- Anna Foster e Jewan Abdi
- BBC News, Tripoli
Ahmed é adolescente, mas passa os dias trabalhando, em vez de estudar.
Ele mora na cidade de Trípoli, no norte do Líbano, um dos lugares mais pobres do Mediterrâneo. Apesar das horas dedicadas ao trabalho, Ahmed sobrevive com poucos dólares por semana. Ele precisa ajudar sua mãe doente, mas seu trabalho manual e cansativo mal fornece o suficiente para a alimentação dos dois.
Essa sensação de desespero o levou a procurar uma saída.
Em um cyber café de Trípoli, Ahmed começou a conversar com um homem que se identificou como recrutador do grupo Estado Islâmico (EI) — os militantes islâmicos sunitas radicais que chegaram a controlar grandes partes do território da Síria e do Iraque e cometeram atrocidades e ataques terroristas em toda a região e em outras partes do mundo.
“Eu estava estudando a Sharia [as leis islâmicas] e, todos os dias, eles nos ensinavam sobre o jihad [a guerra santa]”, afirma Ahmed. “Eles nos contaram sobre o Iraque e sobre o grupo Estado Islâmico. Nós adorávamos o EI porque ele era famoso. Recebi o contato de um homem na prisão e ele me disse ‘vou mandar você para lá’.”
Discreto e de fala calma, é difícil imaginar Ahmed como um combatente. Nós conversamos sobre os crimes terríveis cometidos pelo grupo e o pressionei para explicar por que ele queria ser parte de algo como aquilo.
“Eu quis entrar no EI e ser um mujahid [combatente] porque não conseguia lidar com a crise por aqui”, responde ele lentamente. “Assim, eu ficaria perto do meu Deus e viveria com conforto, sem ficar sempre preocupado com o custo de vida.”
Ahmed estava decidido. Ele disse ao recrutador que queria se inscrever, deixar o Líbano e viajar para lutar pelo grupo no Iraque e na Síria. Mas, em questão de horas, ele foi capturado pela polícia e preso.
Autoridades de inteligência do exército libanês o interrogaram por cinco dias antes de libertá-lo. Isso fez com que Ahmed lamentasse sua escolha, mas seus vários problemas continuam sem solução.
“Isso me dá vontade de me matar”, afirma ele. “Devo dinheiro que peguei emprestado para comprar móveis para o meu quarto, mas não consigo pagar de volta. Não sabemos o que irá acontecer no futuro.”
Nas travessas de Trípoli, a esperança está em falta — da mesma forma que eletricidade, água, combustível, remédios e empregos.
Estima-se que, no ano passado, cerca de 100 jovens libaneses tenham entrado para o EI. Não é apenas questão de aderir à ideologia extremista representada pelo grupo. Eles estão tentando escapar da pobreza opressiva de um país em crise.
Para muitos, a seita religiosa ou antecedentes familiares impedem que se abram oportunidades para eles. Essa luta pela sobrevivência fez com que alguns jovens tomassem medidas desesperadas.
Nabil Sari é um juiz conhecido em Trípoli. Ele já enfrentou esses casos antes.
“Não há oportunidades de emprego, escola, nem oportunidades de estudo”, afirma ele. “E alguns dos que entraram para o EI por esse motivo se arrependeram e tentaram entrar em contato com suas famílias para voltar — mas não conseguem.”
O grupo Estado Islâmico está longe de ser a força que foi um dia no Oriente Médio. Ele chegou a controlar um território que foi declarado um califado (um Estado Islâmico) na Síria e no Iraque. A maior parte do grupo foi derrotada em uma batalha sangrenta na cidade síria de Baghouz, em 2019.
Mas o pequeno grupo restante que não foi morto, nem preso, continua a atacar alvos nas regiões que antes controlava. E, no início deste ano, os relatos desses ataques começaram a conter detalhes sobre membros libaneses.
O advogado Mohammad Sablouh representa diversas famílias de membros libaneses do EI. Juntos, nós nos dirigimos a Wadi Khaled, no norte do Líbano, onde moravam muitos dos homens desaparecidos. É uma região hostil, mergulhada na pobreza. As crianças brincam o dia todo em becos poeirentos, com brinquedos improvisados. A crise significa que muitas delas não têm oportunidade de ir à escola.
“Aqui é separado do Estado”, explica Mohammed. “Veja estas áreas pobres. Ninguém se importa com elas. O país não está cumprindo sua obrigação com seus cidadãos. E essa classe pobre será usada e recrutada para o EI.”
Bakr Saif desapareceu um ano atrás. Ele estava a semanas de se casar. Antes, havia sido preso e passado algum tempo na prisão, mas estava construindo um futuro com sua noiva. Ele não contou à sua mãe Umm Saif que planejava deixar a região.
“Ele nos disse que iria ver sua noiva e voltaria ao meio-dia”, ela conta, com os olhos cheios de lágrimas. “Ele foi e nunca mais voltou.”
“Soubemos das notícias nas redes sociais”, prossegue seu pai, Mahdi Saif. “Estava em todos os nossos celulares. Simplesmente não acreditávamos. E então todos começaram a gritar e chorar.”
Umm faz uma pausa e enxuga as lágrimas.
“Ele tinha uma vida feliz, estava se preparando para o casamento e estava feliz”, ela conta. “Ele havia saído da prisão. Era um rapaz muito bom. Respeitoso. Educado. Tudo o que eu disser, você pode dizer ‘ela é sua mãe’, mas esta é a verdade.”
Menos de um mês depois, Umm Saif recebeu uma mensagem de voz. Uma voz sinistra, alterada por computador, disse a ela que seu filho havia sido morto em combate pelo EI no Iraque. Estranhamente, a voz disse que ele foi “morto” e não “martirizado”, que é uma expressão muito mais parecida com a linguagem que seria usada em uma mensagem genuína do EI.
Os pais de Bakr não acreditaram na mensagem de voz, nem no que as autoridades libanesas contaram sobre o destino do seu filho. Eles acham que Bakr Saif nunca saiu do Líbano e segue mantido em custódia em algum lugar do país.
Mahdi Saif, o pai de Bakr, mostra o apartamento do seu filho. Está limpo e arrumado, mas vazio, e parece abandonado. Os chocolates em embalagem dourada comprados por Bakr para seu casamento ainda podem ser vistos, esperando para serem consumidos.
O exército iraquiano afirma que Bakr Saif saiu do Líbano e viajou para entrar para o EI. Eles defendem que Saif envolveu-se em um ataque a uma base militar em Diyala, no Iraque, que matou 10 soldados.
Em retaliação, nove membros do EI foram mortos dias depois em um ataque aéreo das forças iraquianas. Metade deles era de libaneses.
As forças iraquianas afirmam que Saif era um deles. Eles insistem que têm certeza absoluta e afirmam que testam o DNA dos corpos para confirmar a identidade dos mortos.
Conversei com o general do exército iraquiano Yahya Rasoul Abdulla sobre os homens que estão deixando o Líbano para entrar no EI. O general tinha palavras fortes para eles.
“Minha mensagem para o mundo árabe, especialmente para a juventude libanesa, é que essa organização terrorista está usando você como lenha para o fogo”, afirmou. “Vocês podem ver e perguntar às pessoas iraquianas que viveram sob controle do EI — eles matavam as pessoas, estupravam as mulheres, escravizavam as mulheres, destruíam propriedades, destruíam toda a infraestrutura e até destruíam as tumbas do profeta. Não sejam combustível das guerras deles, não sejam usados por eles.”
“O exército iraquiano está em toda parte. Aonde quer que vá essa organização, no deserto, nas montanhas, nos vales, nós iremos persegui-los e matá-los”, afirma o general.
Do pico no início deste ano, os números de pessoas que entram para o EI começaram a diminuir. As histórias dos que saíram agora são conhecidas em Trípoli e tornam a perspectiva de segui-los menos atraente.
Mas, enquanto o Líbano continua a lutar contra sua devastadora crise econômica e seus políticos retardam a formação do novo governo meses depois das últimas eleições no país, a vida não está ficando mais fácil. E os recrutadores do EI continuam a circular, esperando atrair uma nova leva de jovens libaneses marginalizados.
Você precisa fazer login para comentar.