- Ruth Lazkoz
- The Conversation*
Café ou chá? Beatles ou Rolling Stones? Estamos condenados a discordar, até mesmo em algo tão sério quanto a cosmologia.
No momento, estamos testemunhando uma forte disputa entre as previsões de duas grandes escolas sobre a taxa de expansão do universo.
Novas medições indicam que ele está se expandindo muito mais rápido do que o esperado. Mas o que está acontecendo?
O cosmos está pregando uma peça na gente? Se não bastasse nos assustar com o fato de estar se expandindo, alguns dados que ele nos oferece sugerem uma taxa de expansão diferente de outras.
Para piorar, as estatísticas endossam uma divergência acentuada e a transformam em um problema sério. Para adiantar, esclareço que esses valores discrepantes são os fornecidos pelos observatórios Planck e Hubble.
Para início de conversa, o que o Telescópio Espacial Hubble mede?
Podemos lembrar o que sentimos ao acender uma fogueira. Muito perto, quase queima, mas ao nos afastar sentimos um alívio. Isso oferece uma vaga ideia de como medir as distâncias das estrelas.
Basicamente, teríamos que identificar duas estrelas com as mesmas características físicas e comparar a luz que chega delas até nós. E como isso se relaciona com a expansão do Universo?
A expansão do Universo e a massa de panetone
Vamos imaginar a massa crua de um panetone, que contém passas separadas entre si (pelo menos na minha versão favorita).
O calor do forno faz a massa crescer, forçando as passas a se separarem umas das outras (e todas de todas).
Mas, atenção, o tamanho delas não muda. Agora só falta pensar que o panetone é espaço-tempo, e as passas são as galáxias.
À medida que nosso “panetoneverso” (ou universo representado por um panetone) se expande, as passas não se movem de sua posição inicial na massa. O que muda são as distâncias relativas entre umas passas e outras.
Dividindo a dilatação pelo tempo de cozimento, obtemos a velocidade de nossas passas, perdão, quero dizer galáxias (piscadela).
Agora, como medimos em cosmologia o quão rápido uma estrela está se afastando de nós?
Vamos recorrer a uma versão sofisticada do efeito Doppler: assim como uma sirene de polícia que soa mais grave à medida que se afasta, a luz das estrelas fica um pouco mais vermelha à medida que se distancia.
Quase cem anos atrás, Edwin Hubble surpreendeu o mundo ao mostrar que quanto mais longe uma estrela está, mais rápido ela se afasta.
Disto se conclui, nada mais, nada menos, que o Universo se encontra em expansão.
A distância está ligada à velocidade de afastamento por meio da chamada (como não) constante de Hubble.
De acordo com a estimativa recente de seu valor pela equipe liderada pelo ganhador do Prêmio Nobel Adam Riess, uma estrela que está a 1 megaparsec de distância se afasta a 73 km/s, e uma estrela duas vezes mais distante se afasta a 146 km/s. (um ano-luz é para um parsec o que um pé é para um metro).
Ou seja, olhando mais profundamente no Universo, vemos a taxa de expansão aumentar com o tempo. É por isso que a expansão é também acelerada.
Os arco-íris que as estrelas produzem
O Hubble baseou seu trabalho na espectroscopia: uma leitura detalhada dos arco-íris produzidos pelas estrelas.
São uma série de faixas de diferentes cores e larguras próprias de cada estrela (suas impressões digitais), que em comparação indicam desvios para o vermelho, ou seja, uma diminuição na frequência da luz do objeto ao se mover a uma velocidade maior.
Este pioneiro e seus sucessores deviam conhecer as distâncias das estrelas utilizadas. Mas, em geral, medir distâncias em astronomia é um trabalho árduo.
É muito difícil obter dados diretos, sendo habitual recorrer a modelos físicos, geralmente construídos com base em variações de luminosidade. Assim, se obtém a escada de distâncias cósmica.
Esta é uma concatenação de métodos que atribui distâncias para objetos distantes com base em objetos intermediários, apoiadas, por sua vez, nas de objetos próximos.
Planck faz repensar as ‘certezas’ sobre a expansão do Universo
Em linhas gerais, foi assim que a equipe de Riess obteve, usando o telescópio Hubble, de maneira muito precisa, o valor atual da constante homônima, com base especificamente em três degraus de estrelas próximas.
Mas este valor não é compatível estatisticamente com o obtido pela colaboração do Planck: 67 km/s/Mpc.
Este experimento com seus dados sofisticados fala de alterações muito pequenas na radiação cósmica de fundo em micro-ondas impressas bilhões de anos atrás.
E por meio delas nos informa as proporções e a natureza dos distintos ingredientes da sopa cósmica, aquela com a qual nosso Universo foi se alimentando em diferentes etapas.
Na verdade, neste campo, se recorre às equações de Einstein para ver como o antes influenciou o agora. Ou seja, reconstruímos a jornada dessa radiação através de bilhões de anos.
E neste quebra-cabeça, um pequeno erro em um lugar se propaga para outro, como o famoso efeito borboleta.
Por esse motivo, é preciso tratar com cautela a estimativa do valor da expansão que se obtém a partir desses dados.
A nível teórico, há muitos de nós que quebram a cabeça brincando com as equações dessa teoria a que acabei de me referir, o que nos coloca de volta em contato com a ideia de que temos que conhecer a composição do Universo para estimar certo o valor da constante de Hubble hoje.
O efeito da energia e da matéria escura
Os principais ingredientes desta sopa que descreve nosso universo são a matéria e energia escura, ricas em substâncias que o fizeram crescer como uma menina ou um menino.
E qualquer nutricionista nos dirá que a escassez ou má qualidade da alimentação prejudica esse desenvolvimento.
Pode-se assim entender que as variações nas quantidades de energia e matéria escura no Universo determinaram a separação entre suas galáxias em diferentes momentos.
E isso, vale lembrar, nos permite estimar como nossa criatura foi mudando de tamanho à medida que crescia.
É claro que a credibilidade dos grupos de pesquisa mais distintos em cosmologia está fora de questão. É um duelo de titãs.
Tomar partido do Planck ou do Hubble é como escolher entre Lionel Messi e Cristiano Ronaldo. Ambos têm muita luz e também algumas sombras.
Estrelas gigantes vermelhas fornecem dado intermediário
Mas se já estão surgindo novas figuras no futebol para pegar o bastão, também encontramos outras opções com grande potencial na cosmologia. Neste caso, a alternativa é conciliadora.
Um estudo recente usando estrelas gigantes vermelhas fica entre os dois concorrentes, sugerindo 69,6 km/s/Mpc. E embora a precisão da medição caia um pouco, há espaço para melhorias, uma vez que a física dessas estrelas ainda requer desenvolvimento.
Talvez haja erros sistemáticos no tratamento numérico, talvez haja física inexplorada, talvez algumas das abordagens teóricas feitas sejam um tanto grosseiras.
Há também quem use tipos completamente diferentes de estudos astrofísicos, por exemplo, lentes gravitacionais, para acabar oferecendo suporte para um lado ou outro.
Talvez o telescópio James Webb ajude a encerrar este debate, mas enquanto estiver aberto, será uma alegria acompanhá-lo ao vivo — e ainda melhor se tivermos um balde de pipoca e um bom sofá.
Ruth Lazkoz é professora de física teórica da Universidade do País Basco / Euskal Herriko Unibertsitatea, na Espanha.
Este artigo foi publicado originalmente no site de notícias acadêmicas The Conversation e republicado aqui sob uma licença Creative Commons. Leia aqui a versão original (em espanhol).
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