- Author, Christine Ro
- Role, Da BBC Future
A expressão holandesa “101 manieren om een kind te prijzen” é repleta de inspiração. Impressa em um pôster educativo, a frase significa “101 formas de elogiar uma criança”. O poster contém sugestões, como “você faz isso bem” e “muito bom!”
Mas Eddie Brummelman, professor de psicologia do desenvolvimento da Universidade de Amsterdã, na Holanda, não acha essa ideia muito positiva.
Suas pesquisas indicam que esse elogio excessivo pode, na verdade, aprofundar um ciclo de baixa autoestima, mesmo se a intenção for totalmente oposta.
Não são apenas os elogios exagerados que podem causar desconforto.
A mulher alemã que rejeita o “elogio” de um colega sobre a sua aparência ou o menino japonês que responde “não, não” quando um parente o chama de talentoso, em algumas culturas, podem ser considerados mal agradecidos. E, de fato, a internet está repleta de conselhos sobre como receber melhor os elogios.
Ainda assim, as pesquisas psicológicas indicam que minimizar os elogios não é necessariamente um defeito.
Esta é uma boa notícia para muitas pessoas que se sentem incapazes de dizer qualquer coisa quando recebem elogios e depois se lamentam pela sua reação aparentemente inadequada.
Elogios que criam estereótipos
Nem sempre é necessário aprender a receber melhor os elogios. Alguns deles são inconscientemente ofensivos.
Quando os negros americanos são chamados de “articulados” ou americanos de origem asiática são elogiados pelo seu inglês fluente, esses elogios revelam o viés de quem fala: neste caso, por ficar surpreso por uma minoria racial se expressar bem.
Elogios paternalistas baseados na identidade de um grupo (como “você mostrou boa liderança, para uma mulher”) podem gerar raiva e desejo de confronto.
Quando o elogio segue normas de gênero, como frequentemente acontece, elogios inadequados podem fortalecer estereótipos.
Abusos sexuais podem ser disfarçados por bajulações, o que costuma colocar sobre as mulheres o “dever” de aceitar elegantemente o abuso. Isso permite que os homens continuem com os abusos, tratando as mulheres como se fossem objetos.
De forma geral, as mulheres recebem mais elogios do que os homens. Os homens costumam ser principalmente elogiados pelas suas capacidades, enquanto os cumprimentos baseados na aparência são dirigidos com muito mais frequência às mulheres. E esses elogios causam efeitos distintos.
“Elogios pela aparência geram foco na aparência e no controle do corpo”, afirma a professora de psicologia social Rotem Kahalon, da Universidade Bar-Ilan em Ramat Gan, em Israel.
Pesquisas neurocientíficas indicam que as palavras que indicam o corpo, incluindo os elogios voltados ao corpo, são processadas com mais rapidez e precisão no cérebro do que as que são menos relacionadas ao corpo, como “simpático”.
Uma possível consequência, na verdade, é a desaceleração do pensamento da pessoa elogiada.
Kahalon é uma das autoras de um estudo realizado entre estudantes universitários israelenses. Ela concluiu que homens e mulheres que receberam elogios baseados na aparência se saíram muito pior em provas de matemática realizadas em seguida.
A professora interpretou este resultado como indicando que os elogios, por mais que possam fazer as pessoas se sentirem bem, podem distrair a autoconsciência da pessoa elogiada, prejudicando seu desempenho cognitivo.
“Este acompanhamento do corpo de uma pessoa é um estado mental que traz esgotamento cognitivo”, explica Kahalon.
Elogios diferentes em diferentes culturas
As pesquisas sobre as reações aos elogios são dominadas pelas chamadas sociedades “Ocidentais, Educadas, Industrializadas, Ricas e Democráticas” – palavras que, em inglês, formam a sigla WEIRD, que significa “esquisito”, em português.
Além disso, os estudantes costumam representar o maior número dos participantes das pesquisas. Mas, mesmo com essas limitações, estudos entre diversas culturas demonstram que não existe uma forma universalmente adequada para lidar com elogios.
Em algumas sociedades, as pessoas não recebem elogios como algo positivo. Eles podem ser considerados ameaçadores, por exemplo, em comunidades com fortes crenças sobre a inveja e a bruxaria.
Mesmo nas sociedades em que os elogios são principalmente percebidos como positivos, pesquisadores documentaram diferentes níveis de aceitação dos elogios – frequentemente sinalizada dizendo apenas “obrigado”.
Um estudo entre nigerianos falantes de inglês concluiu que 94% dos elogios coletados foram aceitos, em comparação com 88% em um estudo entre sul-africanos, 66% em um estudo entre norte-americanos e 61% entre neozelandeses.
Mas existem muitas outras formas de reagir a um elogio, além da simples aceitação ou rejeição.
Uma análise de conversação alemã concluiu que, embora a ampla maioria dos participantes do estudo aceitasse os elogios recebidos, eles não costumavam expressar sua aceitação dizendo “obrigado”. Eles, às vezes, comentavam sobre o próprio elogio – quando ouviam que “foi agradável o jantar aqui na sua casa”, por exemplo, eles poderiam responder “isso é bom”.
Este tipo de reação talvez seja parte da cultura e da cortesia alemã, segundo a qual os elogios são menos frequentes, mas mais sinceros, por exemplo, do que nos Estados Unidos.
Muitos pesquisadores documentaram um conflito interno quando alguém recebe um elogio e deseja concordar para manter o fluxo da conversa, mas também se sente obrigado a evitar fazer elogios a si próprio. E este conflito pode ser especialmente forte em certas culturas.
No Japão, a pressão para repudiar os elogios recebidos é frequente. Em um estudo realizado no país, 45% dos elogios identificados geraram reação negativa.
Mas os falantes de japonês têm uma série de estratégias para reconhecer um elogio sem endossá-lo, nem rejeitá-lo diretamente. Uma delas é fazer uma série de reverências ou brincar, indicando que o comportamento elogiado, na verdade, é algo sinistro.
Para alguém que cresceu em uma cultura em que o feedback tende a se concentrar em como melhorar e não no que você faz bem, às vezes pode ser desconfortável receber elogios.
As crianças chinesas “são treinadas para se concentrar nas suas dificuldades, sem se orgulhar das suas conquistas”, afirma a professora Florrie Fey-Yin Ng, do Departamento de Psicologia Educacional da Universidade Chinesa de Hong Kong.
“Deste ponto de vista, não surpreende que as crianças chinesas possam se sentir desconfortáveis quando recebem elogios”, afirma ela.
Elogios exagerados podem prejudicar a autoestima de uma pessoa.
A ocidentalização da cultura chinesa tem feito com que a aceitação dos elogios venha aumentando na China. O mesmo acontece em outros países, como o Irã.
Mas Ng afirma que as crianças chinesas ainda observam como os adultos reagem aos elogios para formar seu próprio comportamento. Elas podem observar, por exemplo, que, quando seus parentes os elogiam em frente aos seus pais, eles evitam o elogio, segundo ela.
É claro que um tipo de criação de filhos não é inerentemente melhor do que outro. Afinal, elogiar constantemente os filhos sobre seu bom desempenho pode se tornar algo vazio e ineficiente. Mas deixar de fazer elogios também pode prejudicar o seu ajuste emocional.
“A possibilidade de que esse comportamento seja associado a resultados positivos para a criança depende do grau em que ele é aceitável no mundo social da criança”, afirma Ng.
Também para alguns adultos, a crítica construtiva pode ser mais estimulante do que o elogio. Os especialistas, por exemplo, costumam ser mais motivados por feedback negativo do que os novatos.
Quando os elogios não ajudam
É claro que também existem fatores de personalidade que afetam como as pessoas reagem aos elogios.
Os elogios podem causar ansiedade em pessoas com baixa autoestima, pois eles questionam suas visões de si próprias e fazem com que elas se sintam mal interpretadas.
E o medo de receber avaliações negativas também é maior em pessoas que sofrem de distúrbios de ansiedade social.
Mas, mesmo para outras pessoas, um elogio inesperado pode ser desestabilizador.
“Essencialmente, o elogio é uma avaliação”, afirma Brummelman. E, mesmo quando for positivo, “as pessoas nem sempre gostam de serem avaliadas… aquilo tira você do momento. Faz você se preocupar mais com o que as outras pessoas pensam de você.”
Além de fazer despertar subitamente uma desagradável sensação de estar sendo julgado, o elogio também pode tornar você mais consciente de uma diferença de poder. Afinal, segundo Brummelman, “é muito comum que os professores elogiem os alunos, mas não é muito comum que os alunos elogiem os professores. Acho que você vê o mesmo no ambiente de trabalho.”
As observações de Brummelman junto às crianças indicam que elas podem ser muito sensíveis à forma como são elogiadas.
Elogios excessivos dos professores, por exemplo, podem indicar que eles têm baixas expectativas de certos alunos, como os que vêm de ambientes socioeconômicos inferiores. Eles então elogiam esses alunos abertamente como forma de compensação.
“Os estudantes interpretam os elogios excessivos com prova de que eles não são muito inteligentes”, explica Brummelman.
Em um estudo entre crianças cantoras na Holanda, Brummelman e seus colegas também concluíram que elogios desproporcionais fizeram com que crianças com ansiedade social ficassem coradas.
“Corar, na verdade, é um sinal de que as outras pessoas podem avaliar você negativamente”, explica Brummelman. “Ocorre com frequência quando somos o centro das atenções.”
Neste caso, embora a ansiedade social fosse um fator que deixasse as crianças desconfortáveis, outro motivo foi o nível do elogio. Dizer às crianças que simplesmente aceitassem o excesso de elogios sem que ficassem vermelhas simplesmente não teria efeito.
Elogios costumam ser oferecidos para ajudar as pessoas, mas seus efeitos podem ser prejudiciais.
As crianças demonstram essa consciência dos graus de elogio desde muito novas.
“As crianças em idade pré-escolar, quando observam os professores elogiando abertamente… independentemente da qualidade do seu trabalho, começam a confiar menos nos elogios dos seus professores”, afirma Brummelman. Em outras palavras, o valor do elogio diminui se for indiscriminado.
De fato, elogios excessivos podem trazer mais prejuízos do que benefícios.
Para Brummelman, “os pais são mais propensos a elogiar as crianças que têm baixa autoestima. Isso porque eles pensam que essas crianças precisam de elogios para se sentirem bem sobre si próprias. Mas não é verdade.”
A pesquisa de Brummelman e seus colegas demonstra que, quando as crianças com baixa autoestima recebem elogios mais inflados, sua autoestima, na verdade, piora ao longo do tempo. Os elogios inflados formam expectativas que são impossíveis de acompanhar, além de sinalizar às crianças que seu valor próprio deve estar ligado aos elogios externos.
Brummelman defende romper o círculo vicioso com mais critério e objetividade em relação aos elogios. Os pais podem, às vezes, elogiar para mostrar interesse, mas existem outras formas de fazer isso.
Em vez de elogiar o desenho de uma criança de forma automática e efusiva, por exemplo, o pai pode simplesmente se sentar e falar sobre o desenho, expressando entusiasmo.
“As crianças desejam calor e afeição, mais do que suas avaliações positivas”, acredita Brummelman. “Acho que realmente superestimamos o quanto as pessoas gostam de ser elogiadas.”
Como reduzir a pressão
É importante não demonizar as pessoas que fazem elogios – afinal, sua intenção normalmente é fazer com que a pessoa elogiada se sinta bem. Mas é preciso observar os elogios com mais atenção.
As pessoas que recebem os elogios podem evitar essa situação se nem sempre tiverem a energia necessária para aceitar o elogio de forma elegante.
Isso pode estar relacionado a uma característica de personalidade ou a um fator cultural. E mudar esses fatores nem sempre é fácil ou necessário.
Em outros casos, um elogio específico pode simplesmente revelar mais sobre os objetivos de quem o faz do que sobre as necessidades de quem o recebe.
“Existem todos esses motivos diferentes por que o elogio pode fazer você se sentir mal”, conclui Brummelman.
“Certamente acredito que não é responsabilidade de alguém aprender como receber um elogio. Mas o que pode ajudar é simplesmente praticar a sua resposta padrão, sem se preocupar muito, se você se sentir desconfortável.”
*Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Innovation.
Fonte: BBC
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