculino e feminino consideram importante, você pode ver que esta eleição se concentrou fortemente nas principais questões para os eleitores do sexo masculino, como crime, lei e ordem, questões de energia, energia nuclear e migração.
As eleitoras tendem a priorizar o clima, a educação e a igualdade.
Mas devido à guerra na Ucrânia, essas questões foram deixadas de fora do debate e isso beneficiou o Democratas Suecos.
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