- Guillermo D. Olmo @BBCgolmo
- Correspondente da BBC News Mundo no Peru
O Peru é uma “máquina de moer presidentes”.
Pedro Castillo foi o último a cair, mas divide com seus antecessores mais recentes o pouco tempo que durou no cargo.
Sua sucessora, a recém-empossada Dina Boluarte, torna-se a primeira mulher presidente da história do Peru, mas também a sexta chefe do Estado peruano desde 2018.
Além de Boluarte e Castillo, também governaram o país nos últimos 4 anos Pedro Pablo Kuczynski, Martín Vizcarra, Manuel Merino e Francisco Sagasti.
A precariedade é tanta que muitos peruanos se distanciaram da política e de suas turbulências permanentes.
O que torna o Peru tão ingovernável?
Uma constante se repetiu nos últimos anos: a batalha entre o Congresso e o presidente termina com a derrota deste último, que acaba deixando o poder. Castillo foi o mais recente.
Numa aparente tentativa de impedir a votação da moção de vacância contra ele no Congresso, Castillo surpreendentemente anunciou a dissolução do Congresso e a criação de um governo de exceção.
Mas, poucas horas depois, ignorando o anúncio presidencial, os parlamentares se reuniram e decretaram a destituição do presidente, que ficou nas mãos da Polícia e do Ministério Público, acusado de rebelião.
A situação decorre da Constituição Política do Peru, aprovada em 1993, que estabelece que a Presidência da República fica vaga por “incapacidade temporária ou permanente do presidente, declarada pelo Congresso”.
Isso abriu as portas para uma espécie de espada de Dâmocles que paira permanentemente sobre a cabeça do presidente e que pode cair sobre ele assim que os 87 votos exigidos forem reunidos no Congresso.
Foi o que aconteceu agora com Castillo, com Vizcarra em 2020 e quando Alberto Fujimori fugiu para o Japão em 2000, e o Congresso teve que declarar sua destituição.
Essa peculiaridade constitucional explica por que os presidentes peruanos têm uma fragilidade tão grande no cargo.
Os sucessivos Congressos perceberam que o processo de vacância lhes dá a possibilidade de demitir o presidente e não hesitaram em usá-lo.
A ponto de haver especialistas que apontam que o sentido original foi distorcido.
Omar Cairo, professor de Direito Constitucional da Pontifícia Universidade Católica do Peru, aponta que o Peru é o único país do mundo que tem o instituto da vacância por incapacidade moral.
“Mas a incapacidade moral, que está nas Constituições peruanas desde 1839, aludia no século 19 à incapacidade mental do presidente”, disse à à BBC News Mundo, serviço em espanhol da BBC.
“Agora, sempre que os congressistas considerarem o presidente imoral, eles podem destituí-lo a seu critério apenas com a força dos votos, e esse termo ‘imoral’ é uma coisa muito efervescente hoje em dia.”
E a isso se soma a crescente fragmentação experimentada pelas forças políticas peruanas nos últimos anos.
Cairo explica que “o Parlamento não é formado por blocos parlamentares sólidos, mas por uma multidão de pequenos grupos que respondem mais a interesses particulares do que a programas ou ideologias, e isso torna muito difícil para os presidentes obter apoio no Congresso”.
Dessa forma, o sistema peruano se configura como uma raridade no mapa dos sistemas políticos latino-americanos, onde predominam os regimes presidencialistas.
“O Peru não é um regime parlamentarista como o britânico ou o espanhol, em que o primeiro-ministro ou o presidente do governo é eleito pelos deputados no Parlamento, mas o presidente é eleito diretamente pelos votos do povo nas eleições, enquanto a existência da vacância permitiu um mecanismo discricionário para depor o presidente que não existe em outros países da nossa região.”
A opção do governo
O presidente peruano mantém alguns poderes que não o deixam totalmente à mercê do Congresso e também ajudam a explicar por que o Executivo e o Legislativo vivem em permanente tensão no Peru.
Segundo a Constituição, o presidente pode dissolver o Congresso se este negar duas vezes a confiança no Executivo.
A tentativa final de Castillo de permanecer no poder incluiu anunciar a dissolução do Congresso, entre outras medidas excepcionais consideradas inconstitucionais pela maioria dos analistas e pelo Ministério Público e que levaram à sua prisão.
Desta forma, ele imitou Alberto Fujimori, um ex-presidente duramente criticado por Castillo e muitos de seus seguidores que, em 1992, ordenou o fechamento do Congresso.
Em novembro passado, Castillo assegurou que o Congresso havia negado a ele confiança por sua posição contra uma lei de referendos no país.
Uma segunda recusa lhe teria permitido dissolver o Parlamento.
Mas o Congresso negou que mesmo aquela suposta primeira negação de confiança tivesse ocorrido e apelou para a Corte Constitucional, que concordou provisoriamente com ela.
Foi a última disputa entre o Congresso e Castillo antes da batalha final que terminou com ele fora da Presidência. E, mesmo com uma nova presidente, esta briga dificilmente terá sido a última.
O que pode acontecer entre Dina Boluarte e o Congresso
A nova presidente, Dina Boluarte, inaugurou seu mandato pedindo uma “trégua” no Congresso e a construção de “um governo de unidade nacional”.
Mas, embora hoje a maioria dos congressistas tenha votado para derrubar Castillo e torná-la a nova chefe de Estado, não está claro se ela terá o apoio necessário para formar um governo estável.
Boluarte não tem uma bancada que a apoie no Legislativo.
Para Cairo, sua Presidência corre o risco de ser marcada pela mesma incerteza de seus antecessores. “Com a vacância em termos tão vagos quanto atualmente, é provável que ele sofra o mesmo destino.”
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