- James Gallagher
- Correspondente de saúde e ciência, BBC News
A poliomielite foi durante o século 20 uma das doenças infantis mais temidas. Ela pode atacar o sistema nervoso e, em poucas horas, deixar alguém paralisado.
Quando paralisa os músculos do peito, a pessoa não consegue respirar. Assim, o pulmão de ferro semelhante a um sarcófago já foi uma visão comum nas enfermarias de pólio.
Tudo isso parece coisa do passado — e há boas razões para termos essa impressão. A doença quase foi varrida da face da Terra.
No Brasil, o último caso de poliomielite foi observado na cidade de Sousa, na Paraíba, em 1989. A doença é considerada oficialmente eliminada do território nacional há 27 anos, desde 1994.
No entanto, os Estados Unidos registraram neste ano seu primeiro caso de pólio desde 2013, que deixou paralisado um jovem adulto não vacinado.
Em Londres, cerca de 1 milhão de crianças receberão uma dose extra da vacina contra a poliomielite, após a descoberta de poliovírus no esgoto da capital britânica.
No Brasil, a taxa de imunizados contra a pólio caiu consideravelmente de 2015 para cá.
Desde que foram desenvolvidas, no início da década de 1950, as vacinas contra a pólio mudaram completamente a trajetória da doença.
Sem elas, 20 milhões de pessoas que hoje podem andar estariam paralisadas, estima a OMS (Organização Mundial da Saúde).
A doença passou de um fenômeno global na década de 1980, para um problema restrito a apenas alguns países. E isso inclui o notável triunfo de a África ter sido declarada livre da pólio em 2020.
Embora o Afeganistão e o Paquistão sejam os únicos países onde a poliomielite ainda é considerada endêmica, a doença continua sendo uma ameaça para o resto do mundo.
Isso porque, primeiramente, a circulação da doença nesses dois países pode originar surtos em outros lugares.
O primeiro caso de pólio selvagem na África em mais de cinco anos foi relatado em uma menina de 3 anos no Malawi.
Foi a mesma variante encontrada no Paquistão — embora ninguém tenha certeza de como ela viajou de um país a outro.
Em fevereiro, o Malawi declarou um surto de poliomielite selvagem.
Em segundo lugar, a vacina usada tanto em países endêmicos quanto para lidar com surtos pode criar um problema — é isso que está afetando o Reino Unido e outros países atualmente.
A vacina mais potente contra a poliomielite usa gotas orais de uma forma enfraquecida, mas ainda viva, do poliovírus.
É uma solução barata, fácil de administrar e que produz uma excelente imunidade, o que a torna ideal para responder a surtos.
No entanto, ela age causando uma infecção no estômago — por isso é liberada nas fezes das pessoas vacinadas. Isso pode espalhar o poliovírus para outras pessoas.
Em alguma medida, isso é vantajoso, pois imuniza indiretamente outras pessoas. Isso é conhecido como pólio por derivado vacinal.
Mas, ao passar de uma pessoa para outra, o vírus pode sofrer mutações e até causar paralisia novamente.
Esgotos de Londres
A vacina oral teve um enorme sucesso. Mas essa capacidade do poliovírus de mutar para sua forma mais perigosa é o motivo pelo qual os países buscam migrar para a injeção de vírus inativao (ou seja, morto) assim que erradicam a pólio.
O Reino Unido usa essas injeções desde 2004. Assim, o que agora está aparecendo nos esgotos de Londres é o vírus que veio do uso da vacina oral em outras partes do mundo.
Algumas das amostras revelam sinais de recuperação da capacidade de causar paralisia — e a análise genética sugere que o vírus está se espalhando.
Esse mesmo fenômeno também está relacionado a amostras de pólio encontradas em esgotos nos EUA e em Israel.
Baixas taxas de vacinação
Para os totalmente vacinados, os riscos são insignificantes.
Para os não vacinados, no entanto, o risco de paralisia está entre 1 em 100 e 1 em 1.000, dependendo da idade.
Devido à baixa taxa de vacinação, o Brasil é um dos oito países sul-americanos que apresentam alto risco de volta da poliomielite, segundo relatório divulgado pela Opas (Organização Pan-Americana de Saúde) em 2021.
A vacina contra a poliomielite é indicada para todas as crianças brasileiras num esquema de cinco doses. As três primeiras são feitas com o imunizante injetável e devem ser aplicadas aos dois, aos quatro e aos seis meses de vida. Depois, os dois reforços (geralmente feitos com as gotinhas) são dados entre os 15 e os 18 meses e aos 5 anos de idade.
Nos últimos anos, porém, a cobertura vacinal tem deixado a desejar. Segundo os dados do próprio Ministério da Saúde, a taxa de imunizados contra a pólio caiu consideravelmente de 2015 para cá.
Há seis anos, 98,2% do público-alvo recebeu as doses. Em 2016, essa taxa caiu para 84,4% e se manteve nesse patamar até 2019. Em 2021, a imunização contra a doença foi de apenas 67,1%.
A faixa de cobertura vacinal recomendada para a poliomielite, de acordo com a Fiocruz, é de 80%.
A pólio parece uma doença do passado — mas o vírus encontrado nos esgotos de Londres, o caso de paralisia nos EUA e os baixos índices de vacinação no Brasil são um alerta para cada um de nós e para nossos governos de que não podemos ser complacentes com a pólio.
O progresso que fizemos pode ser desfeito.
Os desenvolvimentos científicos podem fazer a diferença — uma nova versão mais estável da vacina oral tem menos probabilidade de voltar a causar paralisia, por exemplo.
Mas, a pólio também precisa ser combatida nos dois países endêmicos restantes — caso contrário, a ameaça de surtos sempre estará presente.
E esse é um desafio que não envolve apenas ciência ou dinheiro, mas também questões políticas e sociais.
Os EUA foram criticados por prejudicar os esforços para derrotar a pólio quando usaram um falso programa de vacinas para tentar encontrar o ex-líder da Al-Qaeda Osama Bin Laden.
Estamos muito perto de erradicar a pólio — mas estamos nesse ponto há muito tempo.
A doença hoje é uma ameaça contida — mas não será extinta até que seja erradicada em todos os lugares.
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