- Fátima Kamata
- De Tóquio (Japão) para a BBC Brasil
Para quem reside no Japão há mais de 30 anos, desde o início do fenômeno decasségui, o resultado do primeiro turno das eleições no domingo (2/10) em território japonês não surpreende.
“Independentemente do nome, se o candidato for da direita e tiver o perfil conservador, sempre vence por aqui”, afirma o paranaense Miguel Kamiunten.
Ele pesquisa a evolução do eleitorado brasileiro e é membro co-fundador do MBE (Movimentos Brasileiros Emigrados), que defende uma maior representatividade do brasileiro residente no exterior.
O candidato à reeleição Jair Bolsonaro (PL) venceu com mais da metade dos votos nos oito locais de votação (chegou a 80% em Nagoia, um dos cinco maiores colégios eleitorais no exterior), seguido de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (MDB).
O número de eleitores no Japão aumentou cerca de 25% em comparação a 2018, passando de 60 mil para mais de 76 mil.
O crescimento em quatro anos ocorreu em parte pela regularização da documentação brasileira, como CPF e passaporte. Ela não se refletiu no primeiro turno, no entanto, que registrou índices de abstenção de até 60% em algumas cidades — em Tóquio, por exemplo.
Em 2018, Bolsonaro venceu a eleição com 90% dos votos válidos no Japão. Seu oponente Fernando Haddad (PT) também tinha ficado atrás de Ciro Gomes, Geraldo Alckmin, João Amoedo e Álvaro Dias no turno anterior.
Essa preferência do eleitorado brasileiro residente no Japão por candidatos da direita ou centro-direita se repete desde 1989, quando foi realizada a primeira eleição presidencial brasileira no exterior.
Rejeição à esquerda
O Partido dos Trabalhadores nunca ganhou no Japão, apesar de ter vencido em outros países onde houve eleições para presidente do Brasil.
“E a rejeição nas urnas do eleitorado daqui vem crescendo também com o passar do tempo”, afirma a pesquisadora Gabriela Gushiken, que faz doutorado na Universidade Metropolitana de Tóquio sobre a comunidade brasileira no Japão.
Desde 2002 há uma tendência bem nítida de diminuição da porcentagem de votos em favor do PT a cada eleição.
“Na verdade, em 2014 a porcentagem de votos no Aécio Neves (quando disputou o segundo turno pelo PSDB contra Dilma Rousseff) foi quase a mesma obtida por Bolsonaro em 2018 aqui no Japão.”
As preferências políticas se mantêm, mas o perfil do eleitorado tem mudado e chamado a atenção de Kamiunten. Ele destaca a participação crescente de jovens brasileiros nascidos no Japão ou que foram alfabetizados no arquipélago e quase não falam português.
Embora numericamente pequeno, neste domingo esse grupo recebeu atenção dos consulados, que colocaram muitas orientações nos dois idiomas e disponibilizaram voluntários aptos a auxiliá-los em português e em japonês. E há uma tendência desses jovens votarem no candidato dos pais, uma vez que não entendem português ou pouco conhecem sobre a realidade do Brasil. “É quase um voto dobrado”, diz Kamiunten.
E como são os eleitores pais e adultos? “Eles estão na faixa etária acima dos 40 anos, vivem há muitos anos no Japão e grande parte é originária dos Estados de São Paulo, Paraná, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e Pará”, afirmam Kamiunten, estados em que já existe preferência por candidatos tradicionais e conservadores. “A vinda ao Japão não mudou o destino do voto”, explica o pesquisador.
Por enquanto, é difícil avaliar o peso das igrejas neopentecostais, que também se expandiram no Japão. “Mas não acredito que o voto desse grupo tenha sido preponderante para a vitória do Bolsonaro por aqui”, afirma Kamiunten.
Outro ponto importante é o pouco interesse desses brasileiros por política, estando ou não no Brasil, lembra Kamiunten. Um reflexo disso é o fato de que, de um total de mais de 35 candidatos com ascendência japonesa que se candidataram à vagas para a Câmara dos Deputados (26 por SP e 9 pelo PR), somente dois foram eleitos. Kim Kataguiri (União) foi eleito em SP e Luiz Nishimori (PSD), no Paraná.
“Coincidência ou não, por siglas de direita ou centro-direita. Se compararmos com os filhos e netos de imigrantes portugueses, italianos e libaneses morando no Brasil ou nos países de origem de seus avós, o interesse e o engajamento ativo dos nipo descendentes no processo político é muito menor”, lamenta.
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