- Alex Christian
- BBC Worklife
Em fevereiro de 2022, a empresa do setor de energia onde Mark trabalha – com sede em Ohio, nos Estados Unidos – disse que ele precisaria retornar ao escritório.
Os patrões de Mark, que é engenheiro de software, elogiaram sua produtividade durante o trabalho à distância – afinal, ele nunca havia perdido um prazo. Mas, em uma empresa com mais de mil funcionários, o departamento onde Mark trabalha foi o primeiro a receber instruções para retornar ao escritório três dias por semana.
“Nossa equipe é pequena e todos nós temos boa sintonia. Não precisamos estar lá”, argumenta Mark (seu sobrenome é omitido para evitar problemas no seu emprego). “Estar no escritório não traz benefícios para minhas responsabilidades diárias – posso realizar todas as minhas tarefas em casa.”
Para Mark, a realidade é que apenas a sua equipe de cinco pessoas e outros poucos funcionários estão de volta ao local de trabalho. “Posso contar nos dedos o número de empregados presentes na maior parte dos dias. Estamos na base da pirâmide e fomos simplesmente informados que precisamos estar no escritório”, relata ele.
Mas os colegas de nível sênior da mesma companhia ainda conseguem trabalhar de forma remota. Alguns deles estão trabalhando enquanto viajam pelos Estados Unidos.
“Eles nunca estão no escritório”, segundo Mark. “Nós tivemos reuniões com toda a empresa e esses funcionários participaram por vídeo em locais turísticos. Alguém deve ter comentado sobre as imagens e eles desligaram as câmeras nas reuniões seguintes.”
Para Mark e sua equipe, essa disparidade entre quem trabalha remotamente e quem precisa voltar ao escritório vem criando atritos. Diferentes funcionários são submetidos a regras diferentes e parece injusto que o raciocínio por trás das decisões nunca tenha sido explicado.
“[Essa questão] nunca foi comentada pela gerência”, relata ele. “Nós podemos apresentar questionamentos sobre o retorno ao escritório durante as reuniões virtuais, mas eles nunca são respondidos diretamente.”
À medida que as restrições causadas pela pandemia são suspensas, cada vez mais empresas vêm convocando seus funcionários de volta aos escritórios, mas as regras não são universais para todos os trabalhadores. Alguns empregadores estão abrindo exceções individuais, ou para grupos específicos de funcionários, em decisões dificilmente explicáveis quando o mundo volta a ocupar o escritório. Enquanto alguns comportamentos são exigidos da maioria dos trabalhadores, outros recebem permissão para manter acordos específicos.
E, com funcionários em uma mesma empresa trabalhando com regras de presença muito diferentes, as tensões estão começando a borbulhar até a superfície, com consequências para a dinâmica do trabalho.
‘Não há políticas claras’
Não surpreende que chamar os funcionários de volta para o escritório esteja criando dificuldades.
Quando a pandemia chegou, os funcionários precisaram adotar o trabalho remoto quase da noite para o dia. Sobrevieram os lockdowns e os trabalhadores enfrentaram enormes transtornos nas suas vidas diárias.
Os gestores então precisaram ser flexíveis para decidir quando e onde as equipes realizariam seus trabalhos. Em alguns casos, pais mudaram seus horários e pessoas sem espaço disponível para trabalho nas cidades mudaram-se para o campo.
Dois anos depois, muitos trabalhadores criaram ambientes de trabalho personalizados que os mantêm produtivos fora dos padrões tradicionais de trabalho no escritório. E os empregadores de alguns desses funcionários agora não oferecem acomodações que permitam manter esse padrão.
Esse grupo poderá incluir pessoas que se mudaram para longe do seu local de trabalho durante a pandemia e agora querem manter seus empregos de forma remota. E há também os novos funcionários, já contratados para trabalho remoto.
Mas uma grande parte da força de trabalho está sendo instruída pelos mesmos patrões a voltar ao escritório para trabalho híbrido ou em tempo integral. Isso criou um problema para os empregadores: o aparente favoritismo demonstrado ao conceder flexibilidade a alguns trabalhadores selecionados, ao mesmo tempo em que são impostas restrições à maioria.
É fácil para os patrões convocar os funcionários que ainda moram a uma distância razoável do escritório e os empregados em nível júnior. Mas os trabalhadores em nível sênior e intermediário podem ter maior influência para manter os acordos flexíveis.
“Muitas vezes, os funcionários com mais experiência defendem vigorosamente seu desejo de práticas remotas ou híbridas”, afirma Helen Hughes, professora da Escola de Negócios da Universidade de Leeds, no Reino Unido. “Eles frequentemente já detêm influência e capital social, com base nas relações e na reputação já construídas.”
Considerando a atual falta de mão de obra, trabalhadores experientes poderão também estar em alta procura – particularmente em setores em que a competição por talento é mais intensa. E, se as empresas quiserem manter esses trabalhadores, elas precisarão fazer concessões em alguns casos.
Mas oferecer condições de trabalho especiais a alguns funcionários pode criar a sensação de iniquidade, possivelmente dividindo equipes e alimentando ressentimentos. “Se as decisões sobre quem trabalha de casa e quem precisa ir ao escritório parecerem injustas, com alguns funcionários conseguindo acordos melhores, existe o potencial de dividir as equipes que estão dentro e fora do local de trabalho”, segundo Hughes.
Ela acrescenta que essa situação traz o risco de intrigas e de divisão da força de trabalho em dois campos – a maioria dos funcionários no escritório e uma minoria de trabalhadores remotos -, o que pode criar cisões entre as equipes.
E a falta de coesão em uma empresa, aliada ao descontentamento dos funcionários, pode gerar uma série de consequências negativas, com potencial impacto à dinâmica do trabalho, segundo Amy Butterworth, diretora consultiva da empresa de consultoria sobre trabalho flexível Timewise, com sede em Londres. Para ela, “a qualidade do trabalho será prejudicada, existe um forte golpe com relação à inclusão e você não conseguirá o melhor retorno das equipes”.
À medida que as empresas lutam para elaborar políticas de retorno ao escritório, a falta de explicações plausíveis dos patrões pode exacerbar a tensão acumulada.
Quando Sarah, funcionária de uma agência digital, começou no seu novo emprego no norte da Inglaterra, seu patrão disse que eles precisariam dela no escritório em tempo integral, porque ela morava em local próximo. Mas seus colegas tinham autorização para trabalhar de forma remota porque moravam mais longe.
“Meu patrão não tinha uma política clara sobre o trabalho flexível: ele simplesmente decidia conforme as coisas aconteciam”, segundo ela. “Eles disseram que, como para mim era mais fácil ir ao escritório, eu deveria estar lá todos os dias.”
Para Sarah, essa dinâmica de trabalho não criou ressentimento contra seus colegas, mas sim contra o seu empregador. “No fim das contas, eu estava sendo punida pelo local onde morava. O trabalho flexível não deve estar relacionado com a sua proximidade do escritório”, afirma ela.
‘Os próprios gerentes são fantasmas‘
Para selecionar quais funcionários precisam voltar ao escritório e quais podem trabalhar de forma flexível, os empregadores estão inadvertidamente criando dinâmicas de trabalho desequilibradas, o que está levando alguns trabalhadores a questionar essa tomada de decisões em nível corporativo. No caso de Mark, ele está particularmente irritado porque a empresa onde ele trabalha deixou de explicar por que os funcionários que trabalhavam de forma produtiva em ambientes remotos deveriam ser forçados a voltar para o escritório.
“Fomos simplesmente informados que precisamos voltar, mas os próprios gerentes são fantasmas”, afirma ele. “Se o acesso à internet for tudo o que é necessário para desempenhar suas tarefas, o trabalho não deveria ficar restrito a nenhum local específico.”
Butterworth afirma que estabelecer práticas de trabalho justas, em última análise, resume-se a consultar diretamente os funcionários.
“Se um trabalhador reluta em voltar ao escritório, o empregador precisa demonstrar a importância para o indivíduo, para o seu trabalho e para a equipe como um todo. E, se as pessoas tiverem sido contratadas especificamente para trabalho remoto, é preciso comunicar por que elas têm uma estrutura diferente”, explica ela.
Compreender por que os empregadores permitem que um funcionário trabalhe de forma remota e pedem a outro que venha ao escritório pode ajudar a reduzir a tensão das equipes. Para Butterworth, “a questão é examinar as necessidades do cargo, da equipe e do funcionário. Se as pessoas entenderem essas decisões, fica mais fácil encontrar uma solução.”
O risco é que, sem estabelecer considerações cuidadosas e processos transparentes, alguns funcionários se sentirão prejudicados se for solicitado seu retorno ao escritório enquanto outros permanecem em trabalho remoto. Além de um ataque instantâneo à sua motivação, isso pode criar problemas entre os colegas, causando divisões profundas no local de trabalho a longo prazo.
Com poucas explicações sobre os motivos de precisar estar no escritório enquanto outros podem trabalhar de qualquer local, Mark agora está procurando outro emprego. “[Os gerentes] usam frases como ‘construção de equipes’ e ‘colaboração’ para justificar o retorno ao escritório”, relata ele. “Mas não acho justo que os funcionários que não são essenciais para o local de trabalho compareçam ao escritório. As empresas que forem incapazes de oferecer flexibilidade acabarão deixando escapar os funcionários de qualidade.”
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