- Garrison Lovely
- Especial para BBC News
Imagine que você é um cidadão americano típico em 1870 e vive em uma fazenda na zona rural.
Se você for homem, provavelmente começou na adolescência toda uma vida de trabalho manual que só terminará quando você estiver incapacitado ou morto. Se for mulher, você passará o mesmo tempo em trabalho doméstico intensivo. E, se for negro ou de qualquer outra minoria, sua vida é ainda mais difícil.
Seja como for, você está isolado do mundo, sem telefone, nem serviço postal. Quando a noite cai, você vive à luz de velas. Você usa um banheiro fora da casa.
Um dia, você dorme e acorda em 1940. A vida é totalmente diferente. Sua casa é “conectada” – você tem eletricidade, gás, telefone, água e esgoto. Você se maravilha com as novas formas de entretenimento, como o rádio, o fonógrafo e o cinema.
O edifício Empire State Building domina a paisagem de Nova York, rodeado por outras construções incrivelmente altas. Talvez você tenha um carro e, se não tiver, certamente conhece pessoas que têm um automóvel. Alguns dos mais ricos à sua volta até já voaram de avião.
Essas transformações surgiram graças a um “século especial” de crescimento econômico forte e incomum, entre 1870 e 1970. Elas foram documentadas no livro do economista americano Robert Gordon publicado em 2016, The Rise and Fall of American Growth (“Ascensão e queda do crescimento americano”, em tradução livre), e agora são detalhadas em um novo livro do filósofo britânico William MacAskill, a ser publicado com o título What We Owe the Future (“O que nós devemos ao futuro”, em tradução livre).
E essa história não se passou apenas nos Estados Unidos. As outras nações industrializadas sofreram vertiginosas transformações no início do século 20.
Explosão tecnológica
Na maior parte da história humana, o mundo progrediu a passos lentos — quando não se manteve estagnado.
Civilizações surgiram e caíram. Fortunas foram acumuladas e dilapidadas.
Quase todas as pessoas do mundo viviam no que chamamos hoje de pobreza extrema. Por milhares de anos, a riqueza mundial — ou pelo menos o que imaginamos que fosse essa riqueza — raramente mudava de mãos.
Mas, há cerca de 150 a 200 anos, tudo mudou. A economia mundial começou a crescer exponencialmente. A expectativa de vida global disparou de menos de 30 para mais de 70 anos. Os níveis de alfabetização, pobreza extrema, mortalidade infantil e até de altura das pessoas também melhoraram dramaticamente.
A história pode não ser totalmente positiva, nem os benefícios foram distribuídos igualmente, mas, em muitos setores, o crescimento econômico e os avanços da ciência e da tecnologia mudaram a forma de vida de bilhões de pessoas.
O que explica essa explosão súbita da riqueza relativa e do poderio tecnológico? O que acontece se esse progresso reduzir sua velocidade ou estagnar? E, se isso acontecer, existe algo que possamos fazer a respeito?
Essas são questões fundamentais do movimento intelectual e campo acadêmico nascente autointitulado “estudos do progresso”, que pretende dissecar as causas do progresso humano para que ele possa avançar melhor.
Fundada por um economista influente e um empresário bilionário, essa comunidade pretende definir o progresso em termos de avanço científico ou tecnológico e crescimento econômico — mas suas ideias e crenças têm seus críticos. No que acredita o movimento dos estudos do progresso e o que eles querem ver acontecer no futuro?
As ‘frutas dos galhos mais baixos’
Uma das formas de compreender o movimento dos estudos do progresso é entender seus medos.
Nos últimos anos, diversos pesquisadores e economistas levantaram preocupações de que a velocidade do progresso científico e tecnológico talvez esteja diminuindo, o que pode causar estagnação do crescimento econômico.
Para ilustrar esta situação de forma mais tangível, Gordon convida seus leitores a refletir sobre a velocidade do progresso desde meados e o final do século 20 até os anos 2020. Imagine que, depois daquela primeira soneca como o cidadão americano típico, você tirasse uma segunda soneca em 1940 e acordasse nos anos 2020.
Seu refrigerador agora tem um congelador e seu novo micro-ondas permite que você reaqueça suas sobras de comida. Você tem o ar-condicionado para se refrescar. É muito mais provável que você agora tenha um carro e dirigir é mais fácil e mais seguro. Você tem um computador, televisão e um smartphone.
São invenções impressionantes e algumas parecem ser frutos de magia. Mas, ao longo do tempo, você percebe que seus padrões de vida não se transformaram tanto quanto na época em que você acordou primeiro, em 1940.
Gordon afirma que as surpreendentes mudanças ocorridas nos Estados Unidos entre 1870 e 1970 foram construídas sobre inovações únicas e transformadoras. Por isso, os americanos não presenciarão níveis de crescimento similares em curto prazo — e talvez isso nunca volte a ocorrer.
A questão é que “não é o crescimento que está perdendo a velocidade, mas sim que ele foi muito rápido por muito tempo”, escreve o autor.
Para Gordon, essa perda de velocidade não é culpa de ninguém.
“O crescimento dos Estados Unidos perdeu a velocidade depois de 1970, não porque os inventores houvessem perdido seu incentivo ou não tinham mais novas ideias, mas porque os elementos básicos do padrão de vida moderno já haviam sido atingidos naquela época em muitos setores.”
Gordon se baseia nos temores que ficaram famosos no livro The Great Stagnation (“A grande estagnação”, em tradução livre), do economista Tyler Cowen, publicado em 2011.
Cowen apresenta o argumento similar de que os Estados Unidos comeram a maior parte das “frutas nos galhos mais baixos”, o que permitiu crescimento consistente da renda média norte-americana — e o país não pode mais esperar crescer como vinha fazendo.
Então todas as frutas nos galhos baixos já acabaram? Está ficando mais difícil encontrar “ideias”?
Uma equipe de economistas da Universidade de Stanford e do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em inglês), ambos nos Estados Unidos, apresentou exatamente essa questão em um estudo de 2020. E a conclusão foi que os esforços de pesquisa e desenvolvimento aumentaram significativamente, mas a produtividade por pesquisador diminuiu.
Em outras palavras, nosso tempo e dinheiro estão trazendo menos resultados. Muito menos. Em sua análise do estudo, MacAskill estima que dobrar os nossos avanços tecnológicos hoje exige quatro vezes mais esforços de pesquisa do que no passado. Por quê?
Parte da comunidade do progresso indica a burocracia de financiamento atrofiada, que consome quase a metade do tempo dos pesquisadores e cria incentivos perversos, como uma das causas. Isso pode explicar parte da queda, mas os autores do estudo descobriram que a produtividade das pesquisas nos Estados Unidos caiu mais de 40 vezes desde os anos 1930. Não seria plausível que o financiamento científico americano tivesse perdido tanta eficiência.
Por isso, os autores favorecem os argumentos de Gordon e Cowen sobre as frutas nos galhos mais baixos. Nós fizemos as descobertas fáceis e agora precisamos nos esforçar mais para atingir o que sobrou.
Para isso, basta comparar, por exemplo, as visões do físico Albert Einstein (1879-1955) quando era funcionário do escritório de patentes, ou as descobertas da física Marie Curie (1867-1934) no seu laboratório rudimentar, com os megaprojetos multibilionários de hoje em dia, como o Grande Colisor de Hádrons ou o Telescópio Espacial James Webb.
Nós compensamos parcialmente esse declínio da produtividade aumentando a parcela da população dedicada às pesquisas — mas isso, é claro, não pode durar para sempre. O crescimento da população mundial pode ajudar, mas espera-se que sua velocidade diminua e a população comece a diminuir antes do final do século.
Também é possível que a inteligência artificial (IA) possa ajudar a reverter esse declínio, ou até iniciar uma nova era de crescimento explosivo. Mas há pesquisadores que temem que a IA superinteligente possa trazer outros riscos que prejudiquem o progresso – ou possa até fazer pior.
Mas essa hipótese de estagnação não é universalmente aceita.
Ideias podem ser combinadas e recombinadas, criando uma explosão combinatória de novas inovações — um efeito que compensa o consumo das frutas nos galhos mais baixos. E também já se indicou que, se mudarmos a forma de medir a produtividade das pesquisas e seus benefícios, o quadro será muito mais favorável.
Ainda assim, o medo da estagnação é uma motivação central para muitas pessoas na comunidade do progresso. Ao contrário de Gordon, eles são otimistas sobre a capacidade de mudar a situação – o que nos leva à história de como foi criado o movimento dos estudos do progresso.
A origem dos estudos do progresso
Por volta de 2016, Tyler Cowen recebeu um e-mail inesperado do bilionário irlandês Patrick Collison, interessado no seu livro The Great Stagnation.
Alguns anos antes, Collison havia sido um dos fundadores da empresa de pagamentos online Stripe e agora queria discutir questões mais importantes. Os dois jantaram algumas vezes em São Francisco, nos Estados Unidos, e viraram amigos.
Cowen e Collison são “infóvoros” — eles se alimentam de informação. Collison postou toda a relação de livros da sua estante com cerca de 800 volumes no seu site pessoal (embora ele admita ter lido apenas cerca da metade). Já a prática de Cowen de esquadrinhar livros implacavelmente em busca do valor de informação que eles contêm e abandoná-los — às vezes, depois de cinco minutos — pode causar tremores nas pessoas que gostam de ler livros inteiros.
E a produção de informação de Cowen é quase tão prolífica quanto o seu consumo. O economista tem 60 anos de idade e já publicou cerca de 20 livros, 40 artigos, seis anos de colunas na agência de notícias financeira Bloomberg, mais de 150 episódios do seu podcast e cerca de 20 anos de postagens no seu blog sobre economia popular intitulado Marginal Revolution.
Durante a nossa conversa, a voz de Cowen já estava rouca com a maratona de entrevistas concedidas para promover seu livro mais recente. Em 2020, Cowen foi o 17° na lista dos 100 economistas mais influentes do mundo.
Enquanto isso, Collison — cerca de três décadas mais jovem e dono da quarta start-up privada mais valiosa do mundo — escreveu menos, mas ainda encontrou tempo para publicar coleções de links sobre temas como poluição do ar, cultura, crescimento, história do Vale do Silício e, é claro, o progresso.
A Stripe está avaliada em cerca de US$ 100 bilhões (cerca de R$ 540 bilhões), o que eleva o patrimônio líquido de Collison para mais de US$ 11 bilhões (cerca de R$ 60 bilhões). Sua empresa de pagamentos online combina a retórica solene de “mudar o mundo” das start-ups do Vale do Silício com o trabalho comum, mas competente, de uma companhia de infraestrutura.
Cowen conta que, durante suas reuniões com Collison, “estávamos os dois falando sobre ideias, descobrindo que tínhamos ideias em comum e, de alguma forma, surgiram as bases de um artigo”. Por isso, em 2019, eles escreveram um artigo que foi publicado na revista americana The Atlantic, defendendo “uma nova ciência do progresso”.
“Não existe um movimento intelectual amplo concentrado na compreensão da dinâmica do progresso, ou dirigido ao objetivo mais profundo de acelerá-lo. Acreditamos que ele merece um campo de estudo dedicado”, escreveram eles. “Sugerimos a criação da disciplina de ‘estudos do progresso’.”
O artigo gerou críticas. A professora Amy Pistone, especializada em estudos clássicos, afirmou pelo Twitter que era apenas mais um exemplo do Vale do Silício reinventando a roda (ou, neste caso, as ciências humanas). Já a historiadora Monica Black tuitou que eles ignoram os prejuízos do “progresso” — um termo subjetivo, o que faz com que ele reflita as tendências das pessoas que o adotam.
Os professores Shannon Dea e Ted McCormick — de filosofia e história, respectivamente — escreveram que “o ‘progresso’ é uma ação posicionada, muitas vezes com interesses, sobre os esforços humanos, não um bem natural ou uma dádiva divina. Ele necessita de avaliação crítica, não de zelo precipitado.”
Mas, entre o peso intelectual de Cowen e a ampla fortuna de Collison, os estudos do progresso ficaram suspensos. Eles acreditam que, ao contrário dos campos acadêmicos do passado, os estudos do progresso devem prescrever ações. Para eles, “está mais perto da medicina que da biologia: o objetivo é tratar, não apenas entender”.
No que acreditam os estudos do progresso
Desde que Cowen e Collison inauguraram este campo, outras pessoas detalharam como deveriam ser os estudos do progresso e seus princípios básicos.
Um dos mais influentes é o empresário Jason Crawford, que escreveu sobre o progresso anos antes da criação dos “estudos do progresso”. Seu blog, Roots of Progress, analisa exemplos do desenvolvimento científico e tecnológico, como por que o motor a combustão venceu o vapor. Ele também opina sobre questões como por que o estudo do progresso é um “imperativo moral” e por que as pessoas hoje são mais “inteligentes, ricas e livres” que os seus antepassados.
Crawford tentou sistematizar o que significam os estudos do progresso. Ele afirma que o movimento defende a existência de três premissas que são verdadeiras.
Primeiramente, que o progresso é real. Os padrões de vida materiais melhoraram enormemente nos últimos 200 anos e, seja qual for a razão, “alguma coisa obviamente funcionou muito bem”.
Segundo, que o bem derivado do progresso é definido em termos humanísticos: “que nos ajuda a ter vidas melhores: mais longas, saudáveis e felizes; vidas com mais opções e oportunidades; vidas nas quais podemos progredir e florescer”.
E, por fim, que as sociedades têm a capacidade de acelerar ou retardar o progresso: “o progresso contínuo é possível, mas não uma garantia”.
Quando descritas desta forma, as premissas dos estudos do progresso parecem tão amplas que quase tudo poderia enquadrar-se no seu extenso campo de atuação. Afinal, muitos movimentos afirmam ser a favor de melhorar o bem-estar humano.
Então, os estudos do progresso são contra ou a favor do quê, exatamente? Os estudos ainda estão no começo, mas já existem temas comuns que estão surgindo.
Meio ambiente, desigualdades e normas sociais
De um lado, os estudos do progresso não desejam um mundo onde os seres humanos vivam com mais harmonia com a natureza.
Para Crawford, “o humanismo diz que melhorar a vida humana exige alterar o meio ambiente e que a humanidade tem precedência moral sobre a natureza.”
Os estudos do progresso também não querem necessariamente um mundo com menos desigualdades. Eles preferem concentrar-se mais em fazer crescer o bolo, sem se preocupar com a forma em que ele é dividido.
Eles também não se preocupam muito com as normas sociais que dificultam a forma de progresso como eles o definem — mesmo o progresso compartilhado por todas as culturas. Na revista Works in Progress, por exemplo, a pesquisadora Aria Babu defendeu recentemente o uso de úteros artificiais para pôr fim ao pesado trabalho da gravidez.
Crawford e outros líderes da comunidade do progresso são cuidadosos ao incluir temas polêmicos como o avanço moral nas suas definições de progresso. Mas, na prática, as organizações e os escritores que compõem a comunidade concentram-se quase exclusivamente nos avanços materiais, como ampliar o crescimento econômico, melhorar e acelerar as pesquisas científicas e aumentar a oferta de residências (com novas normas de zoneamento) e a imigração (especialmente de pessoas altamente qualificadas).
A visão mundial da comunidade de progresso pode também ser deduzida não apenas por qual é o seu foco, mas também por onde ele está. Os estudos do progresso priorizam amplamente o crescimento na fronteira tecnológica em países ricos e democráticos como os Estados Unidos — e não a recuperação do crescimento, que enriquece os países pobres.
Isso aparentemente estaria em conflito com a preocupação do movimento com a estagnação do crescimento e do florescimento humano. Afinal, a maior parte das pessoas mais pobres do mundo vive em economias que estão parando de crescer.
Além disso, até o momento, o movimento praticamente não demonstrou curiosidade sobre o enorme crescimento econômico observado na China desde os anos 1980, que retirou 800 milhões de pessoas da pobreza — embora Cowen pessoalmente tenha definido como prioridade entender melhor o crescimento chinês.
O típico partidário do progresso — pelo menos, por enquanto — mora na região da baía de São Francisco, nos Estados Unidos, e provavelmente trabalha na área de tecnologia (o canal de encontro do progresso no aplicativo de mensagens Slack tem três vezes mais membros naquela região que em qualquer outra cidade). A influência de pessoas como o investidor Peter Thiel — que ficou famoso ao declarar que “queremos carros voadores e, em vez disso, conseguimos 140 caracteres” — é significativa nessas comunidades.
Por isso, talvez não seja surpreendente que a comunidade do progresso esteja mais empolgada em revolucionar a concessão de financiamento científico do que em pesquisar a literatura sobre o desenvolvimento da economia para saber por que alguns países seguem sendo pobres.
Crawford e Cowen (as duas principais figuras intelectuais da comunidade do progresso) vêm de tradições objetivista e libertária, respectivamente. Em um painel no Instituto Ayn Rand, Crawford descreveu os estudos do progresso como sendo próximos do objetivismo, o sistema filosófico detalhado pela filósofa Ayn Rand no século 20.
O objetivismo afirma que buscar a própria felicidade é o objetivo moral próprio da vida e defende o capitalismo sem intervenção estatal, entre outras coisas. Crawford também espera que os estudos do progresso gerem “debates políticos concebidos em termos de progresso e crescimento e não principal ou exclusivamente em termos de redistribuição”.
Tudo pelo PIB
Crawford e Cowen também têm uma visão específica sobre qual tipo de bem-estar eles pretendem incentivar com o progresso. Não é a felicidade — nem mesmo a medida mais consagrada de “satisfação na vida”. Sua principal prioridade é, isso sim, aumentar o “PIB per capita” (soma de bens e serviços dividido pela população).
O livro de Cowen Stubborn Attachments (“Conexões obstinadas”, em tradução livre), publicado em 2018, argumenta que o “crescimento econômico sustentável” deveria ser a estrela-guia da civilização mundial. Os estudiosos do progresso costumam salientar que o PIB per capita possui correlação positiva com todo tipo de coisas que consideramos desejáveis, como o consumo, o lazer, a longevidade e até o progresso moral.
O que essa conta não considera é que o PIB per capita, há muito tempo, é um objetivo dos governos. E, como os críticos costumam indicar, ele também está relacionado a mudanças menos desejáveis, como o aumento do uso de combustíveis fósseis e do consumo de carne.
E, além disso, embora o PIB per capita realmente esteja relacionado à felicidade em primeiro lugar, em todo o mundo e em cada país, os níveis médios de felicidade teimam em permanecer inalterados à medida que as nações ficam mais ricas.
Em resumo, os estudos do progresso desenvolvem uma estrutura e linguagem para o progresso que parece ser global e inclusiva, mas, na prática, é fundamentada em um conjunto específico de visões sociopolíticas do mundo. É uma única ideia de progresso e uma única ideia do significado do florescimento humano.
O progresso e os riscos existenciais
Outra crença fundamental da comunidade de progresso é que, quanto mais rápido o progresso tecnológico, melhor. E se isso não for verdade?
A humanidade sobreviveu a ameaças de extinção natural por centenas de milhares de anos e só ganhou o poder de, teoricamente, exterminar a nossa espécie com o Projeto Manhattan, que desenvolveu a primeira bomba atômica da história, em 1945. A destruição sem precedentes causada pela guerra que culminou com o lançamento da bomba destacou o lado negativo do progresso.
Holden Karnofsky, líder do trabalho desenvolvido pela fundação Open Philanthropy para melhorar o futuro distante, acredita que, no final das contas, a tecnologia melhorou a vida humana na história recente. Mas ele não acredita “necessariamente que isso se traduza para o futuro”.
Sua preocupação é que o desenvolvimento tecnológico acelerado possa aumentar o risco de catástrofes que extinguiriam ou arruinariam permanentemente a humanidade — os chamados riscos existenciais.
Fazendo referência aos indicadores de mortes violentas, Karnofsky afirma que “você poderá contar uma história em que, em vez de as coisas melhorarem, o que vemos é que grande parte do que já é ruim concentra-se em eventos raros, improváveis, mas imensamente ruins”. Pelas suas contas, o século 20 foi o terceiro mais sangrento dos últimos 2.500 anos.
Karnofsky deseja que a comunidade do progresso questione uma das suas premissas fundamentais. Para ele, é importante perguntar “nós queremos mais avanços científicos e tecnológicos? Que tipo [de avanços] nós queremos?”
Tentando chegar ao centro da discussão sobre o progresso e os riscos envolvidos, Crawford escreve: “minha opinião é que o progresso tecnológico é essencialmente bom, mas devemos acompanhar as consequências ruins e combater os riscos específicos”.
Comparando a humanidade com passageiros em uma viagem “dentro de um carro que trafega pela estrada do progresso”, Crawford afirma que os pesquisadores dos riscos existenciais acham que “o carro está fora de controle e precisamos pegar o volante de direção com mais firmeza”.
Ele prossegue: “não devemos acelerar até conseguir dirigir melhor e talvez precisemos até reduzir a velocidade para evitar acidentes”. Já os estudos do progresso “acreditam que já estamos diminuindo a velocidade e, por isso, querem prestar mais atenção na reaceleração”.
“É claro que provavelmente também precisemos melhorar a direção, mas isso é secundário”, afirma ele.
Ações e consequências
Essa diferença filosófica traz implicações práticas. Um exemplo é a biotecnologia, talvez a maior fonte de riscos existenciais no futuro próximo. Os avanços biotecnológicos, como a queda vertiginosa dos custos de síntese de DNA, podem fazer com que as doenças se tornem mais transmissíveis e mortais do que nunca.
Muitos estudiosos do progresso defendem a ampla aceleração das pesquisas biotecnológicas, a reforma dos modelos de financiamento e a liberação de restrições para os pesquisadores, visando as doenças que possam ser curadas com esses novos conhecimentos. Mas os frutos de acelerar o progresso neste campo podem também favorecer pessoas mal intencionadas ou aumentar o risco de acidentes catastróficos.
Estudos voltados aos riscos da biotecnologia, como os financiados pela Open Philanthropy, concentram-se em desenvolver primeiramente as capacidades defensivas, como testes que podem detectar novos patógenos ou melhores equipamentos de proteção individual.
Outro exemplo são as abordagens centradas no progresso para combater as mudanças climáticas, que são significativamente diferentes dos movimentos ambientalistas.
Crawford sugeriu que, com “algum tipo altamente avançado de nanotecnologia que essencialmente nos forneça capacidade de terraformação, as mudanças climáticas não seriam um problema. Nós simplesmente teríamos o controle do clima.” Mas ele não reconhece — a menos que seja contestado – que essa tecnologia pode aumentar os riscos, em vez de reduzi-los.
Esse intercâmbio revela algo importante sobre as intuições por trás de muitas das conclusões da comunidade do progresso: existe um viés empresarial para as ações.
Os possíveis benefícios de uma nova tecnologia sobrepõem-se às considerações sobre o que alguém mal intencionado poderá fazer com ela. O receio de perder uma oportunidade sobrepõe-se ao medo de perder tudo.
Crawford, de fato, discute a segurança como importante prioridade e parte central do progresso. Mas, por fim, ele reconhece que os pensamentos sobre segurança e riscos são periféricos aos estudos do progresso e não incorporados ao seu DNA.
O futuro dos estudos do progresso
No seu manifesto na revista The Atlantic, Tyler Cowen e Patrick Collison fazem uma referência sutil à famosa frase de Karl Marx: “os filósofos apenas interpretaram o mundo de diferentes maneiras; o que importa, porém, é transformá-lo”.
Isso indica que, apesar do nome do novo campo, eles não estão satisfeitos em apenas estudar o progresso. Eles querem ações. Cowen chega a afirmar que Marx era “obcecado pelos estudos do progresso”.
Em fevereiro de 2022, Jason Crawford descreveu sua visão de um progresso dinâmico em movimento para os próximos 10 anos. Ele espera, por exemplo, o reconhecimento acadêmico dos estudos do progresso como um campo interdisciplinar valioso e uma disciplina de estudos do progresso em todas as escolas secundárias do planeta.
Crawford considera os estudos do progresso muito mais que um movimento político: “acho que precisamos de mudanças em nível filosófico, muito mais profundo”.
Por fim, a comunidade do progresso quer que seus seguidores acreditem que podem fazer melhor.
Diversas fontes parafrasearam o slogan “um mundo melhor é possível” nas nossas discussões. A visão desse mundo é animadora para Crawford.
“Quero que a humanidade ganhe novamente sua autoestima e ambição, para atingir as estrelas, literal e figurativamente. Quero nos ver sonhando com carros voadores, energia de fusão, fabricação de nanotecnologia, terraformação de planetas e exploração da galáxia. Por isso, não é apenas questão de política, mas das atitudes fundamentais das pessoas com relação à humanidade e ao nosso lugar na natureza.”
Se você dormir por mais 70 anos, será que o mundo de Crawford poderá estar esperando por você? Você estaria vivendo uma vida mais rica e feliz?
Talvez sim. Mas considerar essa visão como sendo ou não um progresso provavelmente dependerá da sua própria definição do que é o progresso na realidade.
* Garrison Lovely é jornalista freelancer e apresentador do podcast The Most Interesting People I Know (“As pessoas mais interessantes que conheço”, em tradução livre). Sua conta no Twitter é @garrisonlovely.
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