• Leandro Machado
  • Da BBC News Brasil em São Paulo

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Para pesquisadora Ariadne Natal, a violência policial é estimulada para servir como plataforma eleitoral

Casos como o de Genivaldo de Jesus Santos, de 38 anos, morto por asfixia em uma abordagem de agentes da Polícia Rodoviária Federal (PRF) na semana passada em Sergipe, apontam para problemas estruturais das forças de segurança e da sociedade brasileira, como falta de treinamento, controle e tolerância, além de estímulo a abusos e a violência policial como plataforma eleitoral.

Essa é a opinião de Ariadne Natal, pesquisadora do Peace Research Institute Frankfurt, da Alemanha, em entrevista à BBC News Brasil.

Um dos problemas citados por ela é a falta de treinamento para lidar com conflitos envolvendo cidadãos comuns, desarmados e sem vínculos com o crime.

“As polícias no Brasil não foram treinadas com a ideia de proteger o cidadão, de tratá-lo com respeito, de saber conversar, de criar vínculos com a comunidade. A sociedade não tem relação de proximidade com a polícia. A verdade é que a sociedade não confia em quem deveria protegê-la”, diz Ariadne, que estuda a atuação e a violência das polícias no país.

“Os policiais são treinados para ver o crime em qualquer lugar, para sempre tentar encontrar um criminoso a qualquer custo, para o confronto armado. O policial é a ponta de um sistema direcionado para executar pessoas”, diz a pesquisadora, que já atuou no Núcleo de Estudos da Violência (NEV), da USP, e hoje faz pós-doutorado sobre violência policial pelo instituto alemão.

A letalidade das forças de segurança no país vem crescendo nos últimos anos. Em 2020, o país atingiu o maior número de mortes em decorrência de intervenções policiais desde que o indicador passou a ser monitorado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 2013.

Mortes crescem 190%

Em 2020, o Brasil registrou 6.416 vítimas fatais de intervenções de policiais civis e militares da ativa, em serviço ou fora dele. Em média, foram 17,6 mortes por dia. Desde 2013, primeiro ano da série verificada, o crescimento é de cerca de 190%. Essa letalidade corresponde a 13% de todas as mortes violentas intencionais no país – por outro lado, 193 policiais foram assassinados em 2020, alta de 13% em relação ao ano anterior.

Em alguns casos registrados por câmeras, as vítimas de intervenções policiais estavam desarmadas e já sob custódia dos agentes. Genivaldo, por exemplo, foi mantido preso na parte de trás da viatura policial enquanto o veículo estava tomado por spray de pimenta e gás lacrimogêneo. Ele morreu por asfixia.

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Momento em que agentes da PRF jogam gás dentro de viatura com Genivaldo de Jesus Santos, de 38 anos

“A falta de treinamento pode levar a excessos e imprudência. O uso da força precisa ser proporcional ao risco enfrentado pelo policial. No caso Genivaldo, os agentes estavam em maior número, tinham recursos e a vítima estava controlada. Não dá nem para chamar de procedimento. Claro, falta de treinamento não é a única explicação para o problema: há violências deliberadas, também”, diz Ariadne.

Para a especialista, o Estado costuma utilizar o argumento da “maçã podre” para explicar abusos – ou seja, o excesso é sempre descrito como um ato individual e equivocado de alguns agentes que não representam os valores da instituição, e não como um problema estrutural das polícias que precisa ser solucionado.

“Esse policial está sob estresse e pressão psicológica, muitas vezes com salário baixo, trabalhando em um contexto de violência onde ele também é um alvo”, afirma a pesquisadora.

Ela cita várias instâncias em que a violência estatal é tolerada e até estimulada: 1) nas próprias polícias, por meio de comandantes que “dão sinais de tolerância” com abusos; 2) políticos e autoridades que usam a violência policial como plataforma eleitoral, argumentando que uma atuação mais dura é a melhor solução contra a criminalidade; 3) parte da sociedade que não apenas não se mobiliza para cobrar melhorias, como apoia atos violentos; 4) falta de controle e fiscalização por meio de corregedorias e ouvidorias, o que gera impunidade.

“Quem está em posições de poder dá um direcionamento para a tropa, seja um comandante da PM ou o governador. Quando policiais envolvidos em episódios de violência não são afastados ou condenados, quando um político parabeniza um policial por um assassinato e deixa ‘as rédeas soltas’, isso representa um sinal para a tropa de que existe tolerância. Essas mudanças de gestão são rapidamente entendidas e a violência chega às ruas”, explica Ariadne.

“Já parte da sociedade brasileira tolera e apoia os abusos, porque entende que eles são necessários e fazem parte do cotidiano. Mas em um país com recordes de violência policial, o legado é de melhoria na criminalidade? O Brasil está menos violento? Tudo isso não garantiu uma sociedade menos violenta, pelo contrário, está piorando”, diz.

Ambiguidade

O caso Genivaldo é um exemplo do comportamento “ambíguo” de autoridades em relação a abusos. Na quarta-feira (26), a PRF afirmou que a morte foi “uma fatalidade” e não tinha relação com a “abordagem legal”.

“Em razão da sua agressividade, foram empregados técnicas de imobilização e instrumentos de menor potencial ofensivo para sua contenção. O abordado veio a passar mal, foi socorrido de imediato ao hospital, onde foi constatado óbito”, afirmou a PRF em sua primeira nota sobre o caso.

Três dias depois, no sábado, a instituição mudou de posicionamento, e afirmou em um vídeo que “não compactua” com a ação dos agentes e que vê o episódio “com indignação.”

Já o presidente Jair Bolsonaro (PL) disse que “lamenta o ocorrido” e espera que a Justiça seja feita “sem exageros”.

“Não podemos generalizar tudo que acontece no nosso Brasil. A PRF faz um trabalho excepcional para todos nós […] Tenho certeza que será feita a Justiça, todos nós queremos isso aí. Sem exageros e sem pressão por parte da mídia que sempre tem lado, o lado da bandidagem”, disse ele, segundo reportagem do jornal Folha de S.Paulo.

Em outro momento, o presidente citou um caso recente em que policiais rodoviários foram mortos – ele também se referiu a Genivaldo como um “marginal”.

“Lamento o ocorrido há duas semanas, quando dois policiais rodoviários federais queriam tirar um elemento da pista, ele conseguiu sacar a arma de um deles e executou os dois. A GloboNews chamou esse bandido de suspeito. E outro policial, de outra esfera, ao abater esse marginal, vocês foram para uma linha completamente diferente”, disse.

Controle e fiscalização

Para Ariadne Natal, sistemas de controle e fiscalização da atividade policial também encontram problemas para trabalhar. São os casos das corregedorias (órgãos internos de investigação), e as ouvidorias de polícias – entidades civis responsáveis por mediar conflitos entre o cidadão e as polícias, além de cobrar apurações de casos de abusos.

“Esses órgãos atuam de maneira bem desigual a depender do Estado. Em alguns locais, até são mais estruturados. Mas, no geral, eles não têm liberdade institucional para investigar. Raramente produzem dados sobre o que está sendo feito e que possam ser acompanhados pela sociedade”, diz.

No segundo caso, por exemplo, o ouvidor de polícias é escolhido pelo governador do Estado a partir de uma lista tríplice indicada por diversas entidades da sociedade civil.

“Mas a escolha sempre cabe ao governador, que é parte interessada. Então, não há liberdade e independência para atuar”, pontua a pesquisadora.

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