- Author, Matilda Welin
- Role, BBC Culture
Todos nós temos certas peças de roupa com as quais nos sentimos mais confortáveis e que acabamos vestindo com mais frequência, embora tenhamos outras 10 peças de roupas que cumpririam o mesmo propósito no guarda-roupa.
Um jeans que cai melhor que todos os outros, ou uma camiseta que nos represente melhor, a nossa melhor e mais verdadeira identidade em forma de alfaiataria.
E enquanto as semanas de moda de Nova York, Londres, Paris e Milão pretendem criar um impulso de compras para os novos estilos indispensáveis do outono de 2024, muitos de nós estamos reclinados no sofá ou dando um passeio no parque usando o mesmo suéter que escolhemos quase todos os dias durante anos.
Mas por que isso acontece? E como os nossos hábitos preguiçosos de vestir nos tornam apoiadores da sustentabilidade?
Ruth Barrett e seu parceiro Jordan se casaram uma semana antes da pandemia fechar os estabelecimentos na Grã-Bretanha, durante a quarentena. O casal comemorou o casamento na hora certa, mas perdeu a lua de mel.
Diante de tantas coisas acontecendo, a viagem perdida não foi muito importante, diz Barrett, mas quando ela e Jordan puderam dirigir seu carro pela região para uma pequena lua de mel alguns meses depois, o momento foi considerado muito especial.
“Obviamente havia muitas outras coisas que eram muito mais importantes”, disse Barrett à BBC Culture. “Isso foi tão angustiante [na época], mas conseguimos um pequeno momento de felicidade.”
Os Barretts visitaram as praias de Northumberland, perto da casa deles em Newcastle, na Inglaterra. Eles procuraram belos locais naturais. Eles viram golfinhos. No carro, repetiam o mesmo álbum: Folklore, de Taylor Swift. Mais tarde, quando Swift lançou uma linha de cardigãs como o que foi usado em um clipe do álbum, Barrett comprou um.
“Tive que encomendá-lo da América”, diz ela. “Demorou muito. Normalmente sou muito moderada, mas pensei que era algo que eu realmente queria.” O cardigã é tricotado à mão, branco creme com detalhes em preto. “Eu o descrevo como um estilo Hamptons”, diz Barrett. “Um pouco formal.” Tem estrelas nos cotovelos e uma etiqueta que diz Folklore – algo que nem todas as versões têm.
O cardigã faz Barrett se sentir calma, tranquila e confortável. Quando ela estava grávida, dois anos após o casamento, o usava todos os dias. Ela o usou quando foi ao hospital para o nascimento do filho, e o usou quando saiu do hospital com ele.
Quando seu filho tinha três semanas, a avó de Barrett morreu inesperadamente. Mais uma vez, ela usou o cardigã. Tornou a memória da sua curta lua de mel em algo tangível, diz ela, algo físico para confortá-la em momentos difíceis: “É quase como um abraço usável”.
Durabilidade emocional
Por que certas peças de roupa passam a significar tanto para nós? Bom, antes de mais nada, elas têm que durar – e isso não depende de dinheiro. Neste verão, uma nova pesquisa da Universidade de Leeds indicou que não existe correlação entre o preço de uma peça de vestuário e a sua durabilidade física.
“O que queríamos desafiar é o mito subjacente de que as roupas mais baratas serão de má qualidade e não durarão tanto e que, portanto, deveríamos dizer aos consumidores para gastarem mais dinheiro”, disse Mark Sumner, professor da Escola de Moda de Leeds à BBC Culture. “[Mas] o que estamos descobrindo aqui é que as evidências simplesmente não se comparam.”
Mas a qualidade física está longe de ser a única coisa que importa. Igualmente importante é um fator relacionado: a durabilidade emocional. Essa é a ligação que estamos construindo com as nossas roupas, explica Kate Morris, uma estudante de doutorado que trabalha com Sumner: não nos apaixonamos por certas peças de roupa apenas pela sua aparência, mas também pela forma como nos fazem sentir.
“As pessoas guardam as roupas e elas se tornam suas roupas favoritas porque as usaram em um determinado evento”, diz Sumner. “[Elas] foram a festivais [com elas] ou saíram de férias, ou talvez tenham conhecido seu verdadeiro amor.”
Essa fusão de emoções e roupas também funciona no sentido contrário. A equipe de Sumner conta que uma mulher que participou da pesquisa passou por um divórcio complicado. Quando a papelada finalmente foi concluída, ela pegou todas as roupas que associava ao marido, colocou tudo em sacos de lixo e jogou fora. Então, ela recomeçou o guarda-roupa.
As opiniões também são importantes. “O que você acha que fica bem não é [sua] decisão individual”, diz Sumner. “Se você ouvir de outras pessoas que você fica muito bem de vestido, aquela peça reforça a sua autoestima. Já tive isso em inúmeras ocasiões em que você compra alguma coisa, você veste e alguém diz: ‘Ah, isso parece um pouco engraçado’. E a peça acaba indo para o fundo do guarda-roupa.”
Em 2018, Anna-Maria Bauer, jornalista austríaca que vive em Southampton, foi de férias para a Nova Zelândia. Foi a sua primeira viagem de longa distância e, depois de se despedir do amigo com quem viajou, Bauer passou os últimos dias da viagem sozinha em um Airbnb no subúrbio de Auckland, um pouco nervosa com o próximo voo. Quando a senhora que administra o Airbnb recomendou uma rua próxima, Bauer foi ao lugar para se distrair.
Logo ela encontrou uma pequena loja de roupas. “Assim que entrei, me senti em casa”, disse ela à BBC Culture. “O proprietário foi acolhedor.” Ele recomendou um par de calças turquesa de pernas largas, muito diferentes de seus jeans skinny habituais. “O preço era de 70 dólares australianos e pensei: será mesmo?” ela lembra. “[Então] outro cliente da loja de roupas disse que me caíam bem. Tive uma onda de sentimentos.”
Hoje, as calças azul-petróleo são absolutamente as favoritas de Bauer. Elas combinam bem com climas frios e quentes, tanto com sapatilhas quanto com salto alto. O tecido grosso significa que são resistentes o suficiente para longos dias em Londres e confortáveis o suficiente para relaxar no sofá.
“Com jeans, a camiseta tem que dar conta do recado, mas com eles posso usar qualquer camiseta simples e fazem um look”, diz Bauer. “Com algumas roupas, sei que fico bem, mas seguro a barriga para arrumar a postura. Mas com essas calças me sinto bem mesmo quando estou curvada.”
Ela usa as calças constantemente. “Eu as lavo e as uso novamente”, diz Bauer. “Elas estão em mim, na cadeira ou no varal. Nunca no guarda-roupa.” E a memória da compra ainda está viva. “Eu me senti segura na loja de roupas”, diz Bauer. “Fica comigo a sensação de segurança.”
Uma pesquisa do grupo ambientalista WRAP estima que um quarto das roupas nos guarda-roupas britânicos não são usadas há um ano e que estes itens esquecidos têm um valor somado em cerca de R$ 10 bilhões. Estas são roupas, dizem Sumner e Morris, da Universidade de Leeds, das quais “virtualmente nos desfizemos”.
“Isso é desafiador do ponto de vista da sustentabilidade porque você não usa essas roupas”, diz Sumner. “Toda a energia, água, produtos químicos e até mesmo o trabalho necessário para fabricá-las são desperdiçados”.
Embora os cientistas digam que é quase impossível prever se uma peça de roupa se tornará favorita antes de comprá-la, você ainda pode aumentar as chances disso. Isso se trata de focar na durabilidade física e emocional ao mesmo tempo. Por exemplo, só podemos criar uma ligação emocional com uma peça se ela durar o suficiente para começarmos a amá-la.
“A conexão emocional aumenta com o tempo”, diz Sumner. “Você precisa de algum tempo com a roupa e ela precisa permanecer funcional.” (Por outro lado, diz, o jeans fica mais macio e cai melhor quanto mais o lavamos. É por isso que muitas vezes ficamos cada vez mais apegados aos nossos jeans com o passar do tempo.) Da mesma forma, as tendências da moda são rápidas e podem significar que você vai se livrar de itens antes de ter tempo suficiente para começar a construir uma conexão com eles.
Em Newcastle, Ruth Barrett continua usando seu cardigã. Depois de encontrar uma marca de supermercado que vende produtos semelhantes, ela também comprou um para o filho.
“Recentemente, derramei café no meu, mas consegui limpar”, diz ela. “Está ficando uma situação boba. Mas [coisas como essas são] quase como uma impressão digital. Em algum lugar onde estive para criar uma memória. Se necessário, eu poderia consertar um pouco. Não consigo me ver não vestindo essa peça.”
Fonte: BBC
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