- Author, Lora Jones e Samantha Everett
- Role, BBC News
“Quanto pior a coisa fica, melhor para mim.”
Quem afirma é D., um homem que trabalha como agiota no Reino Unido há duas décadas e atualmente diz que seus negócios – ilegais – nunca estiveram tão bem.
Ele é um dos dois agiotas britânicos com quem a BBC conversou recentemente.
As entrevistas revelam os perigos a que se expõem pessoas que recorrerem a credores não oficiais para amenizar o impacto da inflação e do alto custo de vida.
Riscos enormes estão associados a estes empréstimos, normalmente realizados sem documentação, sob altas taxas de juros e muitas vezes com consequências brutais.
D. diz que emprestou dinheiro ilegalmente para centenas de pessoas em todo o país depois de começar a trabalhar na área de segurança, há 20 anos.
No encontro com a reportagem, em um armazém, seu rosto está coberto por um tecido e por óculos escuros.
Quase todos os seus “clientes” são reincidentes, ele diz. Eles pagam suas dívidas em dois ou três meses e geralmente voltam algumas semanas depois.
D. acrescenta que a demanda por seus serviços disparou com a alta na inflação.
Segundo ele, mães solteiras e famílias que o procuram em busca de dinheiro para pagar contas de gás e eletricidade, ou para comprar mantimentos.
Para esses clientes, ele cobra taxas de juros de até 50%. Os demais costumam enfrentar juros de “bolha dupla”, em que o valor do empréstimo original é dobrado.
Na maioria das vezes em desespero, a maioria dos clientes de D. estaria disposta a aceitar quaisquer termos que ele decida estabelecer, ele diz.
Com os preços em alta, é improvável que a demanda por seus serviços diminua tão cedo.
Pesquisa compartilhada com a BBC sugere que, ao contrário, sua base de clientes em potencial pode estar se expandindo.
Um novo relatório encomendado pela Fair4All Finance, baseado em entrevistas com 287 pessoas em Londres, Preston, Port Talbot e Glasgow que recorreram a agiotas nos últimos 3 anos, mostra o impacto dos empréstimos ilegais no Reino Unido.
Em média, seus empréstimos eram de cerca de £ 3.000 (mais de R$ 20.000). A maioria dos entrevistados trabalhava em tempo integral com baixos salários.
D. se autodenomina um “executor”, em referência ao que acontece caso datas de pagamentos sejam perdidas ou suas mensagens sejam ignoradas.
“As janelas e portas da frente da sua casa são arrombadas e você pode até ser espancado.”
Ele diz que as agressões físicas são “raras”, mas admite ter praticado atos violentos – quebrar pernas, quebrar dentes ou mandar pessoas para o hospital.
Quando questionado por que esse tipo de “execução” tem que ser tão brutal, ele diz: “É pessoal. Do jeito que eles me ferem, eu quero ferí-los – fisica e financeiramente”.
Em suas próprias palavras, ele está “prestando um serviço” que depende de pessoas “ajudando-o de volta” depois do empréstimo.
O ‘chefe’ dos negócios
Outro agiota com quem a BBC conversou, M. diz ter emprestado milhões de libras a clientes nos últimos 20 anos.
Ele atualmente dirige uma equipe que opera em diferentes áreas do Reino Unido e estima ter cerca de £ 2 milhões (quase R$ 15 milhões) em empréstimos no momento.
Pedidos de dinheiro acima de um determinado valor são encaminhados diretamente a ele.
M. lida com “os ricos” – pessoas que pegam empréstimos de valores mais altos para financiar reformas de casas ou para tirar seus negócios de dificuldades.
As taxas de juros aumentam com o risco associado e muitas vezes é exigido um fiador.
Os clientes têm que dar uma forma de garantia caso não consigam pagar as prestações.
As garantias vão desde relógios, chaves do carro, até fotos de documentos de identidade de seus amigos, para que ele saiba como encontrá-los e cobrar pelo dinheiro.
“Fico constantemente surpreso com os casos que me aparecem”, ele diz.
M. afirma ter financiado até festas de aniversário para jogadores de futebol famosos – que o pagam de volta no dia em que recebem seu salários.
Como a maioria das pessoas relutante em falar abertamente sobre dívidas, há poucos dados disponíveis sobre o número de credores operando sem licença.
Em um relatório do ano passado, o centro de estudos Center for Social Justice estimou que cerca de um milhão de pessoas na Inglaterra poderiam dever dinheiro a agiotas ilegais.
M. descarta o que ele descreve como uma visão desatualizada de “trabalho de valentão”.
Suas táticas como agiota são baseadas no medo.
“Atualmente, o trabalho é mais sobre se tornar um incômodo para a pessoa”, diz ele.
“Se não houver contato, podemos tirar fotos da fachada da sua casa, ou bater na porta do vizinho perguntando onde você está.”
“Esse medo, essa intimidação, essa coerção é melhor do que um ato (violento)”, afirma.
A pesquisa recente da Fair4All Finance apontou que a violência propriamente era rara, embora ameaças de violência fossem comuns.
Um homem disse aos autores do relatório que as ameaças que recebia pareciam mais reais quando se referiam a sua família. “Recebo ameaças de ataques contra a minha família… ‘Tal coisa vai acontecer com a sua mãe, tal coisa vai acontecer com o seu irmão’.”
Já uma mulher que vive Glasgow afirmou que foi forçada a limpar um prédio de escritórios para um credor ilegal como forma alternativa de pagar o dinheiro que havia emprestado.
Ela descreveu a experiência como “humilhante” e disse que se sentia ansiosa e deprimida. Ela agora raramente sai de casa.
“Hoje, é muito mais sobre alguém entrar na sua cabeça do que quebrar as suas pernas”, diz Cath Wohlers, que trabalha numa organização que processa agiotas na Inglaterra.
“O agiota pode ser qualquer um”, ela acrescenta, ressaltando que uma em cada cinco pessoas levadas à prisão por sua equipe no ano passado era mulher.
Os clientes de agiotas normalmente têm crédito recusado em outras fontes antes de recorrerem a empréstimos ilegais.
Aqueles com avaliações de crédito ruins geralmente tem opções de empréstimos limitadas e alto custo.
Cath Wohlers adverte: “Agiotas vão fazer você sangrar você até secar. Simplesmente não vale a pena”.
“Se você está endividado, fale com seus credores e converse, em vez de pedir mais dinheiro emprestado para sair da dívida.”
Fonte: BBC
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