- Author, Luís Barrucho
- Role, Enviado da BBC News Brasil a Lisboa
- Twitter, @luisbarrucho
“Lula da Silva deve ser condenado por sua proximidade com a Rússia e pela incapacidade de ver o sofrimento do povo ucraniano, contrário à diplomacia que Portugal tem feito e bem, no âmbito europeu, pela sua proximidade à China, pela sua hesitação em condenar as ditaduras sul-americanas que tanta dor, pobreza e sofrimento têm causado, mas sobretudo e acima de tudo, pelo nível de corrupção que representa.”
É assim que o deputado André Ventura, líder do partido de extrema-direita português Chega, descreveu o presidente brasileiro, às vésperas de sua visita a Portugal, em vídeo enviado nesta semana à imprensa do país.
Ele acrescenta: “Lula é, na nossa perspectiva e na perspectiva de qualquer cidadão de centro-direita ou de direita, o pior que a política representa”.
Fundado em abril de 2019 por Ventura, o Chega, que se define como um partido “conservador, liberal e nacionalista”, tem no discurso anti-imigrante um de seus principais alicerces e é hoje a terceira maior força na Assembleia da República (Parlamento português), com 12 deputados.
A sigla organizou um protesto contra Lula no próximo dia 25 em frente ao local.
“Lugar de ladrão é na prisão”, diz a chamada para a manifestação, que faz referência à prisão de Lula em 7 de abril de 2018 – as condenaões contra o presidente foram posteriormente anuladas.
A convocação do ato foi compartilhada pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que descreveu a manifestação como “justa”. O perfil do Chega! no Twitter respondeu ao post do parlamentar dizendo que “Lula, não é bem-vindo em Portugal!”.
Em 13 de janeiro deste ano, em sessão no Parlamento português, Ventura chamou Lula de “bandido”.
Na ocasião, o presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva (Partido Socialista), rebateu Ventura e afirmou se tratar de “uma expressão ofensiva em relação ao presidente de um país muito amigo de Portugal”.
O líder do Chega replicou e disse ser “difícil se referir ao presidente do Brasil de outra forma”.
Ventura apoiou publicamente a reeleição do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no ano passado. Em sua manifestação de apoio, ele disse que o capitão reformado era a “escolha certa” para o Brasil.
No mês que vem, em maio, Ventura deve receber Bolsonaro e o vice-primeiro-ministro da Itália, Matteo Salvini, entre outros nomes da direita em Lisboa para uma cúpula mundial organizada pelo Chega.
O objetivo, segundo Ventura, é transformar Portugal num dos centros mundiais da ultradireita contra o socialismo.
“A presença de Jair Bolsonaro, de Matteo Salvini e de muitos outros dirigentes da direita europeia marca Lisboa como um dos novos centros da direita mais forte da Europa e uma das referências mundiais da luta contra o socialismo”, disse Ventura em outro vídeo compartilhado em suas redes sociais.
“Vamos criar um evento com o objetivo ambicioso de ser um polo, uma alternativa à Conferência Conservadora que ocorre todos os anos nos EUA”, acrescentou.
Discurso anti-imigrante
Quando pequeno, Ventura estudou em um seminário e queria tornar-se padre. Mas mudou de ideia. Formou-se em Direito, trabalhou na Autoridade Tributária (órgão equivalente à Receita Federal) e lecionou em duas das principais universidades de Lisboa. Também foi comentarista esportivo.
Atualmente, aos 40 anos, exerce mandato como deputado pelo Chega. Foi eleito pela primeira vez em 2019. Tentou se candidatar à Presidência de Portugal em 2021, sem sucesso, ficando em terceiro lugar.
Por outro lado, numa demonstração clara de seu prestígio e do crescimento da extrema-direita no país, o Chega passou de partido de deputado único para a terceira maior força política nacional, elegendo 12 deputados nas eleições legislativas de janeiro de 2022.
Definindo-se como “liberal a nível econômico, nacionalista e conservador”, Ventura ganhou fama por declarações consideradas machistas, anticiganistas, islamofóbicas e xenofóbicas.
Ventura critica o que chama de “migração sem controle” na Europa e defende um continente “de matriz cultural e cristã e de identidade, contra a imigração descontrolada”.
Quando se elegeu, em 2019, Ventura postou no Twitter: “Por que razão cresce o Chega nas sondagens e na rua? Porque já não é só a voz individual, os nossos desejos e as nossas ambições. O Chega é a voz de um povo inteiro farto de corrupção e de impunidade.”
Entre suas propostas, estão a castração química ou física a condenados por crimes de violação ou abuso sexual de menores; a prisão perpétua; e a duplicação das penas por corrupção e proibição de exercício de cargo público durante dez anos, além de agravamento de penas para crimes como violação, homicídio, terrorismo e tráfico de pessoas.
“Não me parece justo que alguém que mata várias pessoas de forma aleatória, fria e por motivos fúteis possa estar cá fora ao fim de 12 anos. (…) Defendo a obrigatoriedade de trabalho para os reclusos. Quem está na prisão é porque cometeu um crime de forma voluntária então não é justo que também ele contribua para aquilo que estamos nós todos a contribuir? Alguns chamam a isto trabalhos forçados, querem chamar-lhe isso, força. Não me importo”, disse ele em entrevista ao site Notícias ao Minuto em 2018.
“Apesar de serem ambos crimes gravíssimos, não posso equiparar quem mata duas pessoas e quem abusa sexualmente de duas pessoas. Mas o perigo para a sociedade é muito grande e aquele tratamento químico garante que não haverá reincidência dos ímpetos sexuais para voltar a atacar”, acrescentou.
Seu discurso anti-imigrante foca nos ciganos e nos muçulmanos, mas poupa os brasileiros, maior comunidade de estrangeiros em Portugal atualmente, com 252 mil em situação regular, segundo os dados mais recentes do SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras).
Em 2017, Ventura disse que Portugal tinha “excessiva tolerância com alguns grupos e minorias étnicas”.
“Não compreendo que haja pessoas à espera de reabilitação nas suas habitações, quando algumas famílias, por serem de etnia cigana, têm sempre a casa arranjada. Já para não falar que ocupam espaços ilegalmente e ninguém faz nada. Quem tem de trabalhar todos os dias para pagar as contas no final do mês olha para isto com enorme perplexidade. Isto não é racismo nem xenofobia, é resolver um problema que existe porque há minorias no nosso país que acham que estão acima da lei”, afirmou ele, em entrevista ao site Notícias ao Minuto.
Sobre os muçulmanos, Ventura postou em 2019 em sua conta no Twitter: “Quantos paquistaneses vão ter de cortar a cabeça a mais mulheres para percebermos o real perigo que esta vaga (onda) islâmica significa para a Europa?”
Em fevereiro deste ano, ele admitiu que, para o Chega, nem todos os imigrantes são bem-vindos a Portugal.
“A esquerda quer um país de completas portas abertas, a esquerda tem de querer um país em que haja imigração, ate porque muitos dos nossos setores necessitam de imigração, para trabalhar e para construir economia, mas não pode ser uma imigração em que a nacionalide é completamente vendida e a porta é completamente aberta.”
‘Bolsoluso’
Apelidado de “Bolsoluso” ou “Bolsonaro português”, por seu alinhamento ideológico com o ex-presidente brasileiro, Ventura criticou, no entanto, os atos antidemocráticos no Brasil em janeiro deste ano.
Na sessão no Parlamento português em chamou Lula de “ladrão” o líder do Chega condenou “os ataques às instituições e a violência” de 8 de janeiro, quando milhares de apoiadores de Bolsonaro invadiram as sedes dos três poderes em Brasília.
Ventura tampouco exalta a ditadura militar portuguesa, diferentemente do ex-presidente brasileiro.
Sobre António Salazar, ditador português durante o regime de Estado Novo, ele disse que “a República liderada pelo Dr. António de Oliveira Salazar, a maior parte do tempo, também não resolveu [os problemas do país] e atrasou-nos muitíssimo em vários aspetos. Não nos permitiu ter o desenvolvimento que poderíamos ter tido, sobretudo no quadro do pós-II Guerra Mundial. Portugal poder-se-ia ter desenvolvido extraordinariamente e ficamos para trás, assim como os espanhóis”.
Apesar disso, em discurso de encerramento em um congresso do Chega em novembro de 2021, Ventura apropriou-se do lema de Salazar, “Deus, pátria e família”, acrescentando-lhe a palavra “trabalho”, para resumir os valores em que o partido acredita.
A popularidade de Ventura reflete o crescimento da extrema-direita em Portugal.
Segundo um levantamento recente realizado pelo Instituto Intercampus para um grupo de jornais portugueses, as intenções de votos no partido de ultradireita saltaram de 7,2%, há um ano, para 13,5%.
A BBC News Brasil solicitou entrevista a André Ventura, mas ele não retornou o pedido até a conclusão desta reportagem.
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