Crédito, Getty Images

Legenda da foto,

A ciência por trás da rima, do ritmo e da repetição

  • Author, Kelly Jakubowski*
  • Role, The Conversation

Por que tantas pessoas não conseguem se lembrar nem de onde colocaram a chave do carro, mas se recordam de cada palavra de músicas que não escutam há anos? Por acaso as canções vivem num lugar privilegiado em nossa memória?

A música há muito tempo é usada como dispositivo mnemônico – ou seja, uma ferramenta para auxiliar na memorização de palavras e informações.

Antes do surgimento da linguagem escrita, a música era usada para transmitir histórias e informações oralmente.

Isso pode ser visto até hoje pela forma como ensinamos às crianças o alfabeto, os números ou – no meu caso – os nomes dos 50 estados dos EUA. Na verdade, eu desafiaria qualquer leitor adulto alfabetizado em inglês a tentar se lembrar das letras do alfabeto sem que aquela musiquinha familiar ou pelo menos seu ritmo surja em sua mente.

Existem várias razões pelas quais a música e as palavras parecem estar intrinsecamente conectadas na memória. Em primeiro lugar, a estrutura da música muitas vezes serve como “andaime” para nos ajudar a lembrar das letras.

Por exemplo, o ritmo e a batida da música dão pistas sobre o tamanho da próxima palavra. Isso ajuda a limitar as opções de palavras a serem lembradas, por exemplo, ao sinalizar que uma palavra de três sílabas se encaixa em um ritmo específico da música.

A melodia também pode ajudar a segmentar um texto em partes que fazem sentido entre si. Isso basicamente nos permite lembrar de trechos de informação mais longos do que se tivéssemos que memorizar cada palavra individualmente. As canções também costumam usar recursos literários como rima e aliteração, o que facilita ainda mais a memorização.

Cante

Cante

Quando cantamos ou ouvimos uma música muitas vezes, essa música pode se tornar acessível por meio da nossa memória implícita (ou não consciente). Cantar a letra de uma música muito conhecida é uma forma de memória processual. Ou seja, é um processo altamente automatizado como andar de bicicleta: é algo que conseguimos fazer sem pensar muito.

Uma das razões pelas quais a música está tão profundamente enraizada na memória é porque tendemos a ouvir as mesmas canções muitas e muitas vezes ao longo de nossas vidas (mais do que, digamos, ler um livro ou assistir a um filme favorito).

A música também é fundamentalmente emocional. Pesquisas mostram que uma das principais razões pelas quais as pessoas se envolvem com a música é a diversidade de emoções que ela transmite e evoca.

Uma ampla gama de estudos aponta que os estímulos emocionais são lembrados com mais facilidade do que os não emocionais. A tarefa de tentar lembrar do ABCdário ou das cores do arco-íris é inerentemente mais motivadora quando definida como uma melodia cativante – e podemos nos lembrar melhor desse conteúdo mais tarde, sempre que fizermos uma conexão emocional.

Crédito, Getty Images

Legenda da foto,

Estudos afirmam que a música facilita a memorização

Música e letras

É importante notar que nem todas os estudos afirmam que a música facilita a memorização. Por exemplo, na primeira vez que ouvimos uma nova música, memorizar tanto a melodia quanto a letra é mais difícil do que memorizar apenas a letra. Isso faz sentido, dadas as múltiplas tarefas envolvidas.

No entanto, depois de superar esse obstáculo inicial e ser exposto a uma música várias vezes, efeitos mais positivos parecem surgir. Uma vez que uma melodia é familiar, as letras associadas são geralmente mais fáceis de lembrar do que se você tentasse memorizar essas letras sem uma melodia por trás.

Pesquisas nesta área também estão sendo usadas para ajudar pessoas com diferentes distúrbios neurodegenerativos. Por exemplo, a música parece ajudar as pessoas com Alzheimer e esclerose múltipla a lembrarem de informações verbais.

Então, da próxima vez que você colocar as chaves do carro em um novo local, tente criar uma música cativante para lembrar de sua localização no dia seguinte – em teoria, você não vai esquecer onde as colocou com tanta facilidade.

*Kelly Jakubowski é professora associada de Psicologia da Música, na universidade de Durham.

Este artigo foi publicado originalmente no site de notícias acadêmicas The Conversation e republicado sob licença Creative Commons. Leia aqui a versão original em inglês.