- James Gallagher
- Correspondente de Ciência e Saúde
Voluntários receberam transfusões de sangue criado em laboratório, no primeiro ensaio clínico do tipo no mundo, realizado por pesquisadores do Reino Unido.
Pequenas quantidades estão sendo testadas para ver como o sangue de laboratório se comporta dentro do corpo.
O objetivo desse teste não é substituir as doações de sangue por completo — a maior parte das transfusões de sangue vai sempre depender de doadores voluntários. A meta do experimento é fabricar sangue para grupos sanguíneos ultrarraros, difíceis de se obter com doadores.
É o caso de pacientes que dependem de transfusões de sangue regulares para condições como anemia falciforme.
Se o sangue não for exatamente compatível, o corpo começa a rejeitá-lo, e o tratamento não funciona. Este nível de compatibilidade de tecidos vai além dos conhecidos grupos sanguíneos A, B, AB e O.
A professora Ashley Toye, da Universidade de Bristol, no Reino Unido, afirma que alguns grupos são “muito, muito raros” — e “pode haver apenas 10 pessoas no país” capazes de doar.
No momento, existem apenas três unidades do grupo sanguíneo “Bombay” — identificado pela primeira vez na Índia — em estoque em todo o Reino Unido, por exemplo.
Como o sangue é criado?
O projeto de pesquisa é conduzido por equipes de Bristol, Cambridge, Londres e do NHS Blood and Transplant, órgão do sistema público de saúde do Reino Unido. Ele se concentra nos glóbulos vermelhos que transportam oxigênio dos pulmões para o resto do corpo.
É assim que funciona:
– O teste começa com uma doação normal de cerca de 470 ml de sangue;
– Esferas magnéticas são usadas para “pescar” células-tronco flexíveis que são capazes de se tornar um glóbulo vermelho;
– Essas células-tronco são incentivadas a crescer em grande número nos laboratórios;
– Depois, elas são direcionadas a se tornar glóbulos vermelhos.
O processo leva cerca de três semanas e uma reserva inicial de cerca de meio milhão de células-tronco resulta em 50 bilhões de glóbulos vermelhos.
Estes são então filtrados para se obter cerca de 15 bilhões de glóbulos vermelhos que estão no estágio certo de desenvolvimento para transplante.
“Queremos produzir o máximo de sangue possível no futuro, então vejo na minha cabeça uma sala cheia de máquinas produzindo continuamente a partir de uma doação de sangue normal”, conta Toye.
Duas pessoas já participaram do ensaio, que visa testar o sangue em pelo menos 10 voluntários saudáveis. Eles vão receber duas transfusões de 5 a 10 ml com pelo menos quatro meses de intervalo — uma de sangue normal e outra de sangue criado em laboratório.
O sangue foi marcado com uma substância radioativa, frequentemente usada em procedimentos médicos, para que os cientistas possam ver quanto tempo dura no corpo.
Espera-se que o sangue cultivado em laboratório seja mais potente que o normal.
Os glóbulos vermelhos duram normalmente cerca de 120 dias antes de precisarem ser substituídos. Uma doação de sangue típica contém uma mistura de glóbulos vermelhos jovens e velhos, enquanto o sangue cultivado em laboratório é feito na hora, então deve durar os 120 dias completos.
Os pesquisadores suspeitam que isso poderá permitir doações menores e menos frequentes no futuro.
Há, no entanto, desafios financeiros e tecnológicos consideráveis.
A doação de sangue comum custa ao NHS cerca de 130 libras (R$ 750). O cultivo de sangue custará muito mais, embora a equipe não diga quanto.
Outro desafio é que as células-tronco colhidas acabam se exaurindo, o que limita a quantidade de sangue a ser fabricado. Serão necessárias mais pesquisas para produzir os volumes que seriam necessários clinicamente.
“Esta pesquisa líder a nível mundial estabelece as bases para a fabricação de glóbulos vermelhos que podem ser usados com segurança para fazer transfusão em pessoas com distúrbios como anemia falciforme”, afirma Farrukh Shah, diretor médico de transfusão do NHS Blood and Transplant.
“O potencial deste estudo para beneficiar pacientes com dificuldade para fazer transfusão é muito significativo.”
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