- Phelan Chatterjee
- BBC News
A Finlândia e a Suécia podem solicitar a adesão à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) em poucos dias. Autoridades dos dois países vão se reunir neste sábado para discutir o assunto.
Essa é uma mudança monumental para duas nações com uma longa tradição de neutralidade em tempos de guerra e com histórico de ficar fora de alianças militares.
A Rússia se opõe fortemente à união dos dois países à Otan e usa a expansão da aliança militar do Ocidente como pretexto para sua guerra na Ucrânia.
O presidente russo, Vladimir Putin, afirmou nesta sexta-feira ver “possíveis ameaças à segurança” da Rússia caso os dois países entrem na Otan.
Já o presidente da Tuquia, Recep Erdogan, afirmou ser contra a medida — a Turquia também faz parte da Otan, mas Erdogan é próximo de Putin.
A oposição de Ancara pode ser um entrave essencial, já que qualquer ampliação da aliança precisa ter aprovação unânime dos atuais países-membros.
O presidente turco argumentou que os dois países dão abrigo a refugiados curdos que, diz, compõem as frentes dos Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), sigla considerada terrorista por seu governo.
Se acontecer a união, significa que a Suécia vai terminar um ciclo de mais de 200 anos de não alinhamento a outras forças militares. Já a Finlândia adotou a neutralidade após uma amarga derrota para a União Soviética durante a Segunda Guerra Mundial.
O apoio da população finlandesa ao ingresso do país à Otan variava entre 20 e 25% nos últimos anos.
Mas, desde a invasão da Ucrânia pela Rússia, o apoio disparou para um recorde de 76% da população, de acordo com uma recente pesquisa de opinião. Na Suécia, 57% da população quer aderir, muito mais do que antes da guerra.
Tempo de decisão
O presidente finlandês, Sauli Niinisto, apresentou sua posição sobre a Otan na quinta-feira, e os partidos no poder de ambos os países dirão o que pensam no fim de semana.
Se for a resposta for positiva, ambos os parlamentos terão maiorias claras a favor da adesão, e o processo de candidatura pode começar.
Embora os sociais-democratas finlandeses provavelmente sejam a favor, os sociais-democratas da Suécia estão divididos sobre a questão – o grupo atualmente está realizando uma consulta interna. No entanto, membros mais céticos do partido parecem estar inclinados a aderir. “Tudo parece estar indo nessa direção”, diz Margot Wallstrom, ex-ministra das Relações Exteriores Margot Wallstrom.
Os Estados Unidos afirmam estar confiantes para resolver quaisquer preocupações de segurança que os países possam enfrentar no período entre a inscrição e a adesão formal. O primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, visitou os dois países na quarta-feira e vai discutir “questões de segurança mais amplas”.
Por que aderir agora?
As ações do presidente da Rússia, Vladimir Putin, destruíram um senso de estabilidade de longa data no norte da Europa, deixando a Suécia e a Finlândia se sentindo vulneráveis.
O ex-primeiro-ministro finlandês Alexander Stubb diz que ingressar na aliança foi um “acordo” para seu país assim que as tropas russas invadiram a Ucrânia em 24 de fevereiro.
O ministro da Defesa sueco, Peter Hultqvist, descreve aquele dia como o momento em que o líder russo provou que era “imprevisível, não confiável e preparado para travar uma guerra cruel, sangrenta e brutal”.
Depois de prometer que a Suécia nunca se juntaria à Otan em novembro do ano passado, ele agora fala que as defesas da região nórdica serão reforçadas se ambos os países se inscreverem na Otan.
Em última análise, muitos finlandeses e suecos estão olhando para a Otan na crença de que isso pode manter os países mais seguros.
Para os finlandeses, os eventos na Ucrânia trazem uma sensação assustadora de familiaridade. Os soviéticos invadiram a Finlândia no final de 1939. Por mais de três meses, o Exército finlandês resistiu ferozmente, apesar de estar em grande desvantagem numérica.
O país evitou a ocupação, mas acabou perdendo 10% de seu território.
Observar o desenrolar da guerra na Ucrânia é como reviver essa história, diz Iro Sarkka, cientista político da Universidade de Helsinque. Os finlandeses estão olhando para sua fronteira de 1.340 km com a Rússia, diz, e pensando: “Isso poderia acontecer conosco?”
A Suécia também se sentiu ameaçada nos últimos anos, com várias violações do espaço aéreo relatadas por aeronaves militares russas.
Em 2014, os suecos ficaram paralisados com relatos de que um submarino russo estava à espreita nas águas rasas do arquipélago de Estocolmo.
Dois anos depois, o exército da Suécia retornou à pequena, mas estrategicamente importante ilha de Gotland, no Mar Báltico, depois de abandoná-la por duas décadas.
O que vai mudar?
De certa forma, a adesão dos dois países à Otan não muda muita coisa. A Suécia e a Finlândia tornaram-se parceiros oficiais da Otan em 1994 e, desde então, tornaram-se os principais contribuintes para a aliança. Eles participaram de várias missões da Otan depois do fim da Guerra Fria.
Uma grande mudança seria a aplicação do Artigo 5 do estatuto da Otan, que vê um ataque a um estado-membro como um ataque a todos. Pela primeira vez, Finlândia e Suécia teriam garantias de segurança de Estados com armas nucleares.
Embora o debate tenha mudado muito rapidamente a favor da adesão em ambos os países, o historiador Henrik Meinander argumenta que a Finlândia estava mentalmente preparada para isso. Pequenos passos em direção à Otan foram dados progressivamente desde a queda da União Soviética, diz ele.
Em 1992, Helsinque comprou 64 aviões de combate dos EUA. Três anos depois, aderiu à União Europeia, ao lado da Suécia. Todo governo finlandês desde então revisou a chamada opção da Otan, diz Meinander. O exército, que atende a uma população de 5,5 milhões de pessoas, tem uma força de guerra de 280 mil soldados e um total de 900 mil reservistas.
A Suécia seguiu um caminho diferente na década de 1990, reduzindo o tamanho de suas forças armadas e mudando as prioridades de defesa territorial para missões de paz em todo o mundo.
Mas tudo mudou em 2014, quando a Rússia anexou a Crimeia. O recrutamento voltou e os gastos com defesa foram aumentados. Em 2018, todas as famílias receberam panfletos do exército intitulados “Se a crise ou a guerra vier” – foi a a primeira vez que esse material foi distribuído desde 1991.
A Finlândia já atingiu a meta de gastos de defesa acordada pela Otan de 2% de seus Produto Interno Bruto (PIB), e a Suécia elaborou planos para fazer o mesmo.
Quais são os riscos?
O presidente Putin tem usado frequentemente a perspectiva de expansão da Otan para a Ucrânia para justificar sua invasão. Assim, a adesão da Suécia e da Finlândia à aliança seria vista por ele como uma provocação.
O Ministério das Relações Exteriores da Rússia diz que ambos os países foram alertados sobre as “consequências” de tal medida. Dmitry Medvedev, um aliado próximo do líder russo, alertou que a adesão à Otan pode levar Moscou a implantar armas nucleares em Kaliningrado, o enclave russo entre a Polônia e a Lituânia.
Apesar de não descartar essas ameaças, Alexander Stubb sugere que um risco mais realista é de ataques cibernéticos russos, campanhas de desinformação e violações ocasionais do espaço aéreo.
A Otan tornaria a Suécia e a Finlândia mais seguras?
Há uma minoria significativa, pelo menos na Suécia, que acredita que não.
Deborah Solomon, da Sociedade Sueca de Paz e Arbitragem, argumenta que a dissuasão nuclear da Otan aumenta as tensões e arrisca uma corrida armamentista com a Rússia. Isso complica os esforços de paz, diz ela, e torna a Suécia um lugar menos seguro.
Outro temor é que, ao aderir à aliança, a Suécia perca seu papel de liderança nos esforços globais de desarmamento nuclear. Margot Wallstrom lembra como alguns ministros das Relações Exteriores da Otan foram fortemente pressionados pelos EUA a não participar das negociações de desarmamento da ONU em 2019.
Mas Hultqvist, atual ministro da Defesa do país, afirma que não há contradição entre a adesão à Otan e as ambições de desarmamento da Suécia.
Uma parcela mais cética da Otan da Suécia remonta aos anos 1960-80, quando a Suécia usou sua neutralidade para se posicionar como mediadora internacional e aliada de países em desenvolvimento. Criticou fortemente a União Soviética e os EUA – e na década de 1970 foi o único país ocidental a apoiar o movimento anti-apartheid da África do Sul.
Se a Suécia aderir à Otan, seria “abandonar o sonho” de ser um mediador, diz Solomon.
A neutralidade da Finlândia era muito diferente. Surgiu como uma condição de paz imposta pela União Soviética em um “acordo de amizade” de 1948. A postura era vista como uma forma pragmática de sobreviver e manter a independência do país.
“A neutralidade da Suécia era uma questão de identidade e ideologia, enquanto na Finlândia era uma questão de existência”, diz Henrik Meinander. Parte da razão pela qual a Suécia pode se dar ao luxo de ter um debate sobre a adesão à Otan é porque usa a Finlândia e os Países Bálticos como uma “zona de amortecimento”, acredita ele.
A Finlândia abandonou sua neutralidade após o colapso da União Soviética. Olhou para o Ocidente e procurou se libertar da esfera de influência soviética. A adesão à União Europeia era vista não apenas como uma oportunidade de vantagens econômicas, mas também benefícios de segurança.
Iro Sarkka sugere que ingressar na Otan foi visto como um passo grande demais para a Finlândia no início dos anos 1990. Mas os tempos e as percepções de risco mudaram. Agora, a maioria dos finlandeses dizem que estão prontos para a adesão.
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