- Holly Williams
- BBC Culture
Quando Cecil Beaton fotografou a rainha Elizabeth 2ª para celebrar sua coroação, em 1953, tudo correu conforme o esperado: com toda a pompa, portando o orbe, o cetro, a coroa e os mantos, com seu trono dourado imponente em meio à grandiosidade da abadia de Westminster…
Na verdade, não foi assim. O cenário da foto é falso – uma simples imagem do local onde ela foi coroada rainha. A fotografia, na verdade, foi tirada em uma sala do Palácio de Buckingham, com a abadia de Westminster representada por um pano de fundo: um cenário no qual a rainha desempenhou o seu papel.
Olhando para a fotografia hoje, ela parece um tanto inconsistente – uma imagem de conto de fadas, com um pano de fundo que praticamente poderia ter saído de um dos primeiros desenhos animados da Disney, pintados à mão. Mas é também o cenário perfeito para a monarca que passou a vida sendo fotografada e pintada. Sua própria irrealidade a eleva e a protege.
Depois de posar para centenas de retratos oficiais e de incontáveis obras de arte extraoficiais inspiradoras, Elizabeth 2ª permanece impenetrável: a pura interpretação de um papel.
Nós pensamos na arte do retrato como a captura da essência ou a definição de um caráter intangível, mas os inúmeros retratos da rainha não conseguem oferecer nenhuma revelação. Nunca houve um verdadeiro momento público de surpresa quando achamos que estávamos vendo a mulher por trás da coroa.
Evitando baixar a guarda
É claro que existem imagens espontâneas que capturam breves momentos não ensaiados, como a bela fotografia ensolarada da rainha a bordo do navio HMY Britannia, de Patrick Lichfield (1972), quando ela ri ao ver o fotógrafo imerso na piscina com a câmera à prova d’água inteligentemente nas mãos.
Ou a imagem hilariante de Mark Stewart com a rainha se afastando dos bolinhos, quando foi tomada de surpresa enquanto tomava chá com alunos do Eton College no Guards Polo Club em Windsor, na Inglaterra (2003).
Mas, quando a questão são os retratos formais, ela permanece, digamos, formal.
E a rainha sem dúvida tem muita experiência no assunto. Depois de 70 anos de dedicação ao serviço público, seguindo protocolos que agora parecem antiquados, talvez não seja surpreendente que ela não queira baixar a guarda para os artistas.
Elizabeth 2ª não precisa se relacionar. Ela continua sendo frequentemente retratada com toda a regalia, como uma armadura suntuosa de proteção, com sua grandiosidade teatral nos lembrando que ela não é como nós – e talvez que nós não devemos desejar ser como ela.
E toda essa pompa certamente é irresistível para muitos retratistas, seja na série brilhante, sombria e suntuosa de Annie Leibovitz (2007) ou na fotografia intitulada Rainha dos Escoceses, Soberana da Antiquíssima e Nobilíssima Ordem do Cardo-Selvagem e Chefe dos Chefes, de Julian Calder (2010).
Esta fotografia é outra visão de conto de fadas, com a rainha em pé em meio a uma paisagem escocesa, em um enorme manto de veludo verde-esmeralda, olhando intensamente para o vazio. Ela é sensacionalmente dramática e poderia ser uma imagem de Game of Thrones, mas está longe de humanizá-la.
Mesmo o polêmico retrato de Lucian Freud (2001) mostra a rainha usando uma tiara. A pintura foi amplamente criticada na imprensa. O jornal The Sun saiu com a manchete “É uma caricatura, Majestade”, enquanto Robert Simon, editor do British Art Journal, publicou a imortal avaliação de que o retrato “faz com que ela pareça um dos [cães da raça] corgi reais que sofreu um AVC”.
Já para Adrian Searle, crítico de arte do jornal The Guardian, este foi o melhor retrato real “dos últimos 150 anos, pelo menos”.
Ele escreveu: “espera-se que um retrato vá além da pele; Freud foi além do pó [de arroz], o que, por si só, não é uma tarefa fácil”. Assim, mesmo elogiando, o crítico reconheceu que o maior pintor britânico vivo na época só teria conseguido ir além da maquiagem da monarca – sem realmente chegar ao seu interior.
Para mim, os dois retratos que chegam mais perto de indicar uma vida interior da rainha Elizabeth 2ª têm em comum algo muito inusitado: a monarca está com os olhos fechados.
Os retratos holográficos de Chris Levine (2004) mostram a pompa e circunstância habitual – mas há entre as fotografias formais uma imagem da rainha com os olhos fechados que chama a atenção do observador. Ela é genuinamente bela, absolutamente radiante, mas também carrega um raro senso de autenticidade: esta é a intimidade da rainha, que, por um momento, entrou dentro de si.
“Eu queria que a rainha parecesse em paz, então pedi que ela repousasse entre as fotografias. Foi um momento de quietude que simplesmente aconteceu”, contou Levine ao The Guardian em 2009.
“Essa foto nos conduz à mente da rainha, seu reino interior.”
Outra imagem não é um retrato formal, mas, mesmo assim, é notável: a fotografia de Mark Stewart chamada A Rainha chorando no campo de recordações, Abadia de Westminster (2002). Ela captura um raro momento de vulnerabilidade e emoção de Elizabeth 2ª, durante uma cerimônia que antes era sempre conduzida pela sua mãe, no ano seguinte à sua morte.
Mesmo essa imagem certamente revela uma tentativa de manter o controle, com a rainha fechando os olhos. É surpreendente que, mesmo nas duas imagens que parecem mais “reais”, o observador ainda não tem pleno acesso. Se os olhos são as janelas da alma, a rainha fechou as cortinas.
A rainha e seu país
O rígido controle da imagem oficial da rainha resultou em um efeito colateral interessante. Elizabeth 2ª não parece uma pessoa real para nós: ela se tornou um símbolo. Uma imagem fortemente estabelecida e instantaneamente reconhecível.
Seus retratos poderão não mostrar um ser humano, mas sim (e pode ser exatamente o que ela espera que aconteça) transformá-la em um puro ícone. E os artistas adoram ícones.
Muitas das imagens mais conhecidas da rainha não são retratos cordiais, mas sim obras que usam sua imagem de forma irreverente, espirituosa ou subversiva. É claro que isso só funciona se a imagem for suficientemente conhecida para que se faça uma releitura – o que certamente é o caso de Elizabeth 2ª.
Afinal, ver aquela imagem em milhões de selos e moedas britânicas por 70 anos certamente ajuda. Aparentemente, seu perfil é tão identificável que os selos do Reino Unido são os únicos do mundo que não precisam mencionar seu país de origem.
Mas isso também permitiu que a imagem da rainha simbolizasse todo tipo de contradição: um apelo visual que pode ser utilizado tanto para celebrar quanto para criticar a realeza, os privilégios e o poder; a identidade britânica, inglesa ou o imperialismo; a tradição, a resistência, o autocontrole… mas também um certo tom de kitsch, exagero ou ostentação.
Os artistas usam a imagem da rainha para dizer o que eles querem dizer ou como um rico pano de fundo para o seu estilo e a sua estética; eles não tentam representá-la precisamente como uma pessoa. Por isso, o histórico de imagens não autorizadas de Elizabeth 2ª oferece quase que um curso intensivo das diversas tendências da arte contemporânea.
Um exemplo é o tratamento colorido de pop art oferecido à rainha por Andy Warhol (1985), provando que ela é um símbolo tão grande como Marilyn Monroe, Mao Tsé-Tung ou a lata de sopa Campbell’s. Ou as criticadas colagens de Jamie Reid (1977) nas quais a rainha é retratada como punk, com um alfinete de segurança na boca, ou em uma inesquecível associação à música antimonarquista God Save the Queen, da banda britânica Sex Pistols.
O quadro do pintor George Condo Sonhos e Pesadelos da Rainha (2006) é um desenho caricato e, na verdade, não tem nenhuma semelhança com a monarca. Ele foi apelidado de The Cabbage Patch Queen, pela semelhança com uma boneca vendida com esse nome nos anos 1980, que ficou conhecida no Brasil como boneca Pimpolho.
Mas o manto e o penteado nos fazem presumir de quem se trata, mesmo sem o título. É a rainha Elizabeth 2ª na brincadeira de um artista.
Mais recentemente, artistas de rua britânicos como Banksy e Pegasus incorporaram a imagem da rainha às suas obras. Em um mural singularmente apolítico e não questionador em Bristol, na Inglaterra, Banksy incorporou Elizabeth 2ª a outro ícone, David Bowie, em uma composição relâmpago no estilo do personagem de Bowie Ziggy Stardust.
Já Pegasus transformou a rainha em uma modelo pin-up, posando timidamente em frente a uma bandeira britânica em tons pastéis (dá para notar que são as cores da bandeira do orgulho trans?) na porta de um pub do norte de Londres, em 2015.
O último ícone da realeza
Como em muitas imagens apropriadas de Elizabeth 2ª, existe uma grande dose de afeto nessas exageradas reinvenções. E essas ilustrações talvez sejam menos relacionadas com a própria rainha, mas sim celebrem um certo sentido britânico de irreverência.
Existe também ironia e afeto nos filmes e fotografias de Alison Jackson com os sósias da realeza, que incitam o observador com a aparente sugestão de que a rainha sente fortes emoções ao fazer apostas, tira selfies com os netos e canta junto ao piano. Existe um humor agradável na ideia de que ela é como nós, afinal – algo que seus retratos oficiais certamente nunca conseguiram e talvez nem tenham tentado mostrar.
Ainda mais malicioso – ou cruel e provocador, você escolhe – é o enorme retrato de Kim Dong Yoo (2007). O que parece ser uma imagem borrada ou pixelada da rainha, quando examinada mais de perto, é composta de centenas de minúsculas imagens pintadas à mão… da princesa Diana. O título? Elizabeth vs. Diana.
Essa menção de Diana pode nos levar ao outro motivo que faz com que Elizabeth 2ª seja um puro ícone visual: o fato de que ela é provavelmente a última da linhagem de ícones reais. Diana teria sido o único outro membro da realeza a chegar perto dela, com sua imagem adorada e venerada, objeto de exibições apenas sobre a sua aparência – mas sua morte foi trágica demais para realmente permitir o uso do seu rosto de forma irreverente, como às vezes acontece com a rainha.
E, quanto aos outros… sabemos demais sobre Charles, William, Kate e outros membros da família real para que eles assumam o papel da rainha neste particular. Elizabeth 2ª pode ter mantido sua privacidade e dignidade em uma era de supercompartilhamento de imagens e informações, mas seus familiares são como astros de reality shows, com cada um de seus movimentos sendo documentado e analisado. Nós achamos que os conhecemos, com suas personalidades e defeitos.
Elizabeth 2ª certamente será a última da realeza a ser tão famosa e, ao mesmo tempo, tão pouco conhecida.
Todos os retratos artísticos do príncipe Charles precisam lidar com tudo aquilo que associamos a ele – eles não podem ser simplesmente algo kitsch.
E você não usaria a imagem de Kate, a menos que tivesse algum comentário a fazer, como sobre a intromissão da imprensa ou as expectativas atuais de feminilidade. As colunas dedicadas na imprensa a ela, sua família e sua “rivalidade” com Meghan Markle indicam que ela dificilmente seria uma tela em branco como a rainha estranhamente ainda pode ser.
Também é improvável que o próximo monarca tenha um reinado tão longo. É cruel, mas Charles não estará nas moedas e selos por tempo suficiente para tornar-se icônico. Já Elizabeth 2ª reinou e foi usada como imagem por sete décadas de enormes mudanças – um fato refletido na forma em que ela é usada nas artes visuais, com sua imagem oscilando com as mudanças das tendências, de uma forma que também é improvável que possamos ver novamente com outro chefe de Estado no futuro próximo.
Certamente, os artistas britânicos continuarão a exibir os membros da família real, mas suspeito que suas interpretações servirão mais para fazer comentários sobre a monarquia ou a sociedade moderna, sejam eles afetuosos, subversivos ou críticos.
Eles provavelmente não se tornarão ícones visuais mundialmente reconhecidos, únicos e estabelecidos. A imagem da rainha Elizabeth 2ª com certeza continuará a reinar por muito tempo.
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