- Author, Dalia Ventura
- Role, BBC News Mundo
Há verdades incontestáveis, como 1 1=2. A menos que a 1 monte de roupas sujas você adicione 1 monte de roupas sujas e fique com 1 montão de roupa para lavar.
Ou que esteja misturando tintas, e 1 cor 1 cor = 1 nova cor, como um estudante de artes disse à matemática Eugenia Cheng, que incluiu vários desses exemplos em seu livro Is Math Real?: How Simple Questions Lead Us to Mathematics’ Deepest Truths (“A matemática é real?: Como perguntas simples nos levam às verdades mais profundas da matemática”, em tradução livre).
Claro que isso não significa que 1 1≠ 2. Significa apenas que até o que é mais conhecido nos convida a pensar, que tudo merece um certo grau de questionamento e que muito depende do contexto.
Mas uma soma semelhante às anteriores tem uma longa, prestigiada e até polêmica história: 2 2.
Se você acha que a resposta é sempre 4, adianto que há quem argumente que isso não é necessariamente certo.
Vamos começar com René Descartes, no século 17, embora possamos seguir essa história até passados ainda mais remotos.
O filósofo francês que questionou tudo em busca da verdade perguntou-se por que não se duvidava que dois mais dois são quatro, se até mesmo a nossa existência era colocada em dúvida.
Duvidar que 2 2=4, observou, não era logicamente incoerente, pois, afinal de contas, os números eram ideias abstratas que não podíamos encontrar na natureza.
Mas afirmar “duvido que eu exista” era, sim, logicamente incoerente.
A mera capacidade de duvidar, observou ele, reafirma a nossa existência, daí a abordagem fundamental do racionalismo ocidental: cogito ergo sum ou “penso, logo existo”.
Ele não estava, no entanto, colocando em questão se a duas coisas se somar mais duas, dará quatro; valeu-se precisamente dessa soma, pois era uma verdade óbvia.
E questioná-la era tão absurdo que o inglês Ephraim Chambers usou a expressão 2 2=5 como exemplo ao explicar o significado do conceito naquela que foi uma das primeiras enciclopédias da história.
Na Cyclopaedia, ou Um Dicionário Universal de Artes e Ciências (1728), cujo subtítulo indica que “contém uma explicação dos termos e uma conta dos significados das coisas nas várias artes, tanto liberais e mecânicas, e várias ciências, o humano e divinas”, observa:
“Assim, seria absurda uma proposição que afirmasse que dois e dois são cinco, ou que negasse que são quatro.”
De encantadora a assustadora
A soma seguiu presente, e não apenas em escritos filosóficos e matemáticos.
Em 1813, o famoso poeta inglês George Gordon Byron evocou-a em uma carta àquela que viria a ser sua esposa, Anne Isabella Milbanke.
Ele chamava-a de sua “princesa dos paralelogramos”, pelo fascínio que a matemática despertava nela, um assunto que, escreveu Byron, “devo me contentar em admirar a partir da distância da incompreensão”.
“Eu sei que dois e dois são quatro, e eu ficaria feliz em provar isso também se pudesse, embora eu deva dizer que se por qualquer tipo de processo eu pudesse converter 2 mais 2 em 5, eu teria um prazer muito maior.”
Em Notas do subsolo (1864), o protagonista aceita a falsidade de 2 2=5 e considera as consequências de negar a verdade de que 2 2=4.
No entanto, ele acha que o que torna a humanidade humana é a capacidade de escolher ou rejeitar o lógico e o ilógico, e o processo incessante de querer alcançar um objetivo, “em outras palavras, a própria vida, não particularmente a meta que, é claro, deve ser sempre ‘dois mais dois são quatro'”.
Esse objetivo, na sua opinião, “já não é a vida, mas o início da morte”.
De maneira que conclui:
“Eu admito que dois e dois são quatro é algo excelente, mas, se somos justos, dois e dois são cinco também tem muito charme.”
Ele foi mais um dos que usaram a soma como metáfora política, ao criticar o abandono dos valores liberais que inspiraram a Revolução Francesa quando Napoleão 3º se instalou como imperador.
No panfleto Napoléon le Petit (“Napoleão, o Pequeno”, 1852), ele minou a credibilidade do sistema ao escrever:
“Agora, obtenham 7.500.000 votos para declarar que dois e dois são cinco, que a linha reta é o caminho mais longo, que o todo é menos do que a sua parte.”
Um século depois, o Nobel francês Albert Camus escreveria em A Peste que “ninguém parabeniza um professor por ensinar que dois e dois são quatro”, pois não parece estar arriscando sua vida ao fazê-lo.
“Mas há sempre um momento na história em que quem se atreve a dizer que dois e dois são quatro está condenado à morte. O professor sabe bem disso. E a questão não é saber qual será o castigo ou a recompensa que aguarda esse raciocínio. A questão é saber se dois e dois são ou não quatro.”
Mas talvez quem mais repercussão deu a 2 2=5 para denunciar dogmas absurdos e perigosos foi o jornalista e escritor George Orwell.
Em uma carta de 1944, respondendo a uma pergunta sobre o crescimento do totalitarismo a alguém chamado Noel Willmett, ele explicou seus medos:
“Hitler pode dizer que os judeus começaram a guerra e, se sobreviver, isso se tornará história oficial.”
“Você não pode dizer que dois e dois são cinco, porque para efeitos de, digamos, balística, eles têm que somar quatro.”
“Mas se chegarmos ao tipo de mundo que temo, um mundo de dois ou três grandes superestados que não podem ser conquistados entre si, dois e dois poderiam se tornar cinco se o Führer assim o desejasse.”
“Essa, até onde posso ver, é a direção em que estamos realmente nos movendo, embora, é claro, o processo seja reversível.”
Cinco anos depois, seria publicado seu romance 1984, que atrairia a atenção de gerações como uma das declarações fictícias mais eloquentes contra um mundo reduzido a superestados.
Um mundo saturado de “nacionalismo emocional”, complacente com os “métodos ditatoriais, polícia secreta e a falsificação sistemática da história“, e com a vontade de “não acreditar na existência de uma verdade objetiva porque todos os fatos têm que se encaixar nas palavras e profecias de algum führer infalível”.
Nessa distopia, o protagonista do romance, Winston Smith, pergunta-se se a opressão poderia se tornar tão forte que se o Estado afirmar que “dois mais dois é igual a cinco”, isso imediatamente se tornaria verdade.
A resposta é dada por seu torturador, O’Brien, quando Smith diz que é impossível para ele conceber outra coisa, pois ele sabe que dois mais dois são quatro.
“Às vezes sim, Winston; mas outras vezes são cinco. E outras, três. E às vezes é quatro, cinco e três ao mesmo tempo”, é a resposta arrepiante de O’Brien.
Em 2003, inspirada em 1984, a banda inglesa de rock Radiohead lançou a música “2 2=5”, questionando a escolha de ficar na zona de conforto em vez de lutar contra o absurdo.
“Você é tão sonhador
Para colocar o mundo em ordem?
Ficarei para sempre em casa,
onde dois e dois sempre somam cinco”
O charme de 2 2=5
Mas até as verdades evidentes da matemática são controversas.
Apesar de 2 2=5 ter sido amplamente utilizado como exemplo de uma proposição evidentemente falsa e para alertar estudantes de matemática sobre o risco de falácias, há uma contracorrente.
Curiosamente, essa soma que para muitos ilustra o que é uma crença ou dogma absurdo, para outros é símbolo de quebra de cadeias.
Muitos são aderentes à teoria da Justiça Social Crítica (JSC), que se baseia sobretudo nas noções pós-modernas de poder, conhecimento e linguagem, e pensam que a sociedade está construída com sistemas opressivos de poder e privilégio que legitimam algumas formas de conhecimento sobre outras.
Para eles, a matemática não é uma ciência objetiva ou neutra em valores, nem meramente instrumental; também não é uma pura verdade abstrata existente além do mundo concreto.
Desse ponto de vista, 2 2 não é necessariamente 4, mas poderia ser 5.
Você se perdeu?
Talvez valha a pena citar o mais citado: Kareem Carr, doutor em bioestatística da Universidade de Harvard, que ganhou fama nas redes em 2020 com um post no então Twitter intitulado “Tudo o que você precisa saber sobre 2 2=5”.
Ele começou dizendo que “afirmações como 2 2=4 são abstrações, o que significa que são generalizações de ‘algo'”.
“Pessoas de pensamento literal podem às vezes dizer coisas como ‘se eu colocar um galo e uma galinha juntos e voltar no ano seguinte e há três deles (1 1=3) ou dizer: ‘se eu deixar uma raposa e uma galinha juntos, eu volto depois e só há um (1 1=1)’.
“As pessoas vão achar que isso soa estúpido, mas elas estão fazendo um apontamento tremendamente profundo”, disse.
Mais tarde ele declarou que “o mero ato de transformar algo em um número é uma suposição”.
E, com o tempo, continuou encontrando exemplos, como o de adicionar 200ml de água a outros 200ml de água em um recipiente, que então teria, de acordo com a aritmética, 400ml.
Mas, esclareceu, como a temperatura dos primeiros 200ml era de 20°C e a dos outros era de 40°C, ao combiná-las a quantidade foi reduzida.
Seu ponto era, e ainda é, que em um mundo onde tanto conhecimento é gerado a partir de dados, é importante garantir que as suposições sejam precisas para que as conclusões sobre a realidade também o sejam.
“Então, quando alguém me diz ‘2 2=5’, peço sempre mais detalhes em vez de pensar que são idiotas”.
Fonte: BBC
Você precisa fazer login para comentar.