- Author, Frank Gardner e Jake Horton
- Role, Correspondente de Segurança da BBC e BBC Verify
A guerra na Ucrânia atingiu um ponto crítico. Para onde ela vai evoluir daqui em diante pode decidir o futuro do país e afetar a segurança de toda a Europa.
Nos 18 meses desde que a Rússia iniciou a invasão, os ucranianos estiveram principalmente na defensiva, impedindo que as forças de Moscou tomassem mais partes do territórios.
Mas, durante o atual verão no Hemisfério Norte, a Ucrânia — com a ajuda financeira e de equipamentos militares de outros países — partiu para o ataque, e tentou expulsar os russos de terras que foram capturaradas anteriormente no leste e no sul do país.
Mas será que, dois meses após o início desta contra-ofensiva, as tropas ucranianas fizeram algum progresso real?
A BBC News e o BBC Verify analisaram vídeos da guerra e conversaram com especialistas para tentar responder a essa pergunta.
Uma rápida olhada nos mapas recentes mostra que a situação não mudou muito nos dois meses desde o início da contra-ofensiva ucraniana.
A Rússia ainda ocupa quase um quinto da Ucrânia — incluindo as cidades de Donetsk, no leste, e Mariupol, que foi capturada após meses de cerco.
Na verdade, as posições não mudaram muito desde novembro de 2022, quando a Ucrânia obteve seu último ganho significativo, ao retomar o controle da cidade de Kherson, no sul, e grandes áreas no nordeste.
Mas nem tudo foram más notícias para a Ucrânia nesses nove meses.
O governo diz que as tropas retomaram recentemente a vila de Staromaiorske na região de Donetsk. A BBC verificou o vídeo que serve de apoio para essa afirmação.
Ao redor de Bakhmut, no leste, aconteceram combates intensos, e a Ucrânia também recuperou algumas pequenas áreas que havia perdido no início do verão.
O país também teve pequenas conquistas na região de Zaporizhzhia, no sul — uma área estratégica, onde a Ucrânia realmente precisa fazer uma diferença decisiva.
Um avanço ucraniano neste local, através da faixa de território controlado pela Rússia até o Mar de Azov, interromperia as rotas de abastecimento da Rússia e cortaria o contato com as forças na Crimeia, anexada pela Rússia.
Por que o progresso da Ucrânia é tão lento?
Em dois meses, as tropas ucranianas avançaram, no máximo, cerca de 16 km em duas áreas ao longo da frente de 160 km da região, segundo uma análise independente.
O progresso está acontecendo, mas é mais demorado do que a Ucrânia e seus aliados esperavam.
As forças ucranianas têm atacado em três frentes, usando equipamentos e treinamento fornecidos por outros países. Os militares do país também sondam pontos fracos ao longo de toda a linha de frente de 1,1 mil km.
Mas os russos previram as intenções ucranianas e passaram meses construindo as mais extensas fortificações da História recente.
Camadas triplas de trincheiras, bunkers, armadilhas de tanques em forma pirâmide de concreto (os chamados “dentes de dragão”) e valas — com milhares de minas terrestres — representam um enorme obstáculo a qualquer avanço ucraniano.
Marina Miron, especialista em defesa do King’s College London, no Reino Unido, diz que a Ucrânia teve que reduzir as ambições no sul, incluindo as aspirações de retomar a Crimeia.
“Eu não acho que isso vai acontecer tão cedo”, acredita ela.
Miron diz que o melhor que os ucranianos podem esperar é potencialmente retomar Tokmak, que fica em uma rota importante no sudeste do país — uma área que atua como um centro logístico para as forças russas.
Em junho, a Ucrânia enviou uma coluna blindada para o sul em direção a Tokmak e rapidamente teve problemas.
Vídeos compartilhados nas mídias sociais, que o BBC Verify cruzou para comparar locais e tipos de veículos militares, mostraram tanques Leopard recém-fornecidos à Ucrânia e veículos de combate Bradley chegando a um campo minado e sendo atacados pela artilharia russa.
O exército russo parece ter se recuperado de alguns dos erros cometidos durante os primeiros 12 meses da invasão e está se mostrando surpreendentemente inovador e eficaz na defesa.
Táticas defensivas russas
Muitas minas antitanque estão sendo usadas pelos russos.
Os veículos de remoção de minas fornecidos por aliados da Ucrânia geralmente podem suportar um impacto dessas minas, mas não dois. Assim, os russos estão colocando uma bomba em cima de outra para dobrar o efeito explosivo.
Os russos também começaram a fazer trincheiras com armadilhas.
Em um vídeo verificado pela BBC, é possível ver a infantaria ucraniana entrando em trincheiras vazias ao sul de Zaporizhzhia, antes de explosivos ocultos serem detonados, e afetarem algumas das tropas.
Os militares russos também estão aproveitando o poder aéreo — como o uso de helicópteros de ataque Ka-52 Alligator.
Esses helicópteros podem ser usados para disparar foguetes contra veículos blindados ucranianos que foram forçados a desacelerar ou parar após encontrar um campo minado.
E a Ucrânia — vale a pena notar — não tem superioridade aérea no campo de batalha.
Os próximos passos da contra-ofensiva ucraniana
Enquanto a Rússia construía defesas, a Ucrânia reuniu uma dúzia de unidades blindadas recém-formadas, muitas delas treinadas na Europa e reforçadas com equipamentos melhores do que os russos.
A Ucrânia agora tem a capacidade de lançar mísseis, foguetes ou projéteis em áreas localizadas atrás das linhas russas — e, com isso, consegue atingir depósitos de combustível, centros de munição e postos de comando e controle, o que poderia enfraquecer as defesas da Rússia por dentro.
O míssil Storm Shadow fornecido pelo Reio Unido, por exemplo, tem um alcance de mais de 240 km e permitiu à Ucrânia mirar em algumas das posições da Rússia na linha de frente.
A Ucrânia também está usando munições cluster fornecidas pelos Estados Unidos.
Muitos desses armamentos não explodem com o impacto e permanecem como um perigo de longo prazo, mas os EUA dizem que eles estão se mostrando eficazes contra algumas posições russas entrincheiradas.
No entanto, Gian Luca Capovin, analista da consultoria Janes Defense, diz que essas armas de fragmentação podem ajudar, mas não representam “uma virada de jogo”.
A Rússia possui suas próprias armas de fragmentação e também as implantou em alguns locais.
Em última análise, o tempo não está a favor da Ucrânia.
No outono, uma estação tipicamente chuvosa, estradas não pavimentadas se transformarão em lamaçais. Isso dificulta, ou quase impossibilita, novos avanços.
Quando essa temporada de tempo instável terminar, na primavera de 2024, o ciclo de eleições presidenciais dos EUA já estará em andamento.
Se a Ucrânia não conseguir mostrar nenhum ganho decisivo no campo de batalha até então, é incerto que o apoio dos EUA e da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) continuará com a mesma força.
Para Kiev, o relógio está correndo. Enquanto isso, a Rússia se apega ao território que tomou ilegalmente.
*Reportagem adicional de Benedict Garman, Thomas Spencer, Tural Ahmedzade e Filipa Silverio.
Fonte: BBC
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