- Melissa Hogenboom
- BBC Future
Eu tinha sete anos quando comecei a aprender a ler, como propõe a escola alternativa Steiner que frequentei.
Minha filha frequenta uma escola padrão inglesa e começou aos quatro anos, como é típico na maioria das escolas britânicas.
Vê-la memorizar letras e pronunciar palavras, numa idade em que minha ideia de educação era subir em árvores e pular em poças, me fez pensar sobre como nossas diferentes experiências nos moldam.
Será que ela está ganhando uma vantagem inicial crucial que vai render benefícios ao longo da vida? Ou ela está exposta a quantidades indevidas de potencial estresse e pressão, em um momento em que deveria estar desfrutando de sua liberdade? Ou simplesmente estou me preocupando demais, e não importa com que idade começamos a ler e escrever?
Não há dúvida de que a linguagem em toda a sua riqueza — escrita, falada, cantada ou lida em voz alta — desempenha um papel fundamental em nosso desenvolvimento inicial.
Os bebês já respondem melhor à linguagem a que foram expostos no útero. Os pais são incentivados a ler para seus filhos antes mesmo de nascerem e quando são bebês.
As evidências mostram que o quanto ou quão pouco conversem com a gente na infância pode ter efeitos duradouros no desempenho educacional futuro.
Os livros são um aspecto particularmente importante desta rica exposição linguística, uma vez que a linguagem escrita geralmente inclui um vocabulário mais amplo, matizado e detalhado do que a linguagem falada cotidiana.
Isso pode, por sua vez, ajudar as crianças a aumentar seu alcance e profundidade de expressão.
Uma vez que a experiência precoce de uma criança com a linguagem é considerada tão fundamental para seu sucesso posterior, tornou-se cada vez mais comum que as pré-escolas comecem a ensinar às crianças habilidades básicas de alfabetização antes mesmo do início da educação formal.
Quando as crianças entram para a escola, a alfabetização é invariavelmente o foco principal.
Este objetivo de garantir que todas as crianças aprendam a ler e escrever se torna ainda mais premente à medida que os pesquisadores alertam que a pandemia causou uma lacuna de desempenho cada vez maior entre as famílias mais ricas e as mais pobres, aumentando a desigualdade acadêmica.
Em muitos países, a educação formal começa aos quatro anos. Em geral, o pensamento é que começar cedo oferece às crianças mais tempo para aprender e se destacar.
O resultado, no entanto, pode ser uma “corrida armamentista educacional”, com os pais tentando oferecer aos filhos vantagens precoces na escola por meio de treinamento e ensino privado — com alguns pais até pagando para que crianças de quatro anos tenham aulas particulares adicionais.
Se você comparar isso com a educação infantil mais voltada para brincadeiras de várias décadas atrás, verá uma grande mudança na política, baseada em ideias muito diferentes do que nossas crianças precisam para sair na frente.
Nos EUA, esta urgência se acelerou com mudanças nas políticas, como a lei de 2001 conhecida como “nenhuma criança é deixada para trás”, que promoveu testes padronizados como forma de medir o rendimento e o progresso educacional.
No Reino Unido, as crianças são avaliadas no segundo ano de escola (entre 5 e 6 anos) para verificar se estão alcançando o nível de leitura esperado.
Os críticos advertem que testes precoces como este podem dissuadir as crianças de ler, enquanto os defensores da prática argumentam que ajuda a identificar aquelas que precisam de apoio adicional.
No entanto, muitos estudos mostram pouco benefício em um ambiente excessivamente acadêmico precoce.
Um relatório dos EUA de 2015 diz que as expectativas da sociedade sobre o que as crianças devem alcançar no jardim de infância mudaram, o que está levando a “práticas inadequadas de sala de aula”, como a redução do aprendizado baseado em brincadeiras.
O risco da ‘escolarização’
A forma como as crianças aprendem e a qualidade do ambiente são extremamente importantes.
“Que as crianças aprendam a ler é uma das coisas mais importantes que a educação primária faz. É fundamental para que as crianças progridam na vida”, diz Dominic Wyse, professor de educação primária da University College London (UCL), no Reino Unido.
Em parceria com a professora de sociologia Alice Bradbury, também da UCL, ele publicou uma pesquisa propondo que a maneira como ensinamos a ler e escrever realmente importa.
Em um artigo de 2022, eles afirmam que o intenso enfoque do sistema escolar inglês na fonética — método que envolve corresponder o som de uma palavra ou letra falada a letras escritas individuais, por meio de um processo chamado “sondagem” — pode estar prejudicando algumas crianças.
Uma razão para isso, diz Bradbury, é que a “escolarização dos primeiros anos” resultou em um aprendizado mais formal mais cedo.
Mas os testes usados para avaliar esta aprendizagem precoce podem ter pouco a ver com as habilidades realmente necessárias para ler e apreciar livros ou outros textos significativos.
Por exemplo, os testes podem pedir aos alunos para soletrar palavras sem sentido, para evitar que simplesmente adivinhem ou reconheçam palavras familiares.
Como as palavras sem sentido não são uma linguagem significativa, as crianças podem achar a tarefa difícil e confusa.
Bradbury descobriu que a pressão para ganhar estas habilidades de decodificação — e passar nos testes de leitura — também significa que algumas crianças de três anos já estão sendo expostas à fonética.
“Acaba não sendo significativo, acaba sendo memorizar em vez de entender o contexto”, diz Bradbury.
Ela também receia que os livros usados não sejam particularmente atraentes.
Nem Wyse nem Bradbury defendem a aprendizagem tardia propriamente dita, mas destacam que devemos repensar a maneira como as crianças são ensinadas a ler e escrever.
A prioridade, segundo eles, deve ser estimular o interesse e a familiaridade com as palavras, por meio de livros de história, músicas e poemas — tudo o que ajuda a criança a captar os sons das palavras, além de ampliar seu vocabulário.
Esta ideia é respaldada por estudos que mostram que os benefícios acadêmicos da pré-escola desaparecem mais tarde.
As crianças que frequentam centros pré-escolares intensivos não apresentam habilidades acadêmicas melhores nas séries posteriores do que aquelas que não frequentaram essas pré-escolas, mostram vários estudos agora.
A educação infantil pode, no entanto, ter um impacto positivo no desenvolvimento social — o que, por sua vez, contribui para a probabilidade de se formar na escola e na universidade, além de estar associado a taxas mais baixas de criminalidade.
Em suma, frequentar a pré-escola pode ter efeitos positivos no desempenho posterior na vida, mas não necessariamente nas habilidades acadêmicas.
Muita pressão acadêmica pode, inclusive, causar problemas a longo prazo.
Um estudo publicado em janeiro de 2022 sugeriu que alunos que frequentaram uma pré-escola financiada pelo estado com forte ênfase acadêmica apresentaram resultados acadêmicos mais baixos alguns anos depois, em comparação com aqueles que não conseguiram uma vaga.
Este resultado coincide com pesquisas sobre a importância da aprendizagem baseada em brincadeiras nos primeiros anos.
Pré-escolas voltadas para atividades lúdicas apresentam melhores resultados do que pré-escolas com foco acadêmico, por exemplo.
Um estudo de 2002 mostrou que “o sucesso escolar posterior das crianças parece ter sido aprimorado por experiências de aprendizagem precoce mais ativas e iniciadas pela criança”, e que a aprendizagem excessivamente formal poderia ter retardado o progresso.
O estudo concluiu que “pressionar as crianças cedo demais pode realmente sair pela culatra quando as crianças passam para o último ano do ensino fundamental”.
Da mesma forma, outro estudo pequeno mostrou que crianças desfavorecidas nos EUA que foram aleatoriamente designadas para um ambiente mais lúdico tiveram menos problemas comportamentais e deficiências emocionais aos 23 anos, em comparação com crianças que foram aleatoriamente designadas para um ambiente de “instrução direta” .
Estudos pré-escolares como estes não esclarecem o impacto da alfabetização precoce propriamente dita, e estudos pequenos em um único lugar devem sempre ser tratados com cautela, mas sugerem que a forma como se ensina é importante.
Uma razão pela qual a educação precoce pode gerar resultados sociais positivos mais tarde na vida pode não ter nada a ver com o ensino, mas com o fato de que proporciona cuidados infantis.
Isso significa que os pais podem trabalhar continuamente e proporcionar uma renda familiar mais alta.
Anna Cunningham, professora sênior de psicologia da Nottingham Trent University, no Reino Unido, que estuda a alfabetização precoce, argumenta que, se um ambiente for muito focado academicamente no início, isso pode fazer com que os professores fiquem preocupados com testes e resultados, o que pode afetar as crianças.
“É claro que não é bom julgar uma criança de cinco anos por seus resultados”, diz ela.
A ansiedade dos pais em relação ao desempenho do filho na escola também pode contribuir para isso: de acordo com uma pesquisa encomendada por uma instituição beneficente educativa no Reino Unido, o desempenho escolar é uma das principais preocupações dos pais.
Começo tardio leva a melhores resultados?
Nem todo mundo privilegia começar cedo. Em muitos países, incluindo Alemanha, Irã e Japão, a educação formal começa por volta dos seis anos.
Na Finlândia, muitas vezes aclamada como o país com um dos melhores sistemas educacionais do mundo, as crianças entram na escola aos sete anos.
Apesar desta aparente defasagem, os alunos finlandeses obtêm pontuações mais altas em compreensão de leitura do que os estudantes do Reino Unido e dos EUA aos 15 anos.
De acordo com essa abordagem centrada na criança, os anos do jardim de infância finlandês são repletos de jogos e nenhuma instrução acadêmica formal.
Seguindo este modelo, uma revisão de estudos da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, de 2009 propôs que a idade escolar formal fosse adiada para seis anos, dando às crianças no Reino Unido mais tempo “para começar a desenvolver as habilidades de linguagem e estudo essenciais para seu progresso posterior”, já que começar cedo demais poderia “ameaçar minar a confiança das crianças de cinco anos e causar danos de longo prazo à sua aprendizagem”.
As pesquisas respaldam esta ideia de começar mais tarde. Um estudo de 2006 sobre o jardim de infância nos EUA mostrou que houve uma melhora na pontuação dos testes de crianças que atrasaram a entrada em um ano.
Outra pesquisa que comparou leitores precoces versus leitores tardios descobriu que leitores tardios alcançam níveis comparáveis mais tarde — até mesmo superando ligeiramente os leitores precoces em habilidades de compreensão.
O estudo mostra que aprender mais tarde permite que as crianças relacionem de maneira mais eficiente seu conhecimento de mundo — sua compreensão — com as palavras que aprendem, explica Sebastian Suggate, principal autor do estudo, da Universidade de Regensburg, na Alemanha.
“Faz sentido”, diz ele. “A compreensão de leitura é linguagem, eles precisam desbloquear as ideias por trás disso.”
“É claro que se você passar mais tempo focando na linguagem mais cedo, estará construindo uma base sólida de habilidades que leva anos para se desenvolver.”
“A leitura pode ser aprendida rapidamente, mas para a linguagem (vocabulário e compreensão) não há truques fáceis. É um trabalho árduo”, diz Suggate.
Antes cedo do que tarde?
Em outro estudo que analisou as diferentes idades de entrada na escola, ele descobriu que aprender a ler cedo não trazia benefícios discerníveis aos 15 anos.
A questão então permanece: se a capacidade de leitura não melhora com a aprendizagem precoce, por que começar cedo? A variação individual do gosto e capacidade de leitura é um aspecto importante.
“As crianças são extremamente diferentes em termos de habilidades fundamentais quando entram para a escola ou começam a aprender a ler”, explica Cunningham.
Em seu estudo com crianças educadas pelo ensino Steiner, que só começa a educação formal por volta dos sete anos, ela teve que excluir 40% da amostra porque as crianças já sabiam ler.
“Acho que é porque elas estavam prontas para isso”, diz ela.
Cunningham também descobriu que as crianças mais velhas estavam mais preparadas “para aprender o processo de leitura em termos de suas habilidades linguísticas subjacentes” porque tiveram três anos extras de exposição à linguagem.
Estudos também mostram que a capacidade de leitura está mais intimamente ligada ao vocabulário de uma criança do que à sua idade, e que as habilidades de linguagem falada são um alto indicador de habilidades literárias posteriores.
No entanto, sabemos que muitas crianças que entram na escola estão atrasadas em suas habilidades linguísticas, especialmente aquelas de origens desfavorecidas.
Alguns argumentam que o ensino formal permite que essas crianças tenham acesso ao apoio e às habilidades que outras podem adquirir informalmente em casa.
Esta linha de pensamento é defendida pelas autoridades educacionais do Reino Unido, que dizem que ensinar a ler cedo para aqueles que estão atrasados em sua linguagem falada é “o único caminho eficaz para fechar essa lacuna [de capacidade linguística]”.
Outros preferem a abordagem oposta, de mergulhar as crianças em um ambiente em que possam desfrutar e desenvolver sua compreensão da linguagem, que é, no fim das contas, fundamental para o sucesso da leitura.
É exatamente isso que um ambiente de aprendizagem lúdico ajuda a incentivar.
“O trabalho de ensinar é avaliar onde seus filhos estão e oferecer a eles o ensino mais adequado em relação ao seu nível de desenvolvimento”, diz Wyse.
A revisão de Cambridge de 2009 reiterou isso e afirmou: “Não há evidências de que uma criança que passa mais tempo aprendendo por meio de aulas — em vez de aprender por meio de brincadeiras — ‘se sairá melhor’ a longo prazo”.
Cunningham, cuja filha também começou recentemente a aprender a ler, tem uma visão generosa e tranquilizadora da idade ideal para a leitura:
“Não importa se você começa a ler aos quatro, cinco ou seis, desde que o método de ensino seja um método bom e comprovado. As crianças são tão resilientes que vão encontrar oportunidades para brincar em qualquer contexto.”
Nossa obsessão com a alfabetização precoce parece então ser um tanto infundada — não há necessidade, nem benefício claro de apressar as coisas.
Por outro lado, se seu filho está começando a ser alfabetizado cedo, ou mostra interesse pela leitura antes de ser ensinado na escola, tudo bem também, desde que haja sempre muitas oportunidades para fazer uma pausa e se divertir ao longo do caminho.
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