- Shin Suzuki
- Da BBC News Brasil em São Paulo
Neste sábado (16/04), a conta de luz ganha um alívio: sai da bandeira de escassez hídrica, o nível mais grave, e volta para a verde, que não tem cobrança adicional. Foram seis meses em que consumidores desembolsaram R$ 14,20 extras a cada 100 kWh consumidos – é isso o que gasta apenas o chuveiro elétrico de uma casa com quatro pessoas.
Mas não para por aqui: outras faturas serão repassadas aos clientes em breve.
Sob o fantasma dos apagões devido ao baixo nível dos reservatórios nas hidrelétricas, o governo contratou emergencialmente no segundo semestre de 2021 o equivalente a R$ 39 bilhões em energia de usinas termelétricas a gás natural – um combustível fóssil, embora não tão poluente quanto o petróleo e o carvão, e considerado caro.
A crise hídrica também resultou em um empréstimo de R$ 10,5 bilhões para cobrir os prejuízos de empresas do setor, um dinheiro que será levantado em bancos públicos e privados e que será pago – pelos consumidores – por meio de um encargo a ser embutido nas contas a partir de 2023.
Existem ainda outros fatores para pesar na fatura: nesta semana a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) propôs o aumento em até 57% das bandeiras tarifárias que vigoraram na época de falta de chuvas e há os reajustes previstos das distribuidoras locais de energia nos próximos meses.
Luz mais cara impacta os preços dos produtos. Segundo a Abrace (Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres), gastos com energia representam 32% do custo do frango e 25% do cimento.
E a entidade, com base em dados da Agência Internacional de Energia (AIE), aponta que o custo da luz para o orçamento das famílias é o segundo maior do mundo, apenas atrás da Colômbia e na frente de países como Estados Unidos e Canadá.
“A crise maior não é do abastecimento, é a crise do custo. Não adianta você ter o produto se ele tem um custo que as pessoas não podem adquirir. Não adianta o supermercado estar cheio de filé mignon se as pessoas não podem comprar”, diz Luiz Eduardo Barata.
O ex-presidente do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) e do Conselho de Administração da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) cita preocupações com o aumento da inadimplência. “A energia é cara, as pessoas ficam inadimplentes e acabam fazendo ‘gato’ [ligação clandestina na rede elétrica].”
Veja abaixo alguns fatores que pesam na conta de luz:
Dependência das chuvas e socorro pelas térmicas
O Brasil reduziu historicamente sua dependência da energia hidrelétrica, mas ela ainda representa 65% de sua matriz elétrica.
E o regime de chuvas, do qual as usinas dependem, tem se tornado mais incerto em tempos de mudança climática.
Havia pessimismo no final do ano passado sobre a recuperação dos níveis dos reservatórios. Mas vieram as fortes chuvas do último verão, que praticamente eliminaram as chances de uma crise energética em 2022, ao mesmo tempo que provocaram tragédias na Bahia, em Minas Gerais e no Estado do Rio.
“A crise que vivemos no ano passado já estava sinalizada desde 2020”, diz Barata. “Então era previsível que ao longo de 2021 nós tivéssemos um cenário muito adverso.”
O socorro em épocas assim tem vindo principalmente das termelétricas (também chamadas de térmicas), como visto na última ameaça de apagão. Mas o peso financeiro delas é considerável e vem aumentando pela conjuntura atual.
O preço do gás natural que move as térmicas foi impactado pela guerra na Ucrânia – a Rússia é um dos grandes produtores do setor e o conflito mexeu com o mercado mundial.
Em outubro do ano passado, em razão dessa flututação, a Aneel autorizou reajustes que tornaram uma usina no Paraná a mais cara do país, com a cobrança de R$ 2.553,20 por MWh (megawatt-hora).
Em comparação, a tarifa média da hidrelétrica de Itaipu é de R$ 196,19/MWh, segundo Edvaldo Santana, ex-diretor da Aneel, em entrevista ao jornal Valor Econômico.
Há outro ponto importante em tempos de aquecimento global: o gás natural das térmicas não é renovável e não cumpre a meta de aproximar a emissão de carbono a zero – uma questão de urgência, alertaram cientistas da ONU recentemente.
Há pouco mais de um ano, o governo apresentou o Plano Nacional de Energia 2050, um planejamento de longo prazo que objetiva desenvolver soluções de baixo carbono e estima uma maior participação de fonte solar, eólica e de biomassa na matriz energética no país – o ministro Bento Albuquerque também citou as usinas nucleares como necessidade para essa composição.
Renováveis: não aproveitamos todo o potencial
A necessidade de garantir segurança energética junto à preocupação com a mudança climática fazem com que o país precise intensificar o aproveitamento do grande tempo de exposição solar e do excelente potencial para fontes eólicas em território brasileiro, diz Amanda Schutze, coordenadora de energia no Climate Policy Initiative (CPI) e professora da PUC-RJ.
“A gente, diferente de outros países, poderia partir para uma matriz elétrica 100% renovável. Além disso, podemos através da eletrificação, colaborar para a descarbonizacão de outros setores e com o hidrogênio verde transformar o país em exportador de energia renovável para o mundo.”
“O Brasil pode ser líder na transição energética e aproveitar a oportunidade para um crescimento econômico verde”, afirma Schutze.
O ataque russo à Ucrânia acelerou uma transição energética na Europa Ocidental, que tenta diminuir a dependência do fornecimento russo, e tem no hidrogênio uma das principais apostas para um substituto viável de combustível.
“Não podemos ficar sem alternativas nessa crise do clima”, diz Barata, ex-diretor do ONS. “Eu diria que tem sido feito esforços no sentido de ampliação do uso de renováveis, mas não com a intensidade necessária.”
Ele afirma que há “uma insistência grande pela instalação de térmicas a gás”.
A medida provisória que abre caminho para a privatização da Eletrobras incluiu jabutis (pedidos políticos sem relação com o tema inicial da proposta) durante tramitação no Congresso como a instalação de uma usina térmica no Triângulo Mineiro e a prorrogação de subsídios à geração a carvão.
O Ministério de Minas e Energia disse à BBC News Brasil que “atualmente, a matrizes energética e elétrica brasileiras estão entre as mais limpas e renováveis do mundo. Matriz energética: Brasil 46% e mundo 14%; matriz elétrica Brasil 83% e mundo 27%. Além de diversificar a matriz, o objetivo do governo brasileiro é elevar esse percentual nos próximos dez anos. Destacam-se a biomassa da cana-de-açúcar, hidroeletricidade, eólica e solar”.
“Para os próximos 30 anos, as análises apontam que a capacidade solar instalada deve atingir entre 30 e 90 GW [gigawatts] em 2050, considerando apenas a geração centralizada. Isso representará entre 5% e 16% do total. Em alguns cenários, chega a mais de 100 GW.”
“A energia eólica é hoje a segunda fonte de energia elétrica no Brasil, com mais de 8.500 aerogeradores e mais de 720 parques eólicos”, complementa a nota.
Encargos da conta
Na quarta-feira (13/4), a Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres divulgou um levantamento que coloca a conta de luz brasileira como a segunda mais cara entre 33 países pesquisados.
Segundo a entidade, só a metade (53,5%) do valor da conta diz respeito à geração, transmissão e distribuição da energia elétrica. Subsídios, impostos, ineficiências do setor e políticas públicas formam a outra parte.
O peso maior é representado pela Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), encargo setorial para promover o desenvolvimento energético do país e que representará um montante de R$ 28,8 bilhões neste ano.
O CDE inclui, por exemplo, um benefício concedido à compra de carvão mineral nacional pelas termelétricas para aumentar a competitividade desse tipo de energia – que é altamente poluente.
Está incluído também o que se gasta para levar luz a populações em locais isolados, que não estão interligados à rede nacional de energia. Barata concorda com esse mecanismo de solidariedade com populações vulneráveis, mas diz que é possível otimizar esses custos.
“Com advento da energia eólica, da solar, você pode substituir essas fontes a óleo combustível [que atualmente atendem essas populações] por um sistema híbrido, que, por exemplo, junta vento e bateria. Algo muito mais barato do que o óleo combustível”, diz.
“Essas mudanças estão ocorrendo, mas em velocidade lenta.”
O consumidor como fornecedor
Amanda Schutze, da PUC-RJ, defende um foco maior em mecanismos que atuam do lado da demanda como alternativa ao foco apenas na expansão da capacidade.
Uma solução, diz ela, é reforçar a inclusão de consumidores como fornecedores – por meio dos painéis solares.
“O consumidor ele é muito mais empoderado hoje no sentido de que ele não só pode gerar a própria energia como pode contribuir com a rede injetando o seu excedente”.
Atualmente uma resolução da Aneel permite que clientes obtenham créditos com uma espécie de troca com a energia não utilizada. Uma proposta de modernização do setor pelo Ministério de Minas e Energia, que expande essas possibilidades, está em tramitação no Congresso.
Segundo o Instituto Nacional de Energia Limpa (Inel), as unidades de painéis solares em residências quanto e no comércio e indústria cresceu 50% em 1 ano. A energia gerada foi de 5 GW para 7 GW. A entidade prevê 35 GW de potência na geração distribuída até 2030.
Schutze também diz que há mecanismos de resposta da demanda que fariam a diferença para a segurança energética, ou seja, mecanismos para gerenciar o consumo em resposta às condições de oferta.
“Se você oferece compensações para uma indústria transferir a sua produção para um outro horário, para tirar do pico, você precifica o horário de produção. Você pode desenhar diferentes incentivos para estimular a redução da demanda em momentos críticos do sistema.”
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