Esta reportagem foi originalmente publicada pela BBC News Brasil em 25 de abril de 2019 e atualizada em 1 de agosto de 2022
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) deu início nesta segunda-feira (1/8) à coleta domiciliar do Censo Demográfico 2022.
Programado originalmente para 2020, o Censo foi adiado pela primeira vez em razão da pandemia de covid-19. Em 2021 foi adiado novamente, após cortes no orçamento federal não permitirem sua realização.
Neste ano, os recenseadores do IBGE visitarão 89 milhões de endereços nos 5.570 municípios do país. A estimativa é de que sejam contadas cerca de 215 milhões de pessoas.
A seguir, a BBC News Brasil explica o que é o Censo, quais políticas públicas ele ajuda a orientar, como ele será realizado em 2022 e qual o debate que levou ao seu adiamento nos anos anteriores.
Para que serve o Censo?
O Censo, explica o próprio IBGE, é a única pesquisa a visitar as casas de todos os brasileiros – são mais de 75 milhões de domicílios espalhados por 8,5 milhões de quilômetros quadrados.
“O Censo brasileiro é uma das maiores operações censitárias do mundo. No auge da operação, em torno de 183 mil recenseadores irão de porta em porta em todos os 5.570 municípios do país”, diz o site do instituto.
A coleta de 2022 marcará 150 anos do primeiro recenseamento feito no país, segundo o IBGE.
Antes do atual, o Censo mais recente foi realizado em 2010, o que significa, para muitos pesquisadores e formuladores de políticas públicas, que alguns dados brasileiros estão desatualizados em mais de uma década.
O Censo traz não apenas o tamanho da população brasileira, mas informações sobre frequência à escola e à universidade (e quais disciplinas estão sendo cursadas), saneamento, sustento da família, raça, mortalidade, tipo de moradia, coleta de lixo e fornecimento de energia elétrica, entre outros dados.
Embora outras pesquisas do próprio IBGE consigam obter dados confiáveis a partir de universos menores (as chamadas amostras de população), atualmente é só o Censo que consegue informações minuciosas de todos os municípios brasileiros.
Esses dados servem para embasar diversas pesquisas e políticas públicas, segundo especialistas ouvidos pela reportagem e o próprio IBGE.
“Do ponto de vista econômico, os dados da população ajudam a calcular os gastos (da União) direcionados aos Fundos de Participação do Municípios, dos Estados e da Educação Básica”, explicou à News Brasil Rogério Jerônimo Barbosa, pesquisador associado do Centro de Estudos da Metrópole da USP.
Ou seja, a partir dos dados de onde moram os brasileiros, e das diferenças de renda entre eles, é possível calcular quanto cada cidade e Estado receberá de recursos federais.
“Mas além de contar a população, o Censo coleta informações necessárias para muitas outras políticas”, agrega.
“Com ele eu consigo saber o que está acontecendo nas escolas para além do Censo Escolar (feito pelo MEC). Por exemplo, consigo saber quais crianças não estão matriculadas nas escolas, para calcular as taxas de abandono e para traçar um perfil: por que será que elas estão abandonando a escola? São em sua maioria meninos ou meninas? Qual sua renda e onde moram? Só o Censo demográfico coleta esses dados”, prossegue Barbosa.
Isso é uma informação crucial para “criarmos políticas em larga escala na educação e para conhecer o país como um todo”, afirmou Caio Sato, coordenador do núcleo de inteligência da organização Todos Pela Educação. “Também conseguimos saber se a escolaridade dos brasileiros está ou não aumentando.”
Além disso, o Censo consegue detectar a formação universitária dos brasileiros que cursaram o ensino superior e em que essas pessoas estão empregadas.
“Tivemos recentemente uma grande expansão no número de pessoas diplomadas, por conta de uma política de financiamento do ensino superior (por exemplo, via Fies)”, afirmou Rogério Barbosa.
“Será que essas pessoas (diplomadas) estão fazendo o que o diploma as capacitou para fazer? Ou o dinheiro do financiamento está sendo jogado fora? Nosso potencial produtivo está sendo desperdiçado? Esses dados estão ultrapassados desde 2010 (ano do último Censo) e vão nos dizer se um dos maiores investimentos recentes do país (de financiamento da educação superior) deu resultados.”
Uso do Censo no planejamento
Dados sobre a distribuição, renda e demandas reprimidas da população ajudam gestores públicos a identificar, também, áreas que necessitam de transporte público ou a localização adequada para moradias populares ou para a passagem de grandes obras viárias, como o Rodoanel paulista, por exemplo – indicando a quantidade de desapropriações necessária. Até mesmo a distribuição de pontos de ônibus deve ser embasada em quantas pessoas eles vão atender.
Embora muitos outros critérios (desde ambientais até políticos) influenciem essas decisões, quando o aspecto censitário não é levado em conta, geralmente essas obras acabam perdendo em eficiência.
“A distância entre o trabalho e a residência das pessoas por muito tempo não foi levada em conta” no planejamento urbano brasileiro, o que provocou o crescimento desordenado das cidades, apontou Barbosa. Ele disse, porém, que hoje projetos habitacionais populares consideram a distribuição populacional para definir o local de novas moradias.
O IBGE destaca ainda que, com a medição censitária, “o poder público pode identificar áreas de investimento prioritárias em saúde, educação, habitação, saneamento básico, transporte, energia, programas de assistência à infância e à velhice.”
Pobreza, saúde e atenção a minorias
Especificamente para a população idosa, saber onde e como moram os mais velhos pode ajudar no planejamento de futuras políticas públicas, à medida que a população brasileira envelhece. Além disso, é pelos dados do Censo que se calcula a expectativa de vida dos brasileiros, a partir da quantidade de pessoas por cada faixa etária e a taxa de mortalidade em cada faixa.
Técnicos do IBGE ouvidos pela reportagem explicaram, também, que como o Censo é a única pesquisa a ir na casa de todos os brasileiros, acaba sendo a forma mais precisa de se saber onde estão as pessoas mais pobres e verificar se elas estão tendo acesso a serviços como hospitais, assistência social e até mesmo registro civil – ou seja, se elas têm RG e CPF ou se são “invisíveis” ao Estado brasileiro.
“Sabemos que há lacunas em registro civil, principalmente na região Norte (em áreas indígenas), e precisamos entender se nossos dados estão defasados”, afirmou um técnico, que pediu para não ser identificado. “O risco é não descobrirmos onde estão os buracos.”
Outros que se tornam mais “visíveis” ao Estado graças ao Censo são os deficientes físicos e intelectuais, disse Caio Sato, do Todos Pela Educação. “Uma pesquisa em menor escala corre o risco de afetar os dados que temos da população com deficiência.”
Na área da saúde, embora os dados do Censo não sejam abundantes, houve especialistas que saíram em defesa da manutenção da pesquisa integralmente.
Ainda em 2019, o médico Drauzio Varella destacou a importância da pesquisa censitária.
“O que significa para a saúde do Brasil não realizar ou cortar o Censo? (…) Significa não saber quantas crianças vivem em cada cidade para calcular a quantidade de vacinas necessárias, contra pólio ou sarampo (por exemplo). Significa não saber quantas são as mulheres para planejar a quantidade necessária de equipamentos de mamografia ou outros exames essenciais para a saúde feminina, e não saber quantos idosos vivem em cada cidade para comprar medicamentos para as doenças crônicas”.
Como o Censo será realizado?
A coleta é feita pelos recenseadores do IBGE, que visitarão os 89 milhões de endereços até o início de novembro.
Pela primeira vez, os moradores de territórios quilombolas serão contabilizados. A coleta domiciliar nas áreas indígenas começa em 10 de agosto, e a dos territórios quilombolas, em 17 de agosto.
No Censo 2022, há dois tipos de questionário: o básico, com 26 quesitos, que leva em torno de 5 minutos para ser respondido; e o questionário ampliado, com 77 perguntas e respondido por cerca de 11% dos domicílios, que leva cerca de 16 minutos. A seleção da amostra que irá responder a cada um é aleatória e feita automaticamente no Dispositivo Móvel de Coleta (DMC) do recenseador.
O questionário pode ser respondido presencialmente, por telefone e pela internet, segundo o IBGE. Em todos os casos é preciso que o recenseador visite primeiro o domicílio, para fazer o contato com o morador.
Os recenseadores estarão sempre uniformizados, com o colete do IBGE, boné do Censo, crachá de identificação e o Dispositivo Móvel de Coleta (DMC). É possível confirmar a identidade do agente do IBGE no site do instituto ou por telefone.
Os primeiros resultados do Censo 2022 estão previstos para serem divulgados ainda no final deste ano. Outras análises e cruzamentos de dados serão divulgados ao longo de 2023 e 2024.
Por que o Censo foi adiado?
A coleta domiciliar para o Censo deveria ter sido realizada originalmente em 2020, mas foi suspensa por causa da pandemia de covid-19.
No ano seguinte houve um novo adiamento, dessa vez por conta de restrições orçamentárias.
A Lei Orçamentária de 2021 foi sancionada sem a recomposição do orçamento original de R$ 2 bilhões para o Censo Demográfico 2021. Com isso, a coleta não pôde ser realizada.
Mas o Censo já vinha sendo tema de debates orçamentários desde 2019, antes mesmo da pandemia.
Na época, o ministro da Economia, Paulo Guedes, queixava-se dos altos custos do Censo, dizendo que o IBGE pedira R$ 2,7 bilhões para realizá-lo, e também da quantidade de perguntas, alegando que recenseamentos em países desenvolvidos têm número mais reduzido de questões.
Na ocasião, porém, Guedes se equivocou: disse que o Censo brasileiro tem 360 perguntas, quando na verdade são cerca de 150 no total.
Especialistas em demografia e técnicos do IBGE afirmam, no entanto, que reduzir drasticamente o número de perguntas pode não apenas não trazer a economia de dinheiro desejada, como também gerar apagões de dados demográficos importantes em algumas partes do país – justamente as mais vulneráveis e pobres.
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