• Helen Bushby
  • Repórter de Artes e Entretenimento da BBC News

Crédito, Chris McGlade

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Pai de Chris McGlade, Terry, foi assassinado dentro de casa por um amigo que havia acolhido

A comédia muitas vezes é vista como uma forma útil de lidar com temas difíceis, mas Chris McGlade foi além com seu stand-up Forgiveness (“Perdão”) sobre o assassinato do seu pai, em 2011.

O pai de McGlade, Terry, foi assassinado aos 77 anos dentro de casa por um amigo que havia recebido para morar com ele.

“Lembro quando a polícia veio e disse que meu pai havia sido estrangulado até a morte e queimado”, afirma o comediante de sua casa em Redcar, no norte da Inglaterra. “Fiquei em choque porque achei que ele havia morrido queimado.”

O homem que assassinou Terry foi condenado à prisão perpétua.

“O assassino era alcoólatra e sem-teto”, relembra McGlade. “Ele trabalhava entregando pizzas e perdeu o emprego. Foi assim que acabou morando com meu pai, porque queria um lugar para ficar e meu pai o acolheu.”

Terry não deu álcool ao homem, nem as chaves do carro. E isso acabou resultando na sua morte.

Crédito, Chris McGlade

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Tempos felizes: Chris e Terry McGlade

Muitas pessoas na mesma situação de Chris McGlade sentiriam apenas ódio do assassino do seu pai, mas ele seguiu um caminho diferente.

“É algo muito pessoal”, diz ele. “Quando soubemos que meu pai havia sido assassinado, meu perdão foi algo mais ou menos instintivo. Para algumas pessoas, leva um tempo. Para outras, é instantâneo. E existem ainda aqueles que não conseguem (perdoar).”

Ele se lembra de conversar em casa com os policiais que compartilharam a notícia. “Eu disse ‘bem, não sei o que fazer agora'”, relembra McGlade. “E o detetive respondeu ‘como assim, você não sabe o que fazer?'”

“Eu disse ‘bem, não sei se vou enterrá-lo ou cremá-lo — porque isso é importante, você sabe. Sempre dizem que, se você cremar seus entes queridos, você deve espalhar as cinzas em algum lugar aonde eles gostavam de ir — e eu não acho que os funcionários do balcão do açougue do supermercado ficariam muito felizes.'”

Crédito, Chris McGlade

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Chris McGlade com pai e cachorro

McGlade estava “rindo na frente dos policiais, entre as lágrimas, uma coisa estranha”, lembra ele.

“Minha esposa disse ‘ele é assim, mesmo’ e ela estava certa. Era o meu jeito — mas era também o jeito da minha família e o jeito do meu pai.”

A família de McGlade sempre teve um “senso de humor muito irreverente”, segundo ele, e “se você não rir, sua reação será chorar. Foi assim que fui criado.”

E, no exato momento em que riu, optou pelo perdão.

“Podia sentir meu pai à minha volta”, afirma McGlade. “Apenas sentia. Estava simplesmente certo. Havia um fluxo simples em tudo.”

“A raiva havia ameaçado me dominar. [Mas] em todo aquele riso e aquela luz, consegui erguer-me acima da raiva que estava batendo nos meus calcanhares”, explica. “Senti que o certo era superar aquela força, aquela raiva que estava tentando me puxar para baixo. Não queria ser aquele tipo de pessoa amarga ou ressentida.”

Mas McGlade ficou, na verdade, profundamente abalado com a perda. Sete anos depois, enquanto se apresentava para um público lotado na adega de um pequeno espaço no Festival de Edimburgo, na Escócia, ele teve um ataque de pânico, correu do palco, se isolou e escreveu um poema, chamado Blood Beneath Your Nails (“Sangue sob suas unhas”, em tradução livre), sobre a evidência que ajudou a provar que seu pai havia sido assassinado.

“Era sobre o julgamento do meu pai, no tribunal”, conta.

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Chris McGlade orgulha-se de reunir diversos grupos de pessoas no seu show

No dia seguinte, McGlade decidiu escrever o roteiro de um show sobre o assassinato, como forma de processá-lo.

No começo, ele diz não ter certeza de como poderia fazer comédia com um tema tão perturbador. Mas, por ter começado a apresentar-se em clubes de trabalhadores por vezes violentos, ele tinha experiência suficiente para servir como base. Por isso, decidiu tentar transformar parte desse “humor do clube de trabalhadores” em uma “comédia de classe média, de homens que pensam, provocadora”.

O show também fala da infância de Chris McGlade no nordeste da Inglaterra. “É uma história bem da classe operária e defende a vida dessa classe”, segundo ele.

Engasgando de emoção

O espetáculo recebeu críticas positivas.

O jornal escocês The Scotsman chamou Forgiveness de “uma experiência única”, com “boas gargalhadas no estilo antigo”, enquanto The Telegraph declarou que era “um dos momentos mais agradáveis e inspiradores do Fringe [o Festival de Edimburgo]”.

E um dos momentos de maior orgulho para McGlade aconteceu no início de 2020: a apresentação do seu show no Teatro Soho, uma vitrine para novos talentos, “um dos teatros mais inovadores de Londres”, diz ele.

O teatro descreveu o show como uma “tentativa [de McGlade] de enterrar os fantasmas que o assombravam”. E ele sorri com orgulho, emocionando-se enquanto relembra a audiência de “pessoas negras, brancas, asiáticas, idosas, jovens, homens, mulheres, de classe média e da classe operária” — um legado que teria deixado seu pai orgulhoso.

Discriminação

Outro dos poemas de McGlade, The Right to Hate (“O direito de odiar”, em tradução livre), diz:

“Não deduza naturalmente que sou grosso e racista por que sou da classe operária do norte. Não sou assim. Sou articulado, perspicaz e inteligente.”

“As pessoas da classe operária sofrem terrível discriminação”, afirma ele. “E agora sinto vontade de chorar, porque esta é a divisão de que ninguém quer falar neste país. Falem sobre racismo, gênero e a divisão é… colocar um contra o outro.”

“Toda essa questão do Brexit (saída do Reino Unido da União Europeia) realmente demonstrou a discriminação contra as pessoas da classe operária… porque elas não se comportaram da forma que a cultura progressista da classe média esperava”, segundo McGlade.

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“Forgiveness” está novamente em cartaz este ano no Festival de Edimburgo, na Escócia

O Teatro Soho pediu a McGlade que retirasse alguns “insultos raciais” de Forgiveness, que, segundo ele, eram “gíria da classe operária e não foram usados com malícia”. E, embora ele tenha concordado com isso, uma referência “antissemita” no seu poema fez com que o espetáculo não voltasse à programação do teatro depois do confinamento.

McGlade conta que foi uma “jornada de descoberta”. Depois de uma apresentação, dois membros do Movimento de Defesa Israelita disseram a ele: “você nos fez ver que as pessoas podem dizer coisas antissemitas sem que sejam antissemitas. Podem dizê-las por falta de informação.”

“Então chorei e abracei aqueles dois e eles também me abraçaram”, relembra McGlade.

Ele acrescenta que conseguiu encontrar uma forma diferente de “dizer o que eu queria dizer no show, enquanto zoava o fato de ser censurado”.

Forgiveness está novamente em cartaz, viajando pelo Reino Unido.

‘Adoro a aceitação’

Chris McGlade considera toda a sua vida um processo de aprendizado e essa experiência é parte desse processo.

“Espero aprender algo de novo no meu leito de morte”, afirma ele. “Se estiver crescendo, evoluindo e ficando melhor todo o tempo, isso quer dizer que a minha vida — no dia em que eu bater as botas — serviu para alguma coisa.”

Ele vai continuar fazendo comédia: “adoro — adoro a aceitação, porque adoro ver as pessoas rindo.”

“Sofri bullying durante toda minha infância”, diz McGlade. “E, sempre que consigo uma risada, aquele garoto que costumava levar uma bofetada no rosto leva um tapinha nas costas. E é isso que me faz seguir adiante.”

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