A Agência Mundial Antidoping (Wada, na sigla inglês) diz estar “injustamente envolvida” em uma disputa entre os EUA e a China, com as tensões geopolíticas se espalhando para o palco olímpico nos Jogos de Paris 2024.
Os principais nadadores da China estão sob os holofotes após uma série de acusações de doping, seguidas por alegações polêmicas dos EUA de que a Wada estaria encobrindo casos.
Nadadores chineses que estavam a caminho de Paris foram testados para doping duas vezes mais do que atletas de outros países – o que, por sua vez, alimentou acusações da China de uma ação para prejudicar o desempenho do país.
A Wada afirmou em declaração na terça-feira (30/8) que havia sido pega “no meio das tensões geopolíticas entre as superpotências, mas que não tem mandato para participar disso”.
“Algumas pessoas [nos EUA] estão tentando se beneficiar politicamente puramente com base no fato de que os atletas em questão são chineses”, disse o chefe de relações com a mídia da Wada, James Fitzgerald, à BBC. “O resultado é que isso criou desconfiança e divisão dentro do sistema antidoping.”
Uma guerra comercial, rivalidades geopolíticas e a amizade de Pequim com a Rússia de Vladimir Putin azedaram as relações entre as duas maiores economias do mundo.
Não é surpresa que algumas dessas tensões se manifestem nas competições esportivas, mas agora parecem estar se tornando mais intensas.
Na semana passada, a Wada afirmou estar considerando uma ação legal contra a Agência Antidoping dos EUA (Usada, na sigla em inglês), devido a acusações “difamatórias”.
A Usada havia acusado a Wada e a Agência Antidoping da China (Chinada) de estarem com “mãos sujas, escondendo testes positivos e suprimindo vozes de denunciantes corajosos”.
Legisladores dos EUA também acusaram a Wada de não investigar adequadamente as acusações de doping contra nadadores chineses. E, na terça-feira, eles apresentaram um projeto de lei que daria à Casa Branca o poder de cortar o financiamento da agência.
“Quando membros do Congresso se envolvem no mundo amplamente técnico do antidoping, isso deixa de ser sobre análise científica e legal, e passa para o domínio político”, disse Fitzgerald, da Wada.
Alimentos contaminados e suplementos nutricionais
A declaração da Wada na terça-feira ocorreu após a publicação de reportagens do jornal New York Times sobre um caso envolvendo dois nadadores chineses – incluindo um da equipe olímpica deste ano – que foram investigados por doping.
Eles testaram positivo para um esteroide proibido em 2022, mas foram autorizados a competir. A agência antidoping da China concluiu que os atletas provavelmente consumiram o esteroide sem saber ao comer hambúrgueres contaminados.
A Usada acusou a Wada de permitir que a China “competisse sob um conjunto diferente de regras, inclinando o campo a seu favor”.
Mas a Wada defendeu a decisão, argumentando que os suplementos nutricionais dos atletas e os testes de cabelo apresentaram resultados negativos, e que ambos os nadadores também forneceram amostras de controle que foram negativas nos dias antes e depois do único teste que deu positivo.
A Wada acrescentou que os dois nadadores foram suspensos por mais de um ano e que seus casos foram encerrados.
Os casos dos nadadores chineses fazem parte de uma “série mais ampla de casos envolvendo [atletas chineses] de diferentes esportes”, disse a agência, acrescentando que, “com base no número de casos, claramente há um problema de contaminação em vários países ao redor do mundo”.
Em uma declaração em junho, a Wada observou que atletas que comem carne às vezes testam positivo para drogas se os animais ingeriram clenbuterol, uma substância proibida que é usada como promotora de crescimento para rebanhos nas fazendas.
Nessa declaração, em resposta a perguntas do New York Times, a agência disse que estava investigando casos de contaminação na China e em países como México e Guatemala.
O chefe da Wada, Olivier Niggli, apontou na época que a mídia dos EUA “só fez perguntas sobre a China, quando a contaminação da carne é um problema em muitos países”, e se referiu a “tentativas de politizar o antidoping”.
Tudo isso ocorreu após uma grande polêmica em abril, quando o New York Times relatou que 23 nadadores chineses testaram positivo para uma droga que melhora o desempenho meses antes da Olimpíada de Tóquio, em 2021.
No entanto, eles foram liberados para competir depois que os oficiais chineses concluíram que os resultados foram causados por contaminação.
A equipe de 30 membros da China em Tóquio ganhou seis medalhas, incluindo três ouros. Onze dos que testaram positivo também foram selecionados para fazer parte da equipe de natação chinesa para os Jogos de Paris.
A nadadora americana e 12 vezes medalhista olímpica Katie Ledecky disse que sua confiança nos reguladores antidoping estava no “nível mais baixo de todos os tempos” após as notícias sobre os 23 nadadores chineses.
No entanto, a investigação da Wada concluiu que não estava “em posição de refutar a possibilidade de que a contaminação” explicasse a presença da droga, o medicamento para o coração trimetazidina (TMZ).
A Wada afirmou que a hipótese sobre contaminação foi reforçada “pela combinação das concentrações consistentemente baixas de TMZ, bem como pela ausência de um padrão de doping” entre os atletas testados. Ou seja, os resultados dos testes ao longo de vários dias não foram consistentes, variando entre negativo e positivo.
Uma investigação independente concluiu que a Wada não lidou mal com o caso nem demonstrou parcialidade em relação aos nadadores chineses.
Duelo de titãs
Os escândalos aumentaram a pressão sobre os oficiais antidoping, e, quando a equipe de natação chinesa chegou a Paris, seus atletas estavam sendo testados muito mais do que o padrão.
Desde janeiro, cada um dos 31 membros da equipe foi testado, em média, 21 vezes por várias organizações antidoping, de acordo com a World Aquatics, entidade que supervisiona os esportes aquáticos.
Em comparação, os 41 nadadores da Austrália foram testados, em média, quatro vezes, e os 46 nadadores dos EUA, uma média de seis vezes.
A enxurrada de testes gerou outra série de alegações.
O jornal estatal chinês Global Times culpou as potências ocidentais por “abusar dos testes antidoping para prejudicar a equipe de natação chinesa”.
Falando ao Global Times, uma professora de política internacional em Xangai acusou os EUA de dominar as regras antidoping.
Shen Yi sugeriu que os “testes implacáveis e antiéticos” atrapalharam o treinamento da equipe chinesa, o que ela chamou de “uma vergonha para a Olimpíada”.
O nadador chinês Qin Haiyang, que detém o recorde mundial nos 200 m peito masculino, disse que esses testes “provam que as equipes europeias e americanas se sentem ameaçadas pelo desempenho da equipe chinesa nos últimos anos”.
“Alguns truques visam interromper nosso ritmo de preparação e destruir nossa defesa psicológica. Mas não temos medo”, disse ele na rede social chinesa Weibo.
Qin, que ganhou ouro nos 50 m, 100 m e 200 m peito no campeonato mundial de 2023, terminou em sétimo lugar na final dos 100 m peito masculino no domingo (28/7).
Essa crítica foi reforçada pela ex-campeã chinesa de mergulho Gao Min, que disse que os rigorosos testes “desestabilizaram nossa equipe de natação chinesa” e chamou a performance de Qin de “a pior em qualquer competição nos últimos dois anos”.
Na natação, a China tinha até esta quinta-feira (1/8) um ouro, duas pratas e três bronzes.
A “rainha do nado borboleta” da China, Zhang Yufei, que ganhou prata na prova de 100 m em Tóquio, chorou desolada após ganhar uma medalha de bronze na segunda-feira (29/7) mas disse que os testes de doping não tiveram um grande impacto sobre ela.
Embora fossem “um pouco irritantes”, ela culpou a pressão, “muito maior” do que ela havia imaginado.
*Reportagem adicional de Annabelle Liang.
Fonte: BBC
Você precisa fazer login para comentar.