- Author, Redação
- Role, BBC News Mundo
“A Rússia trouxe a guerra para a nossa terra, e deveria sentir o que isso fez”, declarou Zelensky em discurso na noite de quinta-feira (8/8), sem se referir diretamente à ofensiva ucraniana.
“Os ucranianos sabem como atingir seus objetivos. E não escolhemos atingir nossos objetivos na guerra”, acrescentou.
A Rússia afirma que pelo menos mil soldados ucranianos entraram em seu território com tanques e veículos blindados na manhã de terça-feira (6/8), no que parece ser um dos maiores ataques em solo russo desde o início da guerra.
Há muitos relatos provenientes do campo de batalha, mas a maioria deles não pode ser verificada, e o panorama completo do que está acontecendo na Ucrânia permanece obscuro. Além disso, a situação está mudando constantemente.
As tropas ucranianas estão consolidando suas posições no território ocupado de Kursk, ao mesmo tempo que estão expandindo sua zona de controle em outras áreas, à medida que continuam a avançar ou a realizar incursões de reconhecimento a partir de posições estratégicas.
Atualmente, ocupam a maior parte do centro da região de Sudzha, a oeste do rio de mesmo nome.
As tropas russas permanecem no terreno elevado na margem leste do rio, mas se encontram em uma situação difícil: estão sendo suplantadas por ambos os lados.
A zona ‘cinzenta’
Grande parte do território da região de Kursk se encontra na chamada “zona cinzenta”, que não é controlada por nenhum dos lados do conflito.
É a partir de lá que são transmitidas com mais frequência as informações sobre o surgimento de grupos móveis de reconhecimento das Forças Armadas da Ucrânia.
Na tarde de quarta-feira (7/8), foi noticiado que unidades avançadas do Exército ucraniano tentaram tomar outro centro regional, Korenevo, localizado a 30 quilômetros a noroeste de Sudzha, e a 20 quilômetros do posto de fronteira mais próximo. Segundo canais russos do aplicativo de mensagens Telegram, o ataque foi repelido.
Mas as tropas ucranianas não recuaram para muito longe, e podem estar se preparando para uma contraofensiva.
As Forças Armadas ucranianas também estão atacando em outras direções, e há relatos de retirada em massa de civis.
Conforme o governador em exercício de Koronevo, Alexei Smirnov, informou ao presidente russo, Vladimir Putin, moradores da fronteira foram retirados, inclusive em tanques.
No dia anterior, também circulou um vídeo mostrando mais de 40 soldados russos se rendendo às Forças Armadas ucranianas na região do posto de controle de Sudzha.
O Ministério da Defesa russo afirma que nas últimas 24 horas “não permitiu nenhum avanço inimigo”, e está contendo “as tentativas de unidades individuais de penetrar profundamente no território em direção a Kursk”.
O Instituto para o Estudo da Guerra (ISW, na sigla em inglês), um respeitado think tank americano, está sendo, como de costume, cauteloso em sua avaliação sobre os resultados das batalhas, registrando as posições dos lados em conflito apenas com base em dados de geolocalização 100% confirmados.
De acordo com o ISW, o avanço das tropas ucranianas na região de Kursk foi de pelo menos 10 quilômetros de profundidade, à medida que veículos blindados ucranianos tomavam posições ao longo da rodovia 38K-030 Sudzha-Korenevo.
“A localização confirmada das unidades ucranianas que avançam na região de Kursk indica que passaram por pelo menos duas linhas de defesa russas e capturaram uma fortaleza”, escreveu o ISW.
Em outubro de 2022, o governador de Kursk, Roman Starovoit, anunciou que a construção de duas linhas de defesa reforçadas havia sido concluída.
Os modestos números do Ministério da Defesa
Na terça-feira (6/8), o Ministério da Defesa russo anunciou que 300 membros das Forças Armadas ucranianas haviam entrado na região de Kursk. Na quinta-feira, enfatizou a importância de impedir o avanço do inimigo.
“No total, desde o início das operações militares em Kursk, as perdas do inimigo totalizaram 660 militares e 82 veículos blindados, incluindo oito tanques, 12 veículos blindados de transporte de pessoas, seis veículos de combate de infantaria, 55 veículos blindados de combate e um veículo de engenharia para remover obstáculos”, listou o Departamento de Defesa russo.
Na véspera, o chefe do Estado-Maior russo, Valery Gerasimov, informou a Putin que o avanço das unidades ucranianas (que ele estimou em até mil pessoas) em direção à região de Kursk havia sido contido.
Na mesma tarde, foi declarado estado de emergência na região.
‘Quase completamente’ sob controle ucraniano
Os canais russos pró-guerra do Telegram afirmam que o comando ucraniano enviou combatentes e equipamento de pelo menos cinco brigadas e vários outros batalhões de combate (sem contar as unidades auxiliares) para a operação na região de Kursk.
O canal de propaganda Rybar menciona oito brigadas ucranianas, duas de assalto aerotransportadas e duas mecanizadas, além de outras quatro que, segundo suas fontes, “participam até certo ponto”.
De acordo com o canal, Sudzha está “quase completamente sob controle das Forças Armadas ucranianas”, e reforços ucranianos estão sendo enviados para lá.
“As forças russas controlam a rotatória a leste da cidade”, diz o Rybar. O canal também observa que “as formações ucranianas conseguiram entrar e consolidar suas posições em Myrny”.
A perda de Mirny significaria que o centro regional e seus arredores estão praticamente cercados, e que só restaria uma estrada para bater em retirada em direção ao nordeste: a rodovia P200 para Kursk.
Outros canais pró-guerra do Telegram divulgam avanços mais profundos das unidades ucranianas — especificamente, um avanço na estrada que leva à cidade de Lgov; a captura de Malaya Loknya; ataques ao vilarejo de Snagost; e batalhas na região do vilarejo de Anastasyevka, ao norte de Sudzha, a 35 quilômetros da central nuclear de Kursk, e a 65 quilômetros do centro regional.
Por que a Ucrânia precisa de uma operação em território russo?
Apesar do início bem-sucedido da operação das Forças Armadas da Ucrânia na região de Kursk, a situação das tropas ucranianas em outras partes da frente de combate continua difícil — e, em alguns lugares, crítica.
Mas será que se justifica a decisão do comando ucraniano de desviar reservas prontas para o combate que poderiam repelir a ofensiva russa nas zonas mais perigosas do conflito (como Pokrovsk, Toretsk e Chasov Yar) para a região de Kursk?
É difícil avaliar, na fase atual, os planos a longo prazo dos promotores dessa operação em território russo. Mas já é evidente que a escalada em direção a Kursk leva inevitavelmente à abertura de uma nova frente.
Do lado russo, pelo menos nesta primeira fase, as desvantagens são óbvias.
A transferência das operações militares para seu solo está levando à perda de território, imóveis e propriedades, mortos, feridos, prisioneiros, refugiados, pânico e sensação de derrota, destruição de infraestruturas e interrupção da logística. Todos os horrores da guerra.
O que vai acontecer a seguir?
Por um lado, a ofensiva ucraniana na região de Kursk parece refletir a ofensiva russa em Kharkiv.
A única diferença é que é mais rápida, e está acontecendo em terrenos que estavam mal preparados para a defesa, no caso de uma invasão em grande escala, e simplesmente havia uma escassez de soldados.
Forçar o comando russo a retirar tropas de outras regiões promissoras para salvar a região de Kursk, onde está localizada uma central nuclear, de importância estratégica, é um objetivo compreensível.
Os planos de Kiev para fortalecer sua posição tendo em vista possíveis negociações também são compreensíveis: todas as guerras terminam em negociações.
A realidade da atual guerra russo-ucraniana mostra que pode ser muito difícil recuperar territórios, incluindo os capturados, se o inimigo conseguir consolidá-los.
Por outro lado, será que as unidades ucranianas mais preparadas para o combate não podem acabar sendo dizimadas em batalhas inúteis? E a tomada de territórios poderia levar a um aumento do patriotismo russo, em vez do sentimento de derrota?
Essas já são perguntas para o comando das Forças Armadas da Ucrânia, que tomou a inesperada decisão de invadir a região de Kursk.
*Com reportagem de Ilya Abishev, correspondente de assuntos militares da BBC, e Malu Cursino, da BBC News.
Fonte: BBC
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