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* Esta é uma versão atualizada de um texto originalmente publicado em 10 de abril 2017.

A BBC News Brasil perguntou aos seus leitores quais dúvidas de português gostariam que fossem respondidas.

Após selecionar as principais, consultamos o famoso professor, escritor e apresentador Pasquale Cipro Neto, idealizador, ainda na década de 1990, do programa “Nossa Língua Portuguesa”, da TV Cultura.

Gustavo Calixto, Bruna Paloma, Erickson Lima e muitos outros quiseram saber como usar corretamente a crase – tema escolhido para ser o primeiro da série.

Pasquale dá dicas resumidas sobre essa questão – para tratar disso de modo abrangente, “precisaríamos ficar aqui umas três horas, três horas e meia, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez”, explica.

Primeiro, o professor esclarece que a palavra “crase” não se refere ao acento, mas ao fenômeno de fusão de duas vogais iguais. “O caso mais conhecido é do ‘a’ mais ‘a’ que vira ‘à'”, diz.

O nome do acento que indica ocorrência de crase é “grave”, – o contrário do agudo, de “café”, “pó” e “água”.

Mas quando que é necessário usar o acento? Pasquale dá o exemplo da clássica canção “Você já foi à Bahia?”, de Dorival Caymmi.

“Se você foi, você foi a algum lugar. O verbo ‘ir’ – ‘você foi’, verbo ‘ir’ -, no português tradicional, rege a preposição “a”. Ir a algum lugar”, explica.

E que lugar é esse? No exemplo dado, é a Bahia.

“Bahia é um substantivo que dá nome a lugar e pede artigo”, disse Pasquale.

Ele mostra formas simples de perceber isso: “’Eu moro na Bahia’ – o que é ‘na’? Não é ‘em’ mais ‘a’? ‘Eu acabei de chegar da Bahia’. O que é ‘da’? ‘De’ mais ‘a’. É fácil perceber que Bahia pede artigo.”

Neste caso, ocorre a crase – a fusão – entre duas vogais: a preposição “a”, que sucede o verbo ir, se junta com artigo “a”, que antecede o substantivo feminino Bahia, ocorrendo o acento grave.

O resultado é: “Você já foi à Bahia?” – o significa a mesma coisa que “Você já foi para a Bahia?”.

Mas se a pergunta fosse sobre Santa Catarina – “Você já foi a Santa Catarina?” -, não haveria fusão, já que Santa Catarina não pede artigo – diz-se “Eu moro em Santa Catarina” e não “Eu moro na Santa Catarina”.

“Moral da história, esse ‘a’ de ‘Você já foi a Santa Catarina?’ não passa de uma preposição que não se fundiu com nada”, explica Pasquale. “Esse ‘a’ não receberá acento por uma razão muito simples: não houve fusão.”

Pronúncia

O professor lembra que o “à” (com acento grave) tem a mesma pronuncia do “a” sem o acento.

“Eu fundo os dois em ‘Você já foi à Bahia’. Então, na hora de pronunciar isso, não desfaça a fusão. Não diga ‘você já foi àààààààà Bahia’”, recomenda.

Legenda da foto, O professor Pasquale esclarece que a palavra “crase” não se refere ao acento, mas ao fenômeno de fusão de duas vogais iguais

Erros comuns

Pasquale dá exemplos de erros frequentes, como “Sal e pimenta à gosto” (o correto é sem o acento indicador de crase).

“Isso aparece em tudo quanto é receita, quase sempre com erro, né? O ‘a’ com acento. ‘Gosto’ é palavra masculina. Como é que vai haver um artigo feminino antes de palavra masculina?”, pergunta.

Outro erro comum é “Parabéns à você” (novamente, o correto é sem o acento indicador de crase).

“‘Você’ não pede artigo. ‘Eu gosto de você’, eu não ‘gosto da você’. Não há artigo antes de ‘você’”, afirma o professor.

Mais um erro recorrente: “Bem-vindo à Brasília” (o correto é sem o acento).

“Coitada da língua!”, diz Pasquale. “‘Eu moro em Brasília’, não ‘moro na Brasília’. A menos que eu more num automóvel – se for aquela Brasília amarela dos Mamonas (Assassinas), tudo bem”, acrescenta o professor.

Outra expressão que frequentemente aparece errada: “Estou disposto à colaborar” (a forma correta é sem o acento).

“As pessoas adoram colocar acento aí”, responde o especialista, que aponta novamente para a falta de artigo: “‘Eu gosto de colaborar’, eu não ‘gosto da colaborar’”.

Àquele

Outro caso de crase é quando a proposição “a” se junta ao “a” que é a primeira letra da palavra “aquele”.

Isso ocorre, por exemplo, na frase “Vá àquele mercado”, em que se fala de um mercado específico.

“‘Vá a algum lugar’, que lugar é esse? ‘Aquele mercado’. Então a preposição ‘a’, do verbo ir, e a letra ‘a’ inicial da palavra ‘aquele’ fundem-se e ocorre o acento grave no ‘a’ inicial de ‘aquele’”, explica Pasquale.

“Posso escrever separadamente – ‘Vá a aquele mercado’? Posso. Ninguém faz isso. Mas essa fusão não é obrigatória.”

Palavras subentendidas

A frase “Sua proposta é igual à do concorrente”, tem acento grave indicador de crase porque está subentendida a repetição da palavra “proposta” – “Sua proposta é igual à proposta do concorrente”.

“Se uma coisa é igual, é igual a”, afirma o professor. “Já sai um ‘a’ daí. Preposição ‘a’, né?”

Como “proposta” é um substantivo feminino que pede artigo, a preposição “a” se junta com o artigo “a” que o antecede, ocorrendo o acento grave indicador de crase.

“Quer ver como é fácil perceber?”, pergunta o professor. “Em vez de ‘proposta’, (use) ‘orçamento’, que é palavra masculina. Como é que vai ser? ‘Seu orçamento é igual ao (do concorrente)”, indica.

Reportagem: Paula Reverbel