- Author, Mark Savage (repórter de música) e Charlotte McDonald*
- Role, BBC News
A última vez em que a banda Oasis se apresentou no Estádio de Wembley, em Londres, foi em 2009. O ingresso custava exatamente 44,04 libras.
Para o seu retorno, em julho do ano que vem, o mesmo ingresso custa 150 libras (cerca de R$ 1,1 mil) – muito mais do que o preço antigo, que, ajustado de acordo com a inflação, custaria hoje 68 libras (cerca de R$ 502).
Não é só isso. Alguns fãs precisaram pagar centenas de libras a mais do que o valor nominal, depois que o chamado “preço dinâmico” fez disparar os custos, devido à alta demanda.
E o Oasis e o Reino Unido não estão sozinhos. Se você tiver visitado o site Ticketmaster nos últimos dois anos, você sabe o quanto aumentou o custo da música ao vivo.
Os preços dos ingressos dispararam em 23% no ano passado na média internacional, depois de já terem subido 19% desde a pandemia de covid-19. Hoje, ir a um show pode custar o mesmo que uma viagem de férias – e os preços continuam aumentando.
No Brasil, o ingresso mais barato na modalidade inteira para um show do astro Paul McCartney em São Paulo (SP) custava em 2014 R$ 220. Corrigindo a inflação para valores atuais (índice IPCA), esse valor corresponderia a R$ 382.
Mas o ingresso mais barato para o show do ex-Beatle que acontecerá em outubro na capital paulista custa R$ 450 — também para cadeira superior na modalidade inteira.
Em 2017, um show do americano Bruno Mars em São Paulo custava, na opção mais barata da inteira, R$ 240 (arquibancada C) — o que corresponderia hoje a R$ 342.
Entretanto, nos shows de Mars em outubro na cidade, o ingresso mais barato custa R$ 470 — também uma inteira para a arquibancada.
No lado mais extremo da balança, Madonna cobrou 1.306,75 libras (cerca de R$ 9,7 mil) pelos passaportes VIP da sua turnê Celebration, enquanto Beyoncé ofereceu aos fãs a possibilidade de se sentarem no palco dos seus concertos Renaissance pela bagatela de 2,4 mil libras (cerca de R$ 17,7 mil).
No ano passado, os preços médios dos ingressos das 100 principais turnês realizadas em todo o mundo foi de 101 libras (cerca de R$ 746), contra 82 libras (cerca de R$ 606) em 2022, segundo a publicação Pollstar, que acompanha a indústria dos shows.
No Reino Unido, 51% das pessoas declararam que os altos preços impediram que elas comparecessem a shows pelo menos uma vez nos últimos cinco anos. E, entre as pessoas com 16 a 34 anos de idade que frequentam shows, dois terços afirmam que reduziram seu número de apresentações assistidas.
Apesar disso, as turnês com altos preços de ingressos continuam com a lotação esgotada, mas apenas para os artistas mais renomados.
Abbi Glover tem 33 anos. Ela é de New Holland, no condado de Lincolnshire (leste da Inglaterra). Glover conta que o custo dos ingressos “cria uma divisão” entre quem pode pagá-los e os que são “impedidos pelos preços”.
“Trabalho muito e ganho um salário decente”, ela conta. “O que preciso fazer para conseguir simplesmente apreciar [os shows] enquanto faço tudo o que posso?”
‘Ordenhando a vaca’
Os preços no Reino Unido ainda são mais baixos do que nos Estados Unidos. Mas o especialista em ingressos Reg Walker declarou à BBC que “o que acontece por lá acontece aqui, cinco a 10 anos depois”.
Mas por que os custos dos ingressos dispararam tanto? Bem, se a sua primeira resposta foi “ganância”, este certamente é um dos fatores.
“Não é especulação pensar que alguns artistas querem ganhar o máximo de dinheiro que puderem”, afirma o editor europeu da Pollstar, Gideon Gottfried.
Um cantor que vem praticando altos preços de ingressos é Bruce Springsteen. Seus fãs ficaram assustados quando viram algumas cadeiras da sua turnê americana de 2023 custarem até US$ 5 mil (cerca de R$ 27,7 mil), devido ao sistema de preços dinâmicos do Ticketmaster.
A assessoria de imprensa da Ticketmaster informou que, no Brasil, o sistema de preços dinâmicos não é aplicado por conta de normas do país que exigem a divulgação prévia dos valores de ingressos.
Em entrevista à revista Rolling Stone, Springsteen defendeu que a maioria dos ingressos estava em uma “faixa acessível”, mas que ele estava cansado de ver revendedores ganhando dinheiro nas suas costas. Por isso, ele decidiu igualar seus preços.
“Eu pensei, ‘ei, por que este dinheiro não vai para as pessoas que estarão lá suando três horas por noite?'”, declarou ele.
O astro da banda Kiss Gene Simmons também defendeu o sistema.
“Seja qual for o sistema de preços, é tudo técnico”, declarou ele à revista Forbes. “Alguém se senta em uma sala e tenta calcular até onde o elástico pode se esticar. Se você não estiver vendendo os ingressos, adivinhe o que acontece? O preço cai. Capitalismo!”
“Vote com o [seu] dinheiro. Você não gosta dos preços dos ingressos? Não compre”, concluiu ele.
Springsteen e Simmons estão em boa companhia. Outros artistas também adotaram os preços dinâmicos, como Coldplay, Harry Styles, Olivia Rodrigo e também Taylor Swift – que eliminou o sistema na turnê The Eras, depois de fortes críticas dos fãs.
Depois do desastre do Oasis, o primeiro-ministro britânico Keir Starmer prometeu tomar as “rédeas” da situação e “garantir que os ingressos sejam disponíveis a preços que as pessoas realmente possam pagar”.
Mas talvez não seja tão simples assim… Além da atração pelos altos lucros, existem muitas razões para os artistas cobrarem mais.
Alguns estão tentando compensar o impacto do streaming. A receita do streaming representa apenas 5% da renda da maioria dos músicos, o que representa um forte declínio em relação aos anos de reinado do vinil e dos CDs.
Outros se preocupam com a sua longevidade, em uma era em que carreiras inteiras podem ser medidas pela duração de uma tendência no TikTok.
“Ninguém sabe ao certo o que irá acontecer, como a economia irá se desenvolver e como será a próxima crise”, explica Gottfried. “Por isso, alguns artistas estão tentando ordenhar a vaca ao máximo possível, enquanto ainda podem.”
Mas nem todos pensam assim. Em agosto, o cantor punk-pop britânico Yungblud organizou seu próprio festival na cidade de Milton Keynes, no sudeste da Inglaterra. Os ingressos estavam entre os mais baratos do mercado, a 49,50 libras (cerca de R$ 366).
O artista foi obrigado a tomar uma medida quando observou cadeiras não vendidas na sua turnê pelas arenas dos Estados Unidos, no ano passado.
“Quinhentos assentos estavam totalmente vazios porque o ingresso para elas custava US$ 200 (cerca de R$ 1,1 mil)”, contou ele à revista Music Week. “Eu tinha mil pessoas no lado de fora do evento que não tinham dinheiro para entrar e pensei ‘alguma coisa precisa mudar aqui’.”
Mas o festival não saiu totalmente conforme o planejado. O aumento da segurança após um esfaqueamento ocorrido em Milton Keynes no fim de semana anterior gerou atrasos de até três horas para que os fãs pudessem entrar no local do show.
Com as temperaturas ultrapassando 30 °C, algumas pessoas desmaiaram na fila, enquanto outras desistiram e foram para casa.
Os ingressos com preços mais altos poderiam ter custeado um maior número de seguranças e reduzido estas dificuldades. O episódio ilustra o delicado equilíbrio que precisa ser considerado ao definir os preços.
Ainda assim, Yungblud não é o único a tentar conseguir um acordo justo para o público dos shows musicais.
O cantor britânico Paul Heaton limitou os preços da sua próxima turnê em 35 libras (cerca de R$ 259). A estrela do pop Caity Baser definiu os ingressos para os seus shows de 2023 em apenas 11 libras (cerca de R$ 81) – ou “duas refeições”, como define ela própria. A intenção é ajudar seus fãs que têm pouco dinheiro.
Mas estes são artistas que não precisam de grandes produções pirotécnicas e telas de vídeo gigantescas. Para os shows que usam esses apetrechos, o custo das turnês disparou desde a pandemia. Aqui estão alguns exemplos:
Transporte de pessoas: esteja você em uma minivan ou em um jato particular, viajar está mais caro hoje em dia. Os preços dos combustíveis aumentaram em 20% desde 2019.
Frete de mercadorias: a turnê não envolve apenas o transporte de seres humanos. Para os grandes shows em estádios e arenas, o palco também precisa ser transportado.
Segundo a estrela do pop Lorde, o custo de transporte do seu palco pelo mundo aumentou em até 300% depois da pandemia. E a companhia de logística FreightWaves afirma que o custo de seguro de um único caminhão pode atingir US$ 5 milhões (cerca de R$ 27,7 milhões).
Para dar uma ideia, a turnê The Eras, de Taylor Swift, exige até 50 caminhões.
Alimentação: todos nós observamos o aumento do custo dos alimentos. Os artistas em turnês não são exceção – e, quando você tem centenas de bocas para alimentar, os gastos aumentam ainda mais.
Equipamento de palco: dos sistemas de som até a iluminação, os custos de aluguel dos equipamentos da turnê aumentaram em 15-20%. E, com mais turnês simultâneas, existe pouca disponibilidade de equipamentos, o que pode impulsionar os preços ainda mais.
Acomodações: a hospedagem representa um custo importante.
A turnê Renaissance de Beyoncé, por exemplo, tinha mais de 300 pessoas na estrada a todo momento. Os preços dos hotéis dobraram nos últimos cinco anos, o que traz mais pressão para o orçamento da turnê.
“Observamos projetos em que o custo geral aumentou em até 35 a 40%”, afirma o CEO (diretor-executivo) da promotora de shows Kilimanjaro Live, Stuart Galbraith.
“E a única forma de renda que entra para cobrir tudo isso é o dinheiro dos ingressos.”
Mesmo com o aumento dos preços, as margens de lucro são mínimas, segundo o CEO da FKP Scorpio, Stephan Thanscheidt. A empresa organiza mais de 20 festivais na Europa, além das turnês de Ed Sheeran, Rolling Stones e Foo Fighters.
“Os custos associados às nossas produções dobraram ou triplicaram [mas] não podemos, nem iremos ressarcir isso triplicando os preços dos ingressos”, declarou ele à Pollstar no ano passado.
Isso significa que a parcela da bilheteria que caberia ao artista – cerca de 56% do dinheiro pago pelo público – vai cada vez mais para os custos de produção, não para os lucros.
Esta pressão é particularmente forte para os organizadores de festivais no Reino Unido, que também foram atingidos pela proibição do uso do chamado “diesel vermelho”, um combustível com acréscimo de tintura.
Este combustível era usado para alimentar os geradores e veículos pesados necessários para construir as instalações dos festivais, já que sua alíquota de imposto era reduzida.
Esta mudança faz parte do compromisso britânico para reduzir os gases do efeito estufa. A medida fez com que alguns organizadores subitamente precisassem passar a usar diesel comum a partir de abril de 2022, pagando alíquotas de impostos mais altas sobre os combustíveis – um aumento grande, de 46 centavos de libra esterlina (cerca de R$ 3,40) por litro.
Desde então, o custo médio dos ingressos para festivais no Reino Unido aumentou em 22%. E, combinado com o aumento de outros custos, mais de 50 festivais foram suspensos ou cancelados neste verão do hemisfério norte.
As pequenas casas de espetáculos também enfrentam suas pressões no Reino Unido. Seus preços podem variar, em média, entre 7 e 10 libras (R$ 52 e R$ 74), mas eles têm dificuldade para vender shows – em parte, porque os fãs já gastaram seu dinheiro em ingressos para estádios, que custam o preço de um console de videogame.
Toni Coe-Brooker, da organização britânica Music Venue Trust, afirma que isso se deve a “uma cultura que leva as pessoas a acharem que shows populares deveriam ser gratuitos”.
No passado, isso não importava porque os donos ganhavam muito dinheiro com o bar. Mas os jovens da geração Z (nascidos entre 1995 e 2010) cada vez mais deixam de beber álcool.
Um estudo concluiu que 26% das pessoas com 16 a 25 anos de idade são totalmente abstêmias, o que abre mais um buraco no orçamento das casas de espetáculos.
A combinação deste fator com outras pressões, como o aumento dos aluguéis e das contas de eletricidade, fez com que 125 casas de espetáculos fechassem ou suspendessem a apresentação de música ao vivo no Reino Unido, em 2023.
E, naquelas que permanecem abertas, os custos são tão apertados que “muitos operadores de casas de espetáculos não estão nem mesmo cobrindo seus gastos, o que é realmente preocupante”, afirma Coe-Brooker.
O Music Venue Trust quer que as casas de espetáculos maiores doem uma libra (cerca de R$ 7,39) de cada ingresso vendido para as casas populares e a próxima geração de artistas.
Esta medida não aumentaria necessariamente os preços mais uma vez. A organização afirma que a tarifa de uma libra integraria outros custos já existentes.
Mas aqui vem o que realmente fascina: para o artista certo, os fãs irão pagar sem pestanejar.
Os ingressos para os próximos shows da banda Oasis terão custos astronômicos, se comparados com seus shows de 1996 em Knebworth, no leste da Inglaterra.
A Live Nation é a maior promotora de shows do mundo. Ela atingiu um volume recorde de 118 milhões de ingressos no primeiro semestre de 2024.
Segundo seu último relatório de lucros, todas as vendas de ingressos para shows em arenas, anfiteatros, teatros e casas de espetáculos aumentaram em percentuais de mais de um dígito.
“O entusiasmo das pessoas para sair ainda não é tão restrito quanto esperávamos na economia atual”, afirma Gottfried.
“As vendas de ingressos VIP certamente aumentaram. Todos os promotores com quem conversei nos diferentes mercados europeus observaram aumentos em quase todos os casos. E não é nada incomum ouvir falar em 1 mil libras (cerca de R$ 7,4 mil) por um pacote VIP.”
‘Dinheiro absurdo’
Mas as mesmas regras não se aplicam a todos. Os astros maiores podem se manter cobrando alto pelos seus shows, mas “as turnês menores estão sendo mais pressionadas”, segundo Stuart Galbraith.
Ou seja, com as restrições atuais sobre o dinheiro que eles podem gastar, os fãs estão eliminando experiências que não parecerem únicas ou essenciais.
“Estamos concorrendo em um mercado que não é apenas entre um e outro show”, explica Galbraith.
“É também, será que o nosso custo compensa em relação a um restaurante? Será que o nosso custo compensa em relação a uma pequena viagem de férias? Por isso, cada turnê precisa valer o seu custo, ao máximo possível.”
Existem alguns sinais de que atingimos um limite.
Jennifer Lopez e a banda The Black Keys cancelaram recentemente suas turnês em arenas nos Estados Unidos, depois que os fãs relutaram em pagar os preços médios de cerca de US$ 150 (cerca de R$ 830).
E os ingressos mais caros da turnê britânica de Billie Eilish em 2025 ainda estão disponíveis, meses depois de terem sido colocados à venda. Eles custam 398 libras (cerca de R$ 2,9 mil), das quais 151 libras (cerca de R$ 1,1 mil) serão doadas a entidades beneficentes locais.
É difícil dizer se isso irá mudar. Mas Leah Rafferty, de 27 anos, que mora em Sheffield, na região centro-norte da Inglaterra, é um exemplo de fã que irá pagar o preço que for pedido.
Ela mora com seus pais, o que permite que ela gaste sua renda disponível em shows. Rafferty conta que se considera “extremamente sortuda” por isso.
Fã ardorosa de Taylor Swift, ela assistiu à turnê The Eras seis vezes: uma vez em Edimburgo, na Escócia, duas vezes em Liverpool, na Inglaterra, e três vezes em Londres. O custo total foi de 1.192,57 libras (cerca de R$ 8,8 mil).
“Desde que não me leve à falência, fico feliz em gastar, seja qual for o custo”, declarou ela.
É exatamente deste tipo de pessoas que os promotores dependem, segundo Gideon Gottfried.
“Um dos motivos pelos quais não observamos quedas consideráveis [nas vendas], mesmo com as dificuldades econômicas das pessoas, é que ver o seu artista favorito significa tanto que elas tomam decisões irracionais.”
“Qualquer mercado irá sofrer distorções causadas pelas pessoas que tomam decisões irracionais”, explica ele.
“Pode ser uma bela decisão para elas, mas também é irracional, porque suas emoções e sua admiração farão com que elas paguem um dinheiro absurdo.”
*Com informações complementares da BBC News Brasil em São Paulo
Fonte: BBC
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