- Megan Carnegie
- BBC Worklife
Na era da pandemia, a saúde mental de muitos de nós ficou prejudicada.
Vários fatores importantes de estresse surgiram rapidamente, um depois do outro, sem que conseguíssemos nos recuperar completamente.
Primeiro, um vírus mortal e uma convulsão econômica que gerou perda de trabalho e renda. Depois, vieram o isolamento prolongado, o luto crescente, limitações de acesso a serviços de saúde mental e eventos sociopolíticos assustadores que trouxeram inúmeras pressões.
Em toda parte, as pessoas sofreram aumento dos níveis de medo e ansiedade.
Os efeitos são avassaladores. Em uma pesquisa realizada em sete países, publicada pelo Comitê Internacional da Cruz Vermelha em outubro de 2020, 51% dos participantes afirmaram que a pandemia prejudicou sua saúde mental.
Números coletados pelo Escritório do Censo dos Estados Unidos e publicados em abril de 2021 demonstraram que o número de adultos com sintomas recentes de ansiedade ou distúrbios depressivos aumentou de 36% em agosto de 2020 para 42% em fevereiro de 2021.
Os pesquisadores ainda estão compilando dados sobre os impactos à saúde mental causados pela pandemia, enquanto as incertezas e as consequências da covid-19 continuam a afetar nossas vidas diárias.
Muitos empregadores reconheceram a gravidade da tendência e reagiram voluntariamente a esta questão. Algumas empresas aumentaram a oferta de benefícios relativos ao bem-estar psicológico e ampliaram as opções de programas de assistência aos funcionários, oferecendo acesso a serviços gratuitos de atendimento a condições de saúde mental e abuso de substâncias.
Muitas empresas também implementaram medidas preventivas, como aumento das férias ou treinamento dos funcionários.
Para alguns profissionais, as discussões sobre problemas de saúde mental tornaram-se mais comuns nos escritórios.
Entre os trabalhadores britânicos, 32% sentem-se mais confortáveis para falar sobre sua saúde mental no ambiente de trabalho desde o início da pandemia, em comparação com 14% em meados de 2019, segundo a organização Mental Health First Aid England, com sede em Londres.
Os Estados Unidos vivem uma história similar. A Associação Norte-Americana de Psiquiatria concluiu que 51% dos trabalhadores se sentiam confortáveis para falar abertamente sobre saúde mental com seus supervisores ou colegas de trabalho em abril de 2019. E esse índice aumentou para 65% em setembro de 2019, o que indica progressos sem precedentes em uma época também sem precedentes.
Mas os problemas de saúde mental permanecem estigmatizados em quase todas as esferas da vida.
Será que esse aumento do reconhecimento, apoio e abertura dos empregadores, combinado com a disposição dos profissionais para manifestar-se, realmente reduziu os julgamentos sobre as dificuldades de saúde mental no ambiente de trabalho? Ou alguns preconceitos são arraigados demais para serem desfeitos, mesmo depois de um trauma global coletivo como a covid-19?
Em muitos casos, as empresas reagiram rapidamente aos problemas de saúde mental dos funcionários com relação à pandemia, introduzindo ou ampliando suas medidas de assistência.
Dados de abril de 2020 indicam que, entre as empresas norte-americanas que já ofereciam programas de assistência aos funcionários, 25% expandiram sua cobertura para incluir serviços como aconselhamento psicológico em caso de luto e 57% ampliaram sua comunicação para garantir que os funcionários soubessem qual tipo de suporte eles tinham à disposição.
Outras empresas introduziram diferentes tipos de apoio. Em 2021, mais empresas norte-americanas ofereceram licenças remuneradas adicionais (aumento de 55%), dias de saúde mental (aumento de 41%) e treinamento sobre saúde mental para executivos ou funcionários (aumento de 33%) em comparação com 2019, segundo a organização sem fins lucrativos Mind Share Partners, que oferece treinamento e estratégias de saúde mental para empresas globais.
Embora estes serviços sejam agora mais produtivos e cada vez mais solicitados pelos funcionários, ainda não está claro se os profissionais realmente os estão utilizando com frequência.
Existem dados que demonstram que pouco mais de 10% dos trabalhadores britânicos usaram seus programas de assistência em 2021. É um salto de vários pontos percentuais sobre o ano anterior, mas insuficiente para atender à parcela das pessoas que enfrentam problemas de saúde mental.
Especialistas indicam que é possível que a falta de adesão aos programas esteja relacionada ao medo de ser estigmatizado no trabalho, se os empregadores souberem quem está fazendo uso desses benefícios.
Os funcionários receiam que esses serviços não sejam totalmente confidenciais, segundo Kelly Greenwood, fundadora e CEO (diretora-executiva) da Mind Share Partners, que tem sede nos Estados Unidos.
Pesquisas demonstraram há muito tempo que os profissionais relutam em usar os serviços psicológicos oferecidos se acreditarem que esses serviços podem prejudicar futuras oportunidades de carreira.
“Muitos chefes e funcionários acreditam que sofrer problemas de saúde mental e ter desempenho satisfatório no trabalho são coisas conflitantes – ou seja, se você tiver problemas de saúde mental, não pode ser bem sucedido”, afirma Greenwood. E os retratos nos meios de comunicação que mostram problemas de saúde mental incapacitando constantemente os profissionais também não ajudam.
Estes estigmas podem prejudicar particularmente grupos específicos de pessoas.
“Grupos historicamente sub-representados já enfrentam muitas barreiras sistêmicas no ambiente de trabalho e podem não querer sofrer ainda mais diferenças de tratamento por dizerem que têm um problema de saúde mental”, segundo Greenwood.
O relatório da Mind Share Partners de 2021 demonstrou que profissionais negros, latinos e da comunidade LGBTQIA têm mais possibilidade de perder uma função, ao menos parcialmente, por motivos de saúde mental. Já asiático-americanos e pessoas originárias da Oceania responderam que se sentem menos confortáveis para falar sobre saúde mental no trabalho.
Os homens também enfrentam com mais frequência seus próprios estigmas internalizados.
“Nós não costumamos falar sobre os homens como grupo marginalizado e, certamente, eles não são [discriminados] de muitas formas”, explica Greenwood. “Mas, quando o assunto é a estigmatização da saúde mental, existem muitas normas antigas sobre a masculinidade e isso prejudica a capacidade de exibir ou discutir suas emoções. Por isso, vemos muito mais homens relutando em falar sobre suas próprias dificuldades.”
Portanto, os homens enfrentam um duplo desafio: eles sofrem seus próprios preconceitos sobre o que é “coisa de homem” e os preconceitos das pessoas à sua volta.
E, por fim, profissionais de todas as espécies preocupam-se com o julgamento no ambiente de trabalho. Em uma pesquisa da empresa de consultoria norte-americana McKinsey & Company, mais da metade dos participantes tinha medo da estigmatização se os colegas descobrissem seus problemas de saúde mental.
Dados similares de junho de 2022, da empresa de recursos humanos LifeWorks, demonstraram que 91% dos britânicos, 92% dos norte-americanos e 90% dos australianos acreditam que pessoas com problemas de saúde mental são tratadas de forma diferente – e sabe-se que este é um fator que desestimula os indivíduos a buscar apoio e tratamento no local de trabalho.
Combatendo o estigma
Existem indicações de um movimento positivo e dados demonstram que a estigmatização da saúde mental pode estar diminuindo.
No estudo de 2021 da Mind Share Partners, 58% dos participantes manifestaram disposição de contratar ou trabalhar com alguém que tivesse um problema de saúde mental – em 2019, eram 46%.
Paula Allen, líder global e vice-presidente de pesquisa e bem-estar total da empresa canadense de recursos humanos e tecnologia LifeWorks, acredita que uma das melhores consequências da pandemia foi que ninguém pôde ignorar suas próprias vulnerabilidades e as das pessoas à sua volta.
“Tivemos um pouco mais de empatia no começo”, segundo ela. “Mas ela não se manteve totalmente – e a empatia sozinha não é suficiente para desfazer este tipo de estigma.”
Allen explica que a estigmatização da saúde mental é muito difícil de ser desfeita, em parte, devido à falta de compreensão geral da questão. “Como o conhecimento sobre o modo de funcionamento do cérebro ainda é pequeno, mantemos certas premissas sobre a saúde mental que se mostram mais significativas no trabalho”, explica ela.
As normas de comportamento que ensinam às pessoas afetadas por problemas de saúde mental a seguir adiante são outro fator importante. “Comportamentos mais antigos são mais difíceis de mudar e a nossa sociedade tem a tendência de valorizar a resistência”, afirma Allen. “Não faz sentido, mas é o nosso padrão – e isso precisa mudar.”
Existem duas barreiras diferentes, mas interligadas, que precisam ser rompidas: a primeira é o estigma do empregador com relação aos profissionais que enfrentam questões de saúde mental e a segunda é o estigma internalizado entre os profissionais com problemas de saúde mental, que os impede de falar sobre o assunto.
Nós podemos ter feito algum progresso com a primeira barreira, mas muitas pessoas ainda sentem vergonha sobre suas próprias questões de saúde mental. Allen observa que essa mesma barreira existia com o câncer, mas, quando o nível de conhecimento e os comportamentos culturais se alteraram, os estigmas internalizados também diminuíram.
Ela acredita que o mesmo deve acontecer com a saúde mental. As empresas precisam combater a falta de conhecimento e os temores relacionados aos problemas de saúde mental, além das premissas sobre o seu impacto sobre a capacidade de trabalho de uma pessoa.
“É questão de comunicação contínua, treinamento e práticas organizacionais que ajudam as pessoas a se sentir seguras, com a certeza de que não serão penalizadas nem isoladas por terem dias bons e ruins, ou mesmo por problemas significativos com a sua saúde mental”, afirma Allen.
Novas medidas podem ser tomadas para ampliar o progresso atingido durante a pandemia. Greenwood acredita que os empregadores precisam concentrar-se em considerar todo o espectro de problemas psicológicos como algo normal. “Para que as mudanças sejam consideráveis, as pessoas com condições crônicas precisam sentir que podem falar sem receber julgamentos”, afirma ela.
Para Greenwood, líderes que se apresentem com suas próprias dificuldades podem ajudar, mostrando que as pessoas que enfrentam essas condições conseguem ainda ser altamente funcionais e bem sucedidas.
Os recursos e a comunicação relativa à saúde mental são fundamentais, bem como a flexibilidade e o treinamento sobre saúde mental no local de trabalho.
Atualmente, apenas 43% das empresas (eram 51% em 2021) treinam especificamente os gerentes para apoiar funcionários com problemas de saúde mental, segundo a associação de recursos humanos Chartered Institute of Personnel and Development (CIPD), com sede em Londres.
Os mesmos dados demonstram que a percepção dos funcionários é que os empregadores não estabeleceram mecanismos de apoio apropriados. Embora 77% dos profissionais afirmem que suas organizações promovem ativamente o bem-estar mental, apenas a metade acredita que as empresas realmente identificam e cuidam dos funcionários em dificuldades.
Os gerentes precisam ser adequadamente treinados para identificar, abordar e cooperar com os profissionais em dificuldades, ajudando-os a encontrar o apoio necessário dentro da empresa – o que pode, muitas vezes, ser um caminho muito difícil.
Em consequência, esse grau de identificação e cuidado construtivo provavelmente aumentará o uso dos programas de assistência aos funcionários. Mas tudo isso exigirá trabalho, pois as mudanças precisam vir de cima, segundo Naeema Pasha, diretora de ciências do comportamento para a Europa, África e Oriente Médio da plataforma de coaching digital CoachHub.
“Todos os componentes do bem-estar no ambiente de trabalho, incluindo a desestigmatização, devem ser integrados em nível de estratégia executiva e ser uma prioridade coletiva, sem ficar apenas a cargo das equipes de RH”, afirma ela.
Mudanças sociais mais amplas provavelmente ajudarão a reforçar o comprometimento dos empregadores e as melhores práticas em saúde mental. Fora do ambiente profissional, por exemplo, as discussões sobre saúde mental já foram abertas em consequência da pandemia.
E, à medida que a Geração Z entra no mercado de trabalho, sua franqueza natural pode ter um efeito impulsionador. Afinal, eles formam o grupo que se sente mais confortável para expressar dificuldades no seu bem-estar e podem influenciar o que é normal e apropriado nas conversas no ambiente de trabalho.
“Cada geração tem algo a ensinar às demais, mas a geração mais jovem tem mais do que um papel na mudança do diálogo sobre a saúde mental – eles têm a responsabilidade [de fazê-lo]”, segundo Paula Allen.
Mas, enquanto isso não acontece, o estigma ainda é onipresente e os profissionais infelizmente podem estar certos por se sentirem nervosos para revelar seus problemas de saúde mental.
“Ironicamente, ouvimos de funcionários que a pressão de tentar esconder um problema de saúde mental pode ser ainda maior do que sofrer o próprio problema”, afirma Kelly Greenwood. “É por isso que tornar a saúde mental algo normal é tão importante – mesmo alguém que nunca fala sobre suas experiências no trabalho pode se sentir aceito e não isolado.”
A pandemia continua a evoluir e, com ela, os problemas de saúde mental. Mas existe muito mais a ser feito no ambiente de trabalho – e na sociedade como um todo – para a definição, discussão e julgamento de todos os aspectos da saúde mental.
Com a covid-19 demonstrando que grandes mudanças podem ser feitas em um espaço de tempo muito curto, uma evolução positiva ainda maior poderá aumentar gradualmente o número de pessoas dispostas a se abrir e encontrar o apoio de que necessitam.
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