- Mariana Schreiber – @marischreiber
- Da BBC News Brasil em Brasília
Líder nas pesquisas de intenção de voto para a disputa presidencial, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem ido a diversos encontros com empresários nas últimas semanas.
O esforço de reaproximação com um setor que apoiou em peso a eleição de Jair Bolsonaro (PL) em 2018 tem dado resultados, disse em entrevista à BBC News Brasil o empresário João Camargo, presidente da Esfera, organização que hoje reúne entre seus quase 50 associados grandes empresas, como Bradesco, BTG Pactual, XP Investimentos, Cosan, MRV Engenharia, Multiplan, Hapvida e Mercado Bitcoin.
Segundo Camargo, sua rejeição ao petista diminuiu por causa de dois fatores: o esforço de Lula em dialogar com a elite econômica e a decisão de ter como parceiro de chapa o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin (PSB). Mas Camargo admite que o favoritismo do petista na eleição fez o empresariado entender que precisa dialogar com o ex-presidente.
“Eu não estou dizendo que essa parte dos (executivos da avenida) Faria Lima, empresário, dono de laboratório farmacêutico, fintechs, os bancos, vão votar no PT. Mas hoje, aquele ranço, aquela desconfiança, já diminuiu, na minha opinião, 90%. Isso eu posso te atestar que realmente diminuiu”, afirma Camargo. “Faria Lima” é uma referência o nome da avenida em São Paulo que abriga escritórios de grandes empresas.
Em 28/06, Camargo foi a um desses em um desses encontros de Lula com empresários. O evento foi realizado na casa do advogado Sergio Renault, com participação de Carlos Sanchez (EMS), Cândido Pinheiro (Hapvida), Matheus Santiago (Ageo Terminais) e Pedro Silveira (Upon Global Capital).
Segundo o presidente da Esfera, Lula enfatizou no encontro sua abertura para o diálogo com o setor empresarial, tanto quando foi líder sindical, quanto no período em que esteve na Presidência. Lula ressaltou também a importância de Alckmin em seu governo, caso seja eleito em outubro. E detalhou sua estratégia para recuperar a economia: melhorar a imagem internacional do Brasil para atrair investimentos estrangeiros e assim reduzir o preço do dólar, controlar a inflação e baixar os juros.
Apesar de reconhecer a força do petista, Camargo não subestima o potencial de Bolsonaro na disputa. Lembra que o presidente tem a máquina pública (ou seja, controle sobre o repasse de verbas públicas) e apoio de setores importantes, como o agronegócio e o eleitorado mais conservador.
Para Camargo, é quase impossível haver um candidato competitivo da chamada terceira via (ou seja, alternativa a Lula ou Bolsonaro) e não há espaço para golpe de Estado no Brasil. “O vencedor dessas eleições vai ser garantido seja ele quem for.”
Na sua avaliação, seja eleito quem for em outubro, haverá um “rali” (alta sustentada e em geral acentuada) de investimentos no país. “Eu acho que o mercado vai começar a fazer um rali aqui. O Brasil está de graça, nunca teve os ativos tão depreciados como temos hoje, e a chance de qualquer um desses dois governos acertarem é gigantesca.”
Criada há um ano, a Esfera tem buscado aproximar o setor privado e lideranças políticas e está preparando propostas de políticas públicas e mudanças legislativas. A organização já realizou encontros com os presidentes da Câmara (Arthur Lira, PP) e do Senado (Rodrigo Pacheco, PSD), ministros do governo Bolsonaro, como Ciro Nogueira (PP), e presidentes de partidos, como Valdemar da Costa Neto (PL) e Gleisi Hoffmann (PT).
Confira os principais trechos da entrevista concedida à BBC News Brasil na segunda-feira (04/07).
BBC News Brasil – Nas últimas semanas, houve encontros de empresários com o ex-presidente Lula, que hoje é o líder nas pesquisas. Como tem sido essa aproximação?
João Camargo – A Esfera acabou fazendo três encontros com o (Fernando) Haddad (pré-candidato do PT ao governo de São Paulo). Um, logo no início, posso dizer que foi muito tenso. Depois fizemos em dezembro, também não foi muito bom. Nós fizemos um quinta-feira (30/06) e foi muito bom.
Acho que tinha uma desconfiança muito grande em relação ao PT, problema de (Operação) Lava Jato, Petrobras, (governo) Dilma (Rousseff). Estava muito ruim. Isso foi cada vez mais diminuindo. Hoje, as pessoas admitem conversar com o Haddad. Para você ter uma ideia, a Esfera tem quase 50 associados. Eu tive quase 100% dos associados presentes no encontro com o Haddad, um ou outro estava viajando. E não teve uma pergunta polêmica.
Eu não estou dizendo que essa parte dos Faria Lima, empresário, dono de laboratório farmacêutico, fintechs, os bancos, vão votar no PT. Mas hoje, aquele ranço, aquela desconfiança já diminuiu, na minha opinião, 90%. Isso eu posso te atestar que realmente diminuiu.
BBC News Brasil – O sr. atribui essa redução das resistências às movimentações do PT? Ou há uma dose de pragmatismo do mercado, de entender que tem que sentar e conversar com o líder das pesquisas?
Camargo – Então, você começa a se aproximar da realidade… Eu não estou dizendo que o Lula vai ganhar, mas como ele está na frente das pesquisas, passa então uma percepção de que é melhor conversar. Mas o PT, nesse ponto, tem feito um bom trabalho de convencimento. O esforço do Lula é claríssimo. Ele teve uns três jantares de empresários em Minas Gerais com o Walfrido (Mares Guia, ex-ministro do governo Lula). Teve (em outro encontro de empresários) com Cláudio Haddad (fundador do Insper), dois com Seripieri Júnior (dono da operadora Qsaúde), teve com (o advogado) Sérgio Renault. Então, há o esforço dele de mostrar para o establishment que ele realmente está com boas intenções, não tem ódio, continua esse Lula de 2002 (quando o petista foi eleito presidente com discurso “paz e amor”).
E nesse jantar (na casa) do Sergio Renault, Lula assegurou para a gente lá que não existe governo Lula, existe governo Lula e Alckmin. Disse que apesar de José Alencar ter sido um vice-presidente bom, ele realmente pegou (agora) um vice completo, um vice que entende de cofre, de despesa. Foi candidato a presidente da República duas vezes, se aplicou muito em estudar o que o Pérsio Arida (um dos idealizadores do Plano Real) fez de planejamento econômico. Ele está muito satisfeito (com a aliança com Alckmin).
Agora, desses associados da Esfera, eu acho que Lula, sem a Esfera ajudar em nada, conversou com mais de 80%. A Esfera não fez um evento com ele. Mas foi muito engraçado, que o primeiro encontro há 30 dias, (parte dos empresários que participaram) falava que gostou, mas os outros repudiavam. Hoje em dia, (os empresários que encontram Lula dizem): “tá bom, tá bom”.
Mas acredito ainda que o Bolsonaro é um grande player, forte, está com a máquina, aprovou (no Senado) esse estado de emergência (para liberar novos benefícios sociais durante a eleição), vai gastar aí uns R$ 50 bi (caso a medida seja aprovada também na Câmara dos Deputados, como esperado), vai apelar pro conservadorismo. O agro (setor de agricultura e pecuária que tem apoiado Bolsonaro) é muito forte. Então, ainda tem essa disputa, muita água vai passar embaixo da ponte.
BBC News Brasil – Há uma percepção de que Alckmin não vai ser um vice decorativo, mas um vice com voz no governo, caso Lula seja eleito?
Camargo – Eu acho que ele vai ocupar um dos principais ministérios do Lula. No que eu senti no jantar, da proximidade dele com o Lula, é uma proximidade muito grande. O Lula faz questão de realçá-lo, a cada três frases, de pronunciar o nome do Geraldo.
BBC News Brasil – Que mensagens os empresários têm recebido sobre a política econômica de um eventual governo Lula e possíveis mudanças na reforma trabalhista e no teto de gastos?
Camargo – O Lula falou uma coisa interessante na terça-feira: ele disse que nem na parte sindical dele, quando os hormônios brotavam à flor da pele, ele nunca rasgou um contrato. Nunca. Sempre cumpriu o que estava assinado.
Ele disse que na questão trabalhista, os próprios sindicatos dos trabalhadores acham que a grande modificação não precisa ser alterada porque foi realmente muito bom pra assinatura de carteiras de trabalho. O que ele falou é que a função dele de vida é estabelecer um diálogo entre os trabalhadores e os empresários. Disse que vai fazer (esse diálogo) se ganhar. O governo todo.
Na questão do teto de gastos, ele disse que nunca fez uma medida sem antes ouvir a sociedade, sem antes ouvir a Faria Lima, sem antes ouvir o Congresso. Foi isso que ele passou na terça-feira lá com a gente.
BBC News Brasil – E qual seria a parte da reforma trabalhista que os sindicatos estariam satisfeitos e ele não tentaria alterar?
Camargo – Não entramos em detalhes. Ele me pareceu satisfeito com a reforma trabalhista. Vai modificar uma ou outra coisa que talvez esteja sendo muito ruim para o trabalhador, mas eu não sei qual que é.
BBC News Brasil – O teto de gastos já vem sendo flexibilizado no governo Bolsonaro. A percepção hoje na elite econômica é que deveria manter o teto ou substituir por outros parâmetros fiscais?
Camargo – O que eu posso dizer para você é que Lula falou que vai debater esse assunto. Eu acho que tudo que você converge numa solução, e ouvindo todo mundo, eu acho que o trauma é bem menor, o impacto negativo é bem menor.
BBC News Brasil – E como está o diálogo com a campanha do presidente Bolsonaro?
Camargo – Eu converso mais com o governo do que com os candidatos. A última vez que eu estive com o Bolsonaro foi lá na fazenda Boa Vista (hotel no interior de São Paulo), com a visita do Elon Musk. Ele estava muito animado, estava bem crédulo de que vai ganhar a eleição.
BBC News Brasil – O presidente Jair Bolsonaro foi eleito com forte agenda liberal, mas acabou se afastando dela. Há uma decepção na elite econômica?
Camargo – Há uma decepção gigantesca pela comunicação, porque ele fez tanta coisa: marco do saneamento, o pix, o marco das ferrovias, a reforma da Previdência… Ele fez tanta coisa e não sabe divulgar.
E chega uma hora que ele fica falando (contra a) vacina, vacina, vacina, e tem tanta coisa conquistada. Depois, ele vai para (críticas à) urna, urna, urna, e eu acho que ele deixa de fazer (divulgação do seu governo)… Ele terminou a transposição do rio São Francisco, terminou as obras inacabadas. Ele fez realmente muita coisa, mas, eu acho que o governo, pelo que eu vejo (da avaliação) dos associados da Esfera, peca pela comunicação.
BBC News Brasil – Há uma percepção de que esse discurso do presidente, por exemplo, com críticas à urna eletrônica, atrapalha a campanha dele e o próprio país?
Camargo – Olha, eu trabalhei com o Jânio Quadros (governador de São Paulo de 1955 a 1959 e presidente do Brasil em 1961), e nos momentos que eu achava que o Jânio estava tendo um gesto de loucura, na verdade ele estava cinco jogadas de xadrez na frente da gente. Eu espero que o Bolsonaro tenha herdado algum gene do Jânio, porque ainda não estou vendo em que jogada que ele está.
BBC News Brasil – Os críticos do governo acham que a jogada dele (ao questionar a legitimidade e a confiabilidade das urnas eletrônicas) é criar algum tipo de tumulto ou iniciativa autoritária caso perca a eleição. Há algum temor nesse sentido entre os empresários ou até algum apoio a esse tipo de iniciativa?
Camargo – Dia 19 de agosto, a Esfera está fazendo um seminário que chama “O Equilíbrio dos Três Poderes”. Vem o (ministro Dias) Toffoli pelo STF, o (ministro da Casa Civil) Ciro Nogueira pelo Poder Executivo, e o Rodrigo Pacheco (presidente do Senado) e o Arthur Lira (presidente da Câmara) pelo Poder Legislativo. Nós vamos convidar os 20 embaixadores de maior relevância do Brasil, vamos convidar toda a imprensa externa, e mostrar que as instituições no Brasil são sólidas e fortes.
Pode ter um bate-boca do ministro A com o chefe de algum poder Z? Pode, mas o que nós vamos mostrar é que são freios e contrapesos. Não existe nenhum espaço para golpe, nenhum espaço. Eu tenho conversado com vários ministros do Supremo. A gente tem conversado com alguns ministros militares, ou alguns generais, com o Pacheco, com o Lira, o próprio Ciro (Nogueira).
Não existe um espaço no Brasil para golpe. Tanto é que esse seminário a gente está levando aí a ferro e fogo para ter uma grande repercussão nacional e internacional para mostrar realmente que o vencedor dessas eleições vai ser garantido seja ele quem for.
BBC News Brasil – No final de semana, Lula criticou os empresários e banqueiros em Salvador. Disse que eles não pensam na pobreza, no povo, mas apenas em ganhar dinheiro. Entende esse tipo de fala como uma retórica que faz parte da política, ou é algo que incomoda?
Camargo – Acho que faz parte da política. Talvez um dos trabalhos que a Esfera mais tem se debruçado é mostrar realmente que nós perdemos a inclusão social, dos mais necessitados, por causa da inflação. Não é culpa do governo Bolsonaro. É a primeira vez que a gente importou inflação, e realmente você vê um achatamento da classe média que comprime lá embaixo a base da pirâmide. Então, realmente vai ter que pensar numa equalização melhor de distribuição de renda.
O Lula disse na terça-feira que o compromisso dele é viajar ao exterior logo no início do mandato, se ele ganhar, para recuperar a imagem destruída do Brasil, por causa da Amazônia, questões outras. Com isso, ele acredita que vai trazer muito capital estrangeiro de novo para o Brasil, que (assim) ele estabiliza o dólar num preço melhor, e baixando os juros ele coloca a economia para rodar de novo.
Ele estava muito confiante. Estava falando isso salivando. Inclusive, disse que já teria aí na cabeça dele para marcar com os dez grandes chefes de Estado para recuperar essa credibilidade que a gente perdeu. E a gente perdeu mesmo. Eu vou conversar com meus amigos em Nova York ou na Europa e realmente eu nunca vi esse clima tão de mau humor em relação ao Brasil.
BBC News Brasil – O sr. considera essa estratégia de Lula viável?
Camargo – Ele disse que quando ganhou em 2003, falou assim: “(Antonio) Palocci (então ministro da Economia de Lula), paga o FMI, quero me livrar dessa tutela”. Durante o governo, ele pagou o FMI.
Aí Lula chamou o Palocci: “o dólar está barato, reserva (internacional do Brasil é) quase zero, começa a comprar”.
Então ele nos falou: “Quem fez a reserva fui eu. Eu sei muito bem que com a nossa poupança interna nós não vamos conseguir crescer. Nós vamos precisar do capital estrangeiro. Eu vou atrás, para ir atrás eu não preciso ceder nada, eu tenho que mostrar que nossa imagem é boa, as riquezas que nós temos, que as oportunidades de infraestrutura são enormes”.
Ele (Lula) tem uma visão boa. Eu fiquei um pouco impressionado.
BBC News Brasil – Lula sinalizou quem poderia assumir o comando da economia, caso seja eleito? Alguém com perfil parecido ao do Palocci, por exemplo?
Camargo – Na bolsa de apostas, falam muito de Wellington Dias (ex-governador do Piauí), Alexandre Padilha (deputado federal), Rui Costa (governador da Bahia), Geraldo Alckmin.
Lá no Bolsonaro, a bolsa de apostas alta (para assumir a pasta da Economia em caso de reeleição) é do Roberto Campos (hoje presidente do Banco Central).
BBC News Brasil – No caso do Lula, todos os citados para o Ministério da Economia são políticos. O sr. considera esse perfil interessante?
Camargo – Todo mundo vê esses nomes de bom grado. O Rui Costa fez um ótimo governo. O Wellington Dias diz que conversa muito com os empresários. O Geraldo é uma pessoa que cuidou do cofre aqui (do Estado de São Paulo) 14 anos, sempre trabalhou com o cofre bem, nunca tomou decisão sem ouvir as pessoas. O Geraldo é aquele cara que ouve mais do que fala.
Eu acho que a gente está bem servido. Melhor ainda se a gente tivesse uma terceira via, mas (considerando) os dois candidatos (Lula e Bolsonaro), eu acho que o mercado vai começar a fazer um rali aqui no Brasil (seja qual vencer). O Brasil está de graça, nunca teve os ativos tão depreciados como temos hoje. E a chance de qualquer um desses dois governos acertarem é gigantesca.
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