- Alex Christian
- BBC Worklife
Davis Nguyen especializou-se em ajudar estudantes universitários a iniciar a carreira de consultores empresariais.
É uma indústria que historicamente paga bem: até mesmo antes da pandemia, algumas das maiores empresas ofereciam aos estudantes salários em dólares que, muitas vezes, aproximavam-se dos cinco dígitos mensais. Mas, no mercado atual, os clientes de Nguyen estão conseguindo resultados ainda melhores.
“Eles vêm me dizer ‘tenho duas grandes ofertas'”, conta o fundador da empresa My Consulting Offer, com sede na Geórgia, nos Estados Unidos. “‘Uma é de US$ 10 mil (R$ 50 mil) e a outra é de US$ 12 mil (R$ 60 mil) [por mês].’ O clima atual fez com que esses recém-formados pudessem ganhar muito mais dinheiro que poucos anos atrás.”
A consultoria empresarial é um dos setores que vêm atraindo cada vez mais formandos, que chegam diretamente da sala de aula para ganhar salários astronômicos — que a maioria das pessoas nunca verá ao longo da vida. Nas grandes empresas de tecnologia, engenheiros de software muitas vezes estão ganhando salários iniciais desse nível. Já nos bancos maiores, o salário dos analistas no primeiro ano disparou em cerca de 30%, atingindo um salário mensal base de pouco mais de US$ 9 mil (R$ 41,5 mil), em alguns casos.
E, nos maiores escritórios de advocacia de Londres, existem advogados recém-formados que começam suas carreiras com um salário mensal de 9 mil libras (R$ 56 mil). Nguyen afirma que “pessoas na casa dos 20 anos ganhando salários iniciais de US$ 8 mil (R$ 40 mil) mensais” vêm se tornando algo mais comum desde o início da pandemia.
Muitas vezes, esses funcionários jovens estão entrando em empresas onde seus colegas começaram com salários mais baixos e precisaram trabalhar muito, anos a fio, até atingir esses níveis. Essas empresas argumentam que se trata de uma reação às necessidades do mercado: a crise de contratação significa que a competição por funcionários talentosos continua acirrada. Se um empregador quiser os melhores candidatos, dispostos a trabalhar por longas horas, eles precisam pagar um alto preço por eles.
Mas, além de atender aos níveis de mercado, será que oferecer altos salários aos recém-formados realmente traz benefícios, como incentivar jornadas de trabalho mais longas ou promover a ética profissional? Ou pode criar consequências indesejadas, tanto para os jovens com altos salários quanto para o mercado de trabalho de forma mais ampla?
‘Alto salário é uma expectativa’
Os salários dos recém-formados vêm crescendo de forma estável há anos.
Segundo dados de 2021 da Associação Nacional de Faculdades e Empregadores dos Estados Unidos, o salário inicial de trabalhadores iniciantes em certos campos específicos disparou. O salário médio de um responsável por ciência da computação, por exemplo, atingiu US$ 6.014 (R$ 30 mil) mensais — um aumento de 7% em apenas um ano.
Nicholas Bloom, professor de economia da Universidade Stanford, nos Estados Unidos, afirma que a demanda por mão de obra está superando rapidamente a oferta em alguns setores, particularmente de alta tecnologia.
A indústria financeira — com cargos que muitas vezes exigem jornadas de trabalho de 70 horas semanais ou mais — também elevou os salários iniciais para contratar os melhores candidatos. Por isso, na maioria dos casos, os recém-formados estão ganhando salários astronômicos apenas como “simples ferramentas de recrutamento”, em meio às condições atuais do mercado de trabalho, segundo Rue Dooley, consultor de recursos humanos da Sociedade de Gerenciamento de Recursos Humanos (SHRM, na sigla em inglês), com sede nos Estados Unidos.
“Os trabalhadores querem ser considerados um ativo valioso para o seu empregador”, afirma Dooley. “Os funcionários mais jovens estão dizendo que o alto salário é uma expectativa, não porque eles necessariamente o exijam, mas porque eles estão cientes da falta de talentos e conhecem o seu preço.”
Isso significa que trabalhadores iniciantes podem garantir planos salariais imensos antes mesmo de saírem da faculdade. “Estamos frequentemente vendo empresas dobrarem de tamanho a cada 18 meses, de forma que os salários dos recém-formados estão rigorosamente acompanhando o mercado”, acrescenta Bloom.
Na área de tecnologia, start-ups menores também estão precisando pagar salários iniciais mais altos para os funcionários, a fim de competir com empresas mais estabelecidas. Josh Brenner, CEO (diretor-executivo) da plataforma de recrutamento Hired, com sede em Nova York, nos Estados Unidos, afirma que os empregadores norte-americanos estão pagando aos funcionários da área de tecnologia, no primeiro ano de trabalho, um salário médio inicial de US$ 9.169 (R$ 45,9 mil) por mês.
Os universitários clientes de Nguyen costumam encontrar empregos com salários muito superiores ao primeiro cargo dele próprio como consultor empresarial. E ele acredita que isso é bom.
Para ele, “os atuais salários iniciais de seis dígitos [por ano] são uma tendência de crescimento que remonta a décadas atrás. Altos salários abrem oportunidades para as pessoas que simplesmente não as teriam de outra forma e não retira dinheiro dos funcionários que começaram com salários mais baixos.”
Algemas de ouro — e outros problemas
Mas, apesar das muitas vantagens, os salários astronômicos podem trazer consequências traiçoeiras.
Em alguns casos, esses trabalhadores podem ficar presos em empregos que eles odeiam, especialmente se construírem estilos de vida em torno dos altos salários — um fenômeno frequentemente chamado de “algemas de ouro”.
Para Nguyen, esses salários podem também desvirtuar a percepção de pagamento dos funcionários jovens, impedindo que eles busquem caminhos de carreira mais significativos.
“Alguns deles podem eventualmente querer mudar [de carreira] para ensinar ou trabalhar para uma organização sem fins lucrativos. Antes, a redução salarial era de cerca de US$ 4,2 mil (R$ 21 mil) mensais. Agora, é de cerca de US$ 8,4 mil (R$ 42 mil) — o que poderá ser suficiente para evitar que alguém mude de carreira”, relata ele.
Os salários astronômicos podem também representar um encargo psicológico para os funcionários jovens. Nguyen afirma que alguns dos seus clientes universitários podem sentir-se intimidados por começarem suas vidas profissionais em um emprego que paga uma fortuna.
“Alguns deles vêm de famílias de baixa renda e pensam ‘o que eu fiz para ganhar tanto a mais que os meus pais?’. Isso pode causar a síndrome do impostor”, segundo ele.
Outros funcionários da mesma empresa podem também se sentir prejudicados quando funcionários iniciantes recebem salários astronômicos sem hesitação dos seus empregadores. Colegas experientes, por exemplo, podem se irritar com esses salários iniciais — especialmente quando levam para casa menos dinheiro que um recém-formado, mesmo após anos de dedicação à empresa. “Isso pode criar questões de disparidade salarial”, segundo Dooley.
E as próprias companhias podem não receber necessariamente aquilo por que estão pagando. Os salários astronômicos realmente podem “comprar” a disposição de um candidato a emprego de trabalhar regularmente por horas extras sem pagamento, mas eles não garantem necessariamente a ética profissional superior.
“O risco é que os empregadores, em alguns casos, consideram que os funcionários serão supermotivados pelos seus altos salários, mas, na verdade, eles não dão valor para isso”, afirma Tomas Chamorro, professor de psicologia empresarial do University College de Londres. Para ele, “altos salários podem parecer bons quando alguém consegue um emprego, mas, assim que eles começam, tipicamente querem muito mais; e os efeitos do bom salário serão psicologicamente ‘extintos’.”
‘Empregos para se agarrar enquanto puder’
Com as condições atuais do mercado de trabalho, os salários iniciais astronômicos provavelmente continuarão sendo a norma em certas indústrias de alta remuneração. Mas é improvável que haja um efeito cascata para os trabalhadores iniciantes em setores fora dessa elite.
Em vez de impulsionar os salários em todos os setores, os salários astronômicos para um conjunto ultraprivilegiado de funcionários podem aprofundar as discrepâncias salariais. “O que estamos vendo é claramente o aumento da desigualdade e o crescimento contínuo das disparidades”, segundo Bloom. “Se você tem um diploma em ciência da computação, pode ganhar US$ 20 mil (R$ 100 mil) por mês com 25 anos, enquanto, se você sair da escola com 16 anos, você poderá ganhar US$ 2 mil (R$ 10 mil) — 90% menos.”
E essa discrepância provavelmente continuará a crescer, mesmo se o mercado de trabalho retornar aos seus níveis normais de oferta e procura. Bloom explica que, embora os salários subam com frequência, eles quase nunca caem.
Já Nguyen destaca que os salários no setor de consultoria empresarial suportaram por muito tempo os rigores da recessão. “Estamos vendo os salários atravessarem muitos ciclos econômicos: as empresas planejam e reestruturam os pagamentos, mas elas nunca conseguem se livrar dos salários astronômicos.”
Por isso, considerando sua resistência às idas e vindas do mercado, a tendência é que os salários astronômicos dos recém-formados não só fiquem cada vez mais estabelecidos, mas também se elevem ainda mais. E, se os empregos ficarem mais escassos com a normalização do mercado de trabalho, esses salários ficarão cada vez mais fora do alcance da maioria das pessoas.
“Os salários iniciais astronômicos chegaram para ficar. Se o crescimento diminuir, isso significará que será ainda mais difícil alcançá-los”, afirma Bloom. “Estes são empregos para se agarrar enquanto puder — se puder — [mas apenas] para algumas pessoas privilegiadas.”
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