- Author, Marina Sanches
- Role, Da BBC News Brasil em Washington D.C.
- Twitter, @mariana_sanches
A visita do assessor especial da Presidência, Celso Amorim, à Ucrânia deve reduzir a percepção de potências ocidentais de que o Brasil se aproximou demais da posição de China e Rússia em relação à guerra no país do Leste Europeu e perdeu condições de neutralidade para levar adiante seu plano de criar “um grupo da paz” capaz de negociar o fim do conflit, avaliam analistas e diplomatas estrangeiros ouvidos pela BBC News Brasil.
Amorim chegou na noite de terça-feira (9/5) e, segundo o Palácio do Planalto, fez o mesmo trajeto que o presidente americano, Joe Biden, e outros líderes globais até Kiev: desembarcou de avião na Polônia e seguiu de trem para dentro do território ucraniano.
Em Kiev, Amorim deve se encontrar com o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, para ouvir as posições do país sobre a guerra e apresentar as intenções do Brasil de contribuir para alguma solução que interrompa o conflito que já se arrasta por mais de um ano.
“O Celso Amorim foi conversar com [o presidente russo Vladimir] Putin, como meu emissário especial, e vai agora conversar com a Ucrânia. Aí a gente vai juntando essas conversas — é que nem palavra cruzada, vai juntando essas conversas e vamos ver quais são as palavras que permitem que as pessoas se sentem em torno de uma mesa. E para isso, tem que parar de atirar. Esse é o meu dilema”, afirmou o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em Brasília, na terça.
O timing da visita de Amorim é especialmente relevante para melhorar as condições de negociação de Lula, que chegará a Hiroshima, no Japão, no dia 19, para participar de reuniões com o G7 (grupo composto por Canadá, Estados Unidos, Japão, Itália, Alemanha, França e Reino Unido).
O Itamaraty nega que tenha havido coordenação entre a visita de Amorim a Kiev e a reunião de Lula com G7 e diz que a ida do assessor à Ucrânia foi condicionada apenas pela agenda das autoridades ucranianas.
Brian Winter, editor-chefe da publicação americana Americas Quartely, faz outra avaliação.
“Com certeza a visita é uma tentativa de recuar um pouco das declarações de Lula que soaram como linguajar russo e vai ajudar a melhorar o diálogo e o ambiente com o G7. Aliás, acho que tem mais chance de ser útil para o sucesso com o G7 e pra fazer andar outras pautas do Brasil, como meio ambiente e acordo comercial Mercosul e União Europeia, do que propriamente levar a algum processo de paz”, afirma Winter.
Ponte entre G7 e BRICS
Segundo auxiliares do presidente brasileiro, Lula tentará convencer os líderes do G7 que o Brasil é a ponte ideal para reabrir algum tipo de diálogo entre o grupo e os BRICS (bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul).
E também para restabelecer funcionalidade e governança ao G-20, grupo que reúne as 19 maiores economias do mundo mais a União Européia e que entrou em crise severa após a invasão da Ucrânia. O Brasil presidirá o G-20 a partir do ano que vem.
Esta é uma função que europeus e americanos já sinalizaram que gostariam de ver o Brasil desempenhar, segundo Oliver Stuenkel, professor de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Mas a relação entre o país e o G7 ficou estremecida depois de uma série de movimentos de Lula encaradas como parcialidade pró-Rússia e que geraram reações negativas dos Estados Unidos e da Europa.
Primeiro, o presidente brasileiro enviou Amorim para um encontro com Putin em Moscou. Depois, sugeriu que a Ucrânia deveria abrir mão de parte de seu território em prol da paz.
Na sequência, em visita à China, maior antagonista global dos americanos, Lula acusou os Estados Unidos de “promover a guerra”.
Dias mais tarde, recebeu em seu gabinete, em Brasília, o chanceler russo Sergey Lavrov. Na ocasião, Lavrov disse, sem ser corrigido pelo chanceler brasileiro, Mauro Vieria, que Brasil e Rússia compartilhavam entendimento semelhante sobre a guerra.
Ao mesmo tempo, os movimentos do governo brasileiro em direção aos ucranianos foram considerados insuficientes, segundo diplomatas americanos.
Vieira e o ministro de relações exteriores da Ucrânia, Dmytro Kuleba, se encontraram na Alemanha, em fevereiro, e Lula teve uma ligação de vídeo com Zelensky, mas os brasileiros não demonstraram por vários meses interesse em visitar a Ucrânia.
O G7 tem dado à Ucrânia ajuda financeira e militar desde que a Rússia invadiu o país.
Essa é a primeira ação bélica no continente desde a Segunda Guerra Mundial e que alguns enxergam como uma tentativa de redefinir fronteiras na região.
Para os americanos, a vitória de Putin representaria um trunfo de um governo autoritário sobre uma democracia – além de uma vitória de um inimigo histórico.
Tão logo o governo Lula começou, o primeiro-ministro alemão, Olaf Scholz, foi a Brasília tentar convencer o presidente brasileiro a vender munições à Alemanha que mais tarde seriam repassadas à Ucrânia.
Lula se recusou dizendo que alguém teria que estar completamente fora do conflito para poder negociar a paz.
As propostas de Lula para um clube da paz foram encaradas com ceticismo tanto pelo americano Joe Biden, quanto por Scholz e mesmo pelo presidente francês Emmanuel Macron.
Ao mesmo tempo, o Brasil foi o único país dos BRICS a repetidamente condenar a invasão russa à Ucrânia no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU).
Surpresa negativa
A sequência de derrapadas de Lula no tema foram uma “surpresa negativa” para americanos e europeus. Os Estados Unidos foram mais claros na reação.
“O Brasil está papagueando a propaganda russa e chinesa sem observar os fatos em absoluto”, disse a jornalistas o porta-voz do Conselho de Segurança Nacional dos Estados Unidos, John Kirby, sobre a acusação de Lula de que o país promovia a guerra.
Peter Stano, porta-voz principal para Assuntos Externos da União Europeia, rechaçou equivalências de Lula sobre a responsabilidade de Ucrânia e Rússia pela guerra.
“O fato número um é que a Rússia – e somente a Rússia – é responsável. Ela gerou provocações e agressões ilegítimas contra a Ucrânia. Não há questionamentos sobre quem é o agressor e quem é a vítima”, afirmou Stano.
E complementou: “‘Os Estados Unidos e a União Europeia trabalham juntos, como parceiros de uma ajuda internacional. Estamos ajudando a Ucrânia em exercícios para legítima defesa”.
No fim de abril, na visita de Lula a Portugal e Espanha, reservadamente, diplomatas europeus deixaram clara a insatisfação com o posicionamento do líder brasileiro, segundo diplomatas brasileiros com conhecimento das conversas.
Ainda em Portugal, Lula decidiu anunciar que mandaria Amorim a Kiev. Em Madri, calibrou o discurso público para deixar claro que não considerava Rússia e Ucrânia igualmente culpadas pela guerra.
Mas ainda não parecia o suficiente, como deixou claro a embaixadora dos Estados Unidos na ONU, Linda Thomas-Greenfield.
Na semana passada, horas antes de partir para uma visita em Brasília, a embaixadora americana afirmou à BBC News Brasil que “se o Brasil leva a sério a busca pela paz, tem que conversar com a Ucrânia”.
Embora o Itamaraty negue que houve coordenação para que a visita de Amorim à Ucrânia antecedesse a ida de Lula ao G7, o governo brasileiro sabe que a Ucrânia será um assunto obrigatório na agenda em Hiroshima.
A ida de Celso Amorim à Kiev melhora a posição diplomática do Brasil, relataram assessores de Lula, e o presidente pretende ainda ganhar a atenção de europeus e americanos para tentar ajudar a Argentina a negociar sua dívida com o Fundo Monetário Internacional (FMI).
“A visita do Celso Amorim a Kiev é fundamental para o Brasil se projetar como um ator minimamente neutro, sobretudo depois do mal estar gerado com o assunto recentemente”, afirma Stuenkel, da FGV.
“Eu perguntei a um diplomata europeu hoje sobre o quanto a visita melhorava a perceção sobre Lula. Ele disse ‘muito pouco, muito tarde’. Mas isso não é necessariamente representativo, porque não há no Ocidente, a meu ver, uma resistência estrutural ao Brasil assumir um papel mais relevante para o fim da guerra.”
Mesmo se Lula melhorar sua posição no tema, as expectativas são baixas de que uma mediação pela paz possa surtir efeito em breve.
Após o inverno europeu, russos e ucranianos se preparam pra contraofensivas e parecem apostar mais em uma vitória no campo de batalha do que em uma solução negociada.
Brian Winter, porém, questiona se qualquer movimento brasileiro junto aos ucranianos poderá surtir efeitos práticos mesmo no longo prazo.
“Os diplomatas europeus ficaram ainda mais irritados com as palavras de Lula do que os americanos. E, com todo o respeito a ele, Lula acabou perdendo a confiança de Kiev, vai ser difícil reconstruir.”
Você precisa fazer login para comentar.