“Sou a primeira mulher trans a assumir essa condição, mas não só. Também sou a primeira e única mulher trans professora da instituição em toda sua história”. A fala carregada de representatividade e simbolismo é da professora Antonella Galindo, primeira mulher trans eleita para o cargo de vice-diretora da Faculdade de Direito do Recife (FDR), da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
Formada em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco, Antonella possui mestrado e doutorado pela UFPE, é professora de Direito Constitucional na instituição e, no último dia 13 de fevereiro, foi eleita a um cargo da FDR jamais ocupado por uma mulher trans desde a sua fundação, em 1827.
A Faculdade de Direito do Recife é a mais antiga do gênero no Brasil, ao lado da Faculdade de Direito de São Paulo, atual Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), inaugurada no mesmo ano.
“A FDR alterna momentos vanguardistas com outros mais conservadores. Basta dizer que, para as próprias mulheres, em geral, não foi um espaço tão aberto historicamente, já que somente em 2007 tivemos nossa primeira diretora mulher eleita, Luciana Grassano. E até hoje única. […] Apenas na década passada é que se formou a primeira mulher trans bacharel em Direito por nossa FDR, a pioneiríssima Robeyoncé Lima”, lembrou Antonella.
Professora Antonella Galindo. Foto: Arquivo Pessoal
A professora concorreu ao posto de vice-diretora na chapa com o professor Torquato Castro Jr., que foi eleito diretor. Eles, que receberam 650 votos, disputaram os cargos com os também professores Ivanildo Figueiredo e Humberto Carneiro, que tiveram 331 votos.
“Torquato me chamou para compor sua chapa. Embora lisonjeada com o convite, eu tinha acabado de assumir minha nova identidade de gênero e indaguei a ele se não seria uma ousadia muito grande me convidar, dado que sou a primeira professora mulher trans professora da casa de sua história. Mas ele me retrucou dizendo que isso seria um fator que reforçava a vontade dele de me ter como sua companheira de chapa”, contou Antonella, que encarou o desafio.
Com 25 anos de docência, sendo 16 deles na FDR, a professora ressalta que carrega uma trajetória acadêmica de muita dedicação, e que foi sua vasta experiência profissional que a encaminhou a alcançar tal posto. Durante entrevista à Folha de Pernambuco, ela citou, com orgulho, suas produções, publicações e orientações acadêmicas.
“Tenho currículo para estar onde estou. Sou frequentemente convidada a falar sobre os temas de minha especialidade em eventos aqui e no exterior, já fui vice-coordenadora de curso e subchefe de departamento. Em outras instituições, também fui coordenadora de curso, de pós-graduação, de pesquisa e extensão e muitas outras coisas”.
Professora Antonella em sala de aula. Foto: Arquivo Pessoal
Galindo também destacou que, recentemente, foi agraciada pela OAB-PE com a Medalha Heroínas do Tejucupapo, como mulher destaque na área de Educação em Pernambuco no ano de 2022.
“É um fato histórico minha presença nesse espaço. Estar onde estou é um fator importante de transformação. Lugar de mulher trans, assim como de qualquer mulher, é onde ela quiser. Precisamos de igualdade de oportunidades para mostrarmos nossos talentos, não é justo que a transexualidade seja um fator impeditivo disso”, afirmou.
Ao ocupar o cargo de vice-diretora, a professora de Direito rompe barreiras de discriminação de gênero e abre portas para que outras pessoas se sintam estimuladas e encorajadas a irem em busca dos seus objetivos sem medo.
“Não há problema que pessoas trans sejam cabeleireiras ou profissionais do sexo, mas elas também podem ser advogadas, médicas, professoras, empresárias, servidoras públicas, militares, artistas e engenheiras. No mais das vezes, são pessoas muito criativas e com muita força de vontade e de vencer na vida, enfrentam muitas dificuldades, são resilientes, pensam fora da caixa. Talentos que empresas de visão e o próprio setor público podem aproveitar melhor”.
Questionada sobre quais pautas pretende defender à frente da FDR junto ao novo diretor Torquato Castro, Antonella informou que o diálogo e a inclusão são pontos importantes para a gestão.
“Boa parte de nossas propostas de campanha foram originadas da própria comunidade e, notadamente, o objetivo de nos tornarmos uma faculdade mais inclusiva e democrática será um dos pontos centrais de nossa condução das questões da casa”.
Entre os desafios, a professora também abordou que, assim como outras universidades, a FDR também sofreu nos últimos anos com os frequentes cortes no orçamento, e que a nova gestão buscará recursos para melhorias na instituição, com destaque para a estrutura física.
“Vejo que precisamos ter uma melhor articulação com a administração central da UFPE, bem como captar recursos de outras fontes, sejam emendas parlamentares, concorrência a editais públicos, parcerias para viabilizar as melhorias possíveis, tanto físicas como de investimento em recursos humanos, tornando nosso ambiente mais psicossocialmente saudável, propiciando condições para a produção acadêmica de excelência, que historicamente nos caracteriza”, ressaltou.
Antonella foi eleita vice-diretora da FDR. Foto: Arquivo Pessoal
O mais recente posto, que possui duração de 4 anos e será assumido em abril deste ano, traz, naturalmente, novas cobranças e responsabilidades, atribuições que Antonella pretende encarar com afinco, energia e coragem, preceitos estes sempre presentes em sua trajetória pessoal e acadêmica.
“Carrego a responsabilidade de ocupar um lugar que nunca ocupamos antes e preciso estar à altura e, talvez, acima para o desafio. Mulheres como eu não têm o direito de ser fracas, é como se as falhas fossem imperdoáveis. Vou falhar em alguns momentos, sou um ser humano como qualquer outro. De todo modo, ante o que eu tive que superar para chegar até aqui, me sinto preparada para encarar tudo com muita energia e disposição e fazer uma gestão de qualidade à frente de nossa casa juntamente com Torquato”.
Paralelo ao posto histórico de vice-diretora da FDR, Antonella afirmou que seguirá nas salas de aula, fazendo o mais ama: ensinar. “Costumo dizer que posso estar gestora, mas ser professora é uma condição permanente, está em minha alma. É a melhor parte de meu trabalho, estar com o alunado, convivendo com essa energia da juventude, me revigora e me faz sentir mais animada e feliz.”
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