- Author, Simone Machado
- Role, De São José do Rio Preto (SP) para a BBC News Brasil
Foi em 2008, durante a gestação do segundo filho, que a estudante de enfermagem Rafaela Santana Oliveira Silva, hoje com 42 anos, começou a ter sintomas como queda de cabelo, coceira pelo corpo, fadiga e sentir os olhos e a boca secos. No entanto, a mulher, que mora em Salvador (BA), acabou se dedicando aos cuidados com o filho recém-nascido e deixou de lado os cuidados com a saúde.
Quatro anos mais tarde, Rafaela notou que os sintomas, ao invés de melhorarem, estavam se agravando e passou a buscar um diagnóstico. Foram oito anos e dezenas de consultas com os mais variados especialistas – dentista, oftalmologista, dermatologista e até mesmo neurologista. Ninguém chegava a um consenso.
“Conforme o tempo ia passando, meus sintomas só pioravam. Eu não produzia mais lágrima e nem saliva, então eu não conseguia chorar e para me alimentar precisava ingerir líquido junto. Comecei a ter dores muito fortes nas juntas e fadiga constante que impediam de fazer atividades simples do dia a dia”, detalha Rafaela.
Nessa época, devido às dores intensas, a estudante conta que teve a mobilidade reduzida e se locomovia com dificuldade. As dores a fizeram evitar sair de casa.
“Fui diagnosticada com fibromialgia, mas eu sabia que não era só isso. Que eu tinha alguma doença a mais. Também cheguei a ser diagnosticada com lúpus, mas os médicos estavam errados”, recorda.
‘Pensei que estava louca’
Rafaela afirma que enquanto ia de médico em médico, em busca de um diagnóstico, chegou a pensar estar com problemas psiquiátricos, já que por muitas vezes ouviu das pessoas e dos próprios profissionais que “não era possível ela ter tantas dores” como dizia.
“Eu sentia dor no meu corpo todo e de tanto falarem que não era possível, eu pensei que estava ficando louca. Que as dores não eram reais e sim psicológicas”, recorda. Ela também procurou ajuda psicológica para lidar com a situação.
Foi durante uma consulta com um clínico geral, no final de 2019, que foi levantada a hipótese de Rafaela ter a síndrome de Sjögren – doença rara que causa secura da pele, olhos e boca, além de afetar outros sistemas do corpo.
“Fui encaminhada ao reumatologista e ele me pediu uma bateria de exames. Seis meses depois veio o diagnóstico: eu tinha síndrome de Sjögren. Eu nunca tinha ouvido falar e não fazia ideia do que era”, conta a estudante.
Compartilhando experiência e enfrentando o preconceito
O diagnóstico trouxe alívio, mas também medo. Além de ter que lidar com as dores diárias causadas pela doença, Rafaela afirma que precisou enfrentar o preconceito das pessoas.
“Muita gente olha e por eu não ter um sinal físico da doença, por ela ser ‘invisível’, duvidam que ela realmente existe. As pessoas não entendem a minha fadiga e as dores no corpo. Já tive que mostrar o atestado médico para acreditarem”, relata.
Para entender mais sobre a doença, a estudante passou a pesquisar conteúdos que a pudessem auxiliar nessa fase de adaptação à nova vida. Ela criou uma página no Instagram onde fala sobre a doença e divide sua experiência.
“É diferente um médico falar e uma pessoa com a doença falar. Por isso tento mostrar um pouco da minha vida e converso muito com outras pessoas que também têm a síndrome. A gente vai se apoiando”, diz.
A síndrome de Sjögren não tem cura e o tratamento é feito com uma equipe multidisciplinar que inclui reumatologista, oftalmologista e dentista.
Para amenizar os sintomas de secura na pele, olhos e boca, ela usa produtos específicos como: enxaguante bucal à base de xilitol para estimular a salivação, uso de colírios específicos diariamente, além de tomar corticoides, imunossupressores e seguir uma alimentação saudável evitando alimentos muito secos.
“É uma nova vida, porque os medicamentos causam muitos efeitos colaterais. Um dia você está bem e no outro você está tão fatigado que não consegue levantar da cama. É uma luta diária”, conta a estudante.
O que é a Síndrome de Sjögren
Segundo a Sociedade Brasileira de Reumatologia, a síndrome de Sjögren, também conhecida como síndrome seca, é uma doença rara, crônica e autoimune que tem como principal característica a secura ocular e na boca associada à presença de sinais de inflamação glandular.
Os linfócitos (células brancas) invadem alguns órgãos e glândulas, principalmente as lacrimais e salivares, gerando um processo inflamatório que prejudica o funcionamento normal deles. Pacientes com a doença apresentam também secura na pele, nariz e vagina, fadiga, artralgias e artrites.
“A pessoa tem sensação de secura, irritação, coceira, vermelhidão, ardor e sensação de areia nos olhos. Pode ocorrer também dificuldade para abrir os olhos pela manhã, visão turva e desconforto ao ler, assistir TV ou ficar por tempo prolongado em frente ao computador.
Fatores ambientais como vento, ventilador, ar-condicionado e baixa umidade agravam a situação”, explica Keila Monteiro de Carvalho, professora titular de oftalmologia da FCM/Unicamp.
Além disso, outros órgãos do corpo, como os rins, pulmões, fígado, pâncreas e sistema nervoso central também podem ser afetados. O surgimento da síndrome de Sjögren é mais comum em mulheres entre 40 e 50 anos e a proporção de mulheres e homens acometidos é de cerca de 9 para 1.
Ainda não se sabe o que causa a síndrome de Sjögren e, porque ela só se manifesta na fase adulta. Segundo os especialistas, acredita-se que a doença se desenvolva devido a três fatores principais: genético, ambiental e hormonal (o que explicaria a maior frequência da síndrome nas mulheres).
Diagnóstico e tratamento
Não existe nenhum exame que, isoladamente, defina o diagnóstico da síndrome de Sjögren. Para o diagnóstico da doença, o médico considera um conjunto de características como: os sintomas, as alterações do exame clínico, os exames realizados por um oftalmologista, os resultados de exames laboratoriais e de imagem, como a ultrassonografia das glândulas salivares, e o resultado de uma biópsia das pequenas glândulas salivares localizadas na face interna do lábio inferior.
Não há cura para a síndrome, e o tratamento varia conforme os sintomas apresentados por cada paciente, sendo necessário um acompanhamento multidisciplinar.
“A doença tem um quadro clínico bastante variável. Alguns pacientes apresentam apenas sintomas de secura, enquanto outros apresentam graves acometimentos orgânicos, como, por exemplo, o neurológico.
Algumas medidas gerais ajudam a diminuir o ressecamento das mucosas: evitar ambientes secos, usar umidificadores; proteger os olhos da luz solar e vento utilizando óculos, não usar lentes de contato, ingerir líquidos adequadamente, passar cremes hidratantes na pele e nos lábios e não fumar, são algumas delas.
Já para os acometimentos sistêmicos, podem ser utilizados os glicocorticoides, os imunossupressores e alguns agentes biológicos”, explica Sandra Gofinet Pasoto, médica assistente do Serviço de Reumatologia, Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (HCFMUSP) e coordenadora da Comissão de Síndrome de Sjögren da Sociedade Brasileira de Reumatologia.
Além disso, segundo os especialistas, é necessária uma mudança nos hábitos como evitar o consumo de doces, utilizar sabonetes sem álcool ou perfumes, evitar ficar em ambientes com ar-condicionado ou vento, não usar dispositivos com telas – como computador e celular – por tempo prolongado, por exemplo.
“A síndrome de Sjögren requer atenção porque ela pode desencadear outras comorbidades como o acometimento pulmonar, manifestações renais, sistema nervoso periférico e o sistema nervoso central. Outras manifestações, como cefaleia (dor de cabeça), disfunção cognitiva e distúrbio do humor, são muito frequentes também. Manifestações hematológicas se caracterizam por anemias e baixa defesa pela queda de leucócitos. Pericardite, lesão valvar, miocardite e arritmias podem ser manifestações cardíacas. A hipertensão pulmonar ocorre”, explica o reumatologista Marco Antônio Araújo da Rocha Loures, presidente da Sociedade Brasileira de Reumatologia.