- Letícia Mori @leticiamori_
- Da BBC News Brasil em São Paulo
Na decisão que determinou o afastamento do governador do no Distrito Federal e a prisão em flagrante dos envolvidos na invasão dos prédios dos Três Poderes no domingo (8/1), o ministro do STF Alexandre de Moraes cita as ações dos bolsonaristas como “atos terroristas contra a Democracia e as Instituições Brasileiras”.
O uso do termo terrorismo não é apenas força de expressão. Desde 2016 existe no Brasil uma lei específica que classifica certos crimes como terrorismo, a Lei 13.260.
Para Moraes, tanto extremistas que participaram das invasões no domingo quanto pessoas que ainda estão acampadas em frente aos Quartéis Generais do Exército cometem até quatro dos crimes previstos nesta legislação, dependendo do papel que tiveram nas invasões e nos acampamentos.
Podem ser punidos com pena de doze a trinta anos radicais que cometam o crime de transportar explosivos ou conteúdos que podem promover destruição em massa, como gases tóxicos; de sabotar o funcionamento ou tomar o controle, mesmo que temporário, de instalações públicas e o crime de atentar contra a vida e a integridade de pessoa, todos descritos no art. 2° da lei.
Quem promover, integrar ou ajudar organização terrorista (art. 3º da lei), pode ser condenado de 5 a 8 anos de cadeia.
Empresários e personalidades que financiaram os atos podem pegar penas mais pesadas. De acordo a Lei Antiterrorismo, quem investir recursos, bens ou valores para o planejamento, a preparação ou a execução dos crimes previstos na lei (art. 6º) pode ter pena de 15 a 30 anos de cadeia.
A promotora Celeste Santos, membro do MP-SP e presidente do Instituto Pró-Vítima, explica que são crimes considerados muito graves – o que pode ser visto pela possibilidade de aplicação de pena máxima – e que, por isso, mesmo quem apenas participa na preparação pode ser condenado.
Isso é previsto no artigo 5º da lei, que estabelece que é crime realizar atos preparatórios com o objetivo de realizar os crimes descritos na lei.
“Normalmente atos preparatórios não são punidos, mas nesse caso, são. É um crime em que a tentativa é punida como um crime consumado”, explica.
Segundo Moraes, há também outros crimes cometidos pelos envolvidos no evento de domingo, contidos no Código Penal: associação criminosa, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático, tentativa de golpe de Estado, ameaça, perseguição e incitação ao crime.
O que é terrorismo?
Alguns Bolsonaristas argumentaram nas redes que não foram os primeiros a invadir prédios públicos – manifestações passadas já tiveram ocupações de prédios públicos.
Do ponto de vista jurídico, no entanto, a diferença de manifestações políticas que ocuparam órgãos públicos no passado de eventos deste domingo é a intenção dos envolvidos e o objetivo dos atos (o chamado dolo, em linguagem jurídica), explica a promotora Celeste Santos, presidente do Instituto Pró-Vítima.
É essa intenção que faz com que os eventos do domingo sejam classificados pelo STF como atos de terrorismo e o mesmo não aconteça com manifestações políticas que não são contrárias à democracia.
As principais demandas dos atos do domingo, segundo os próprios extremistas, eram a intervenção militar na democracia e nos três poderes, incluindo o fechamento do STF, a criação de uma nova Constituição e a destituição do presidente da República por vias não institucionais – o que torna o pedido diferente de um pedido de impeachment, por exemplo.
O dolo no caso torna a situação diferente de demandas normais da democracia de ambos os lados do espectro poltíco – como reforma agrária ou maior restrição ao aborto. Essas demandas envolvem a reivindicação por direitos, liberdades e garantias constitucionais – e mesmo que os lados discordem sobre qual preceito deve ter prevalência – fazem parte do jogo democrático.
A própria Lei Antiterrorismo deixa isso bem claro em seu artigo 2º: “O disposto neste artigo não se aplica à conduta individual ou coletiva de pessoas em manifestações políticas, movimentos sociais, sindicais, religiosos, de classe ou de categoria profissional, direcionados por propósitos sociais ou reivindicatórios, visando a contestar, criticar, protestar ou apoiar, com o objetivo de defender direitos, garantias e liberdades constitucionais, sem prejuízo da tipificação penal contida em lei”.
E mesmo que não fossem enquadrados na Lei Antiterrorismo, a intenção faz diferença. São os objetivos antidemocráticos que fazem com que os atos de domingo possam ser enquadrados nos crimes de abolição violenta do Estado Democrático e golpe de Estado, por exemplo, de acordo com a decisão de Moraes.
E de qualquer forma, lembra Celeste Santos, mesmo membros de manifestações legítimas podem ser punidos por crimes comuns caso os cometam durante os atos – como dano ao patrimônio público (caso haja depredação) ou lesão corporal (caso machuquem alguém).
Em sua decisão, Moraes afirmou, inclusive, que foi a omissão o fato do governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha – agora afastado – não ter tido uma “reação proporcional” a outros atos antidemocráticos do passado recente.
“Atos de depredação do patrimônio público, com tentativa de invasão do prédio da Polícia Federal, já haviam ocorrido em 12/12/2022”, escreve o ministro, “com objetivo de impedir a posse do Presidente da República eleito e o regular exercício dos poderes constitucionais, sem que houvesse uma atitude proporcional por parte do Governador do Distrito Federal.”
Para Celeste Santos, o destaque da decisão de Moraes é a forma como o ministro deixou bem claro que agentes públicos que tinham o dever de agir para garantir a ordem democrática também podem ser enquadrados nos crimes descritos.
“A omissão das autoridades públicas, além de potencialmente criminosa, é estarrecedora, pois, neste caso, os atos de terrorismo se revelam como verdadeira ‘tragédia anunciada’, pela absoluta publicidade da convocação das manifestações ilegais pelas redes sociais e aplicativos de troca de mensagens, tais como o WhatsApp e Telegram”, escreveu o ministro.
Bem vista pela direita
A Lei Antiterrorismo foi proposta por iniciativa do Poder Executivo e aprovada em 2016, durante o Governo Dilma Rousseff, como preparação para a realização das Olimpíadas – a ideia do governo era prevenir e ter previsão legal para punir possíveis atos terroristas nos Jogos.
Na época da tramitação e da aprovação, a lei era bem vista por setores da direita e Dilma foi fortemente criticada por intelectuais, ativistas de esquerda e por membros do próprio PT. A legislação era vista como uma possível ferramenta para criminalizar movimentos sociais.
Como resposta, a lei foi aprovada com o dispositivo para garantir que demandas legítimas por direitos constitucionais, tanto de esquerda quanto de direita, não sejam enquadradas como terrorismo quando houver protestos em prédios públicos.
Durante o governo Bolsonaro, em 2020, o parlamentar de direita Daniel Silveira (PSL-RJ) tentou incluir na lei a classificação de grupos “antifas” (grupos que declaram lutar contra o fascismo) como terrorista, mas o projeto não foi para a frente e não houve modificação.
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